Denúncias anônimas resultaram na descoberta de um latifúndio-cativeiro no Maranhão. Entre 1º e 9 de abril, setenta camponeses foram libertados de regimes de escravidão.
Cativeiro onde eram mantidos os coletores de jaborandi em Codó, Maranhão
No latifúndio Abelha, localizado na cidade de Codó, no km 478 da BR-316, trinta e cinco trabalhadores, sendo três mulheres, eram submetidos a trabalho escravo. No latifúndio Imperial, no mesmo município, seis homens foram resgatados. O latifúndio Abelha, segundo o relato dos camponeses libertados, pertence ao Grupo F. C. Oliveira, que atua no ramo de exploração dos derivados do coco babaçu, frigoríficos, produtos de limpeza doméstica e higiene pessoal.
Outro cativeiro foi descoberto em Bacabal, no latifúndio E.I.B, no km 385 da BR-316. Vinte e nove homens trabalhavam em condições degradantes em uma carvoaria.
Outra investigação coordenada pelo Ministério do Trabalho constatou que, no ano de 2007, 25 pessoas foram submetidas a trabalho escravo no latifúndio Pôr do Sol, na cidade de Bom Jardim, no interior do Maranhão.
Poderes do latifúndio semifeudal
O latifúndio Pôr do Sol pertence ao juiz Marcelo Baldochi, que aparecia, segundo os camponeses libertados, de 15 em 15 dias, nas terras para inspecionar os trabalhos. O juiz Baldochi foi incluído na mais recente lista nacional divulgada pelo Ministério do Trabalho com os nomes dos latifundiários acusados de explorar trabalho escravo. A relação do MT traz os nomes de 203 pessoas e empresas, sendo a maioria dos estados do Pará, Maranhão, Tocantins e Goiás.
O relato de um camponês após a libertação revela as condições subumanas as quais eram submetidos. Os camponeses eram obrigados a competir com o gado para beber água.
— Tem que pegar antes que o gado ‘sai’ de lá do curral, que vai pra água. Tem que pegar antes que ‘solta’ o gado, pra pegar água mais limpa. (reportagem do Fantástico exibida no dia 15/03/09).
A lista do Ministério do Trabalho inclui também os nomes de outros 33 latifundiários do Maranhão.
Uma delas foi prefeito de Santa Luzia, cidade com 70 mil habitantes, por duas ocasiões. O ex-prefeito e latifundiário Antônio Braide havia prometido, segundo os camponeses, um salário ilegal de R$ 100 por mês (menos de um quarto do já defasado salário mínimo) e, grande parte desse valor ínfimo retornava para o latifundiário através de uma conhecida amarra semifeudal: era ele quem vendia alimentos e equipamentos de trabalho aos camponeses em seu armazém. Uma das leis não escritas do latifúndio, que o monopólio de comunicação tenta passar como coisa de novela.
Alagoas
Interdição da BR-101, em Alagoas
Na manhã do dia 7 de abril, trabalhadores de uma usina interditaram um trecho da BR-101 que denunciavam condições de trabalho escravo.
Eles interromperam o trânsito nos dois sentidos da pista e queimaram pneus. Cortadores de cana, motoristas e fiscais da usina denunciaram o atraso no pagamento dos salários, que suas famílias estão passando fome e que são impedidos de procurar outros trabalhos porque suas carteiras profissionais foram retidas pela usina.
Espírito Santo
O Ministério Público Federal no Espírito Santo denunciou os latifundiários Peres Vieira de Gouvêa e Peres Vieira de Gouvêa Filho por exploração de trabalho escravo no latifúndio Jerusalém, na cidade de Alegre, sul do Estado.
Segundo a Procuradoria do MP, no último 16 de março, uma fiscalização conjunta realizada pelo Ministério Público do Trabalho, Polícia Federal e Ministério do Trabalho e Emprego constatou que pai e filho mantinham na fazenda seis pessoas em regime de escravidão que trabalhavam em lavouras de café, feijão e milho.
Os camponeses não recebiam salários, eram obrigados a comprar comida, bebida alcoólica e cigarros no armazém do latifúndio. Seus documentos pessoais foram tomados pelos latifundiários para que eles não pudessem ir embora. Os camponeses denunciaram que eram forçados a uma jornada de trabalho de 12 horas diárias e viviam em alojamentos insalubres.
Essa situação só veio à tona devido à fuga de um adolescente que, após ser agredido pelos latifundiários, conseguiu fugir e transmitir a denúncia ao Conselho Tutelar da cidade.
Pará
No início do mês de abril, 46 camponeses, entre eles duas mulheres, foram libertados de um cativeiro em São Félix do Xingu — PA. Eles trabalhavam em condições de escravidão na coleta de folhas de Jaborandi, usadas na indústria farmacêutica e cosmética. Homens e mulheres dormiam em barracos de lona, sem acesso a água potável ou sanitários. Do valor que recebiam pelas folhas coletadas, era descontado um alto preço pela comida e produtos de primeira necessidade, fornecidos obrigatoriamente pelo patrão.
Também nesse caso, a denúncia de trabalho escravo foi realizada por um dos camponeses que conseguiu escapar, andando cerca de 100 quilômetros pela selva até chegar a um ponto onde conseguiu pegar uma carona até a parte urbana de São Félix do Xingu.
Alguns dos camponeses libertados contaram que faziam uso de maconha para suportar o trabalho e que a droga consumida também era descontada do pagamento. Os camponeses resgatados foram deslocados para um hotel na cidade e seis deles foram internados imediatamente apresentando graves quadros de inanição.