O trabalho do cartunista Carlos Latuff é publicado nos quatro cantos do mundo por pessoas e grupos que resistem ao imperialismo. É monitorado pelos serviços de inteligência dos USA, foi ameaçado de morte por setores israelenses ligados ao Likud, vem sendo vigiado pela polícia do Rio de Janeiro e difamado pelas corporações brasileiras de mídia.
Sua última iniciativa pode ser vista em oito outdoors espalhados pela cidade do Rio de Janeiro desde segunda-feira (21/7), assinado pelo Conselho de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedca): uma ilustração que critica duramente a política assassina do governador Sérgio Cabral (PMDB), detalha um policial segurando um fuzil recém-disparado e uma mãe negra desesperada com o filho morto no colo. Ao fundo, uma favela e o caveirão, o blindado da polícia, atirando a esmo. Não poderia haver retrato mais contundente acerca do modelo de segurança pública do Rio, que tem a polícia que mais mata no mundo.
Segundo o desembargador Siro Darlan, presidente do Cedca, o governador ficou incomodado com o desenho: "O governador disse que estava muito ofendido com aquele outdoor". A ponto de telefonar para a empresa de outdoor e mandar tirar — ordem que até o fechamento desta edição ainda não havia sido obedecida.
Os jornais O Globo e O Dia publicaram fotografias dos outdoors em suas edições dos dias 22 e 23 de julho. Ambos optaram por usar fotolegendas. O tom do texto do Globo limitou-se a dizer: "leitores reprovam desenho".
O desenho cortante de Latuff era acompanhado pelo anúncio do ato público realizado nesta quarta-feira, 23/7. Uma missa para lembrar os 15 anos da Chacina da Candelária e de outras barbaridades cometidas no Rio (Alemão, Providência, Baixada, entre outras) e, em seguida, os cerca de mil participantes caminharam pela Avenida Rio Branco em direção à Cinelândia. O nome do ato: "Caminhada pela vida".
Durante a caminhada, a repórter do Globo tentou entrevistar Carlos Latuff. Foi solenemente ignorada. Ouviu apenas um "com licença" e teve de se contentar em vê-lo se afastar pelo outro lado da pista. No dia anterior, um jornalista do Extra (que também pertence às organizações Globo) pediu seu contato. Ouviu uma resposta nada amigável: "Eu quero é que seu jornal se f….!". Nada contra o jornalista em si, nada pessoal, diz Latuff. O problema é quem vai dar a forma final ao texto. "Você conhece o editor dele? Esse cara é que vai me quebrar", diz o cartunista, que já teve suas palavras distorcidas por uma edição do RJTV, da TV Globo. A partir daí, e por entender o papel jogado pelas corporações de mídia como um dos sustentáculos do sistema capitalista, Latuff decidiu não mais conceder entrevistas para estes veículos de comunicação.
Por último, Latuff comenta o uso do termo "polêmico" pelo monopólio dos meios de comunicação:
— É irônico. Esses jornais não acham a realidade polêmica, mas sim o desenho que a retrata. Para eles, não é a política de segurança que é polêmica, mas o desenho. Para O Globo e a imprensa de modo geral não existe polêmica quando a polícia entra na favela e mata 30. A polêmica é quando vem o desenho. É curioso como uma charge pode ser mais polêmica que a própria realidade.O fato é que aquele desenho não tem ficção. Aquilo não é nenhuma ficção da minha cabeça. Qualquer cidadão do Rio de Janeiro entende aquela imagem. Nem precisava de texto. Ela é quase uma fotografia, uma representação fiel da realidade. E cumpre função inglória: de esfregar a realidade na cara das pessoas.