Legado sem fim

Carlos Arthur Nuzman (centro), hoje preso, comemora escolha do Rio para cidade-sede, 2006 (Pierre-Philipee Marcou/AFP)

Legado sem fim

Corrupção, fraudes, lavagem de dinheiro, e um estado quebrado, esses são os grandes legados deixados pela Copa e as Olimpíadas no país. Mas quem já não sabia?

Pierre-Philipee Marcou/AFP
Carlos Arthur Nuzman (centro), hoje preso, comemora escolha do Rio para cidade-sede, 2006 (Pierre-Philipee Marcou/AFP)
Carlos Arthur Nuzman (centro), hoje preso, comemora escolha do Rio para cidade-sede, 2006

A Copa da Fifa e os Jogos Olímpicos de verão são os principais eventos esportivos no mundo. De dois em dois anos, durante algumas semanas as atenções do planeta se voltam para os países-sede, que além de receberem os maiores atletas da atualidade, costumam utilizá-los para divulgar suas cidades e promover sua cultura para o resto do mundo.

Mas, ao contrário do espírito esportivo, esses megaeventos se tornam grande oportunidade de negócio e lucros para os especuladores imobiliários e os monopólios transnacionais. E, como não podia deixar de ser, colecionando casos e mais casos de corrupção. Nas últimas duas décadas, praticamente todas as escolhas das sedes para Copa da Fifa e Olimpíadas estiveram envolvidas em denúncias de corrupção, fraudes ou lavagem de dinheiro, e com o Brasil não foi diferente.

Em um país semicolonial como o nosso, era natural que os arquitetos da espoliação nacional encontrassem um terreno fértil para colocar em prática um dos maiores casos de corrupção da história. Desde que o país foi escolhido como sede da Copa da Fifa e dos Jogos Olímpicos de 2016, o governo PT/PMDB, na época sob a gerência de Luíz Inácio, bradou aos quatro ventos que aqueles megaeventos seriam uma oportunidade única para o país, e que o legado deixado por eles se transformaria no passaporte para o futuro que, enfim, chegaria a nossas praias. Diante das críticas ao dinheiro público investido em detrimento das necessidades básicas da população, como educação e saúde, Luíz Inácio desconsiderava, recorria a velhos clichês ufanistas e distribuía pérolas como “ser contra a Copa do Mundo e as Olimpíadas por falta de hospitais é um retrocesso enorme”.

“Retrocesso” esse que foi coibido violentamente pelas esferas governamentais que participaram da farra esportiva. Além da privatização do espaço público, a militarização das cidades-sede, a segregação das camadas mais pobres da população e a criminalização de toda e qualquer forma de manifestação contrária ao circo montado em nossas praças, praticamente todas as obras realizadas no período foram superfaturadas. Em depoimento na Operação “Calicute”, a mesma que levou o ex-governador Sérgio Cabral para a cadeia, o executivo Clovis Primo, da Andrade Gutierrez, detalhou que assim que o país foi escolhido como sede da Copa do Mundo de 2014, todas as empresas interessadas em participar das obras se reuniram para fazer um conluio que as beneficiassem. O acerto mais consistente se deu entre a Odebrecht e a Andrade Gutierrez, que davam cobertura uma a outra para fraudar as licitações que participavam.

A quadrilha olímpica

Apontado pelo Ministério Público Federal (MPF) como o chefe da organização criminosa que desviou milhões de reais dos cofres do estado, Cabral tinha um sofisticado esquema de propina que envolvia membros do governo estadual, do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ), da Assembleia Legislativa (ALERJ) e grandes empresários. Além de receber uma mesada das empreiteiras Andrade Gutierrez e Carioca Engenharia, o ex-governador cobrava 5% sobre o valor total das obras realizadas no estado, como a reforma do Maracanã e linhas do metrô, e mais 1% de taxa de “oxigênio”, que seria destinada aos outros membros da quadrilha.

Ainda segundo o MPF, os generosos benefícios fiscais em favor das empresas envolvidas no esquema de corrupção fizeram com que o estado do Rio de Janeiro deixasse de arrecadar mais de R$ 183 bilhões em cinco anos. Isso demonstra  que a crise financeira que assola o estado, humilha os servidores públicos, e deixa a população entregue à própria sorte está diretamente ligada aos movimentos da quadrilha que tomou de assalto o estado do Rio. Mas ao falarmos de corrupção e lavagem de dinheiro em eventos esportivos, não poderíamos nos esquecer dos principais dirigentes do esporte brasileiro.

Ellan Lustosa/AND
Manifestação contra o massacre olímpico no Rio de Janeiro, 2016 (Ellan Lustosa/AND)
Manifestação contra o massacre olímpico no Rio de Janeiro, 2016

No dia 5 de outubro de 2017, o então presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), Carlos Arthur Nuzman, o homem que durante 22 anos comandou de maneira tirana os rumos do esporte olímpico nacional, também virou réu na Operação “Lava Jato”, acusado de intermediar a compra de votos para que o Rio de Janeiro fosse escolhido sede dos Jogos Olímpicos de 2016. Como não poderia deixar de ser, o onipresente Sérgio Cabral, que já foi condenado a mais de 87 anos de prisão e ainda responde a 20 outros processos na justiça, acumulou mais uma condenação à sua extensa folha corrida. Nuzman, que chegou a ser preso pela Polícia Federal em outubro, teve a liberdade concedida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), mas ao que tudo indica, o ex-presidente do COB, que aumentou o seu patrimônio em 457% nos últimos dez anos, coincidentemente os anos em que o país recebeu os Jogos Pan-Americanos (2007), a Copa do Mundo de Futebol e as Olimpíadas, e guarda 16 quilos de ouro num cofre da Suíça, ainda terá muito que explicar.

No USA, o ex-presidente da CBF na época da Copa, José Maria Marin, apoiador do regime militar-fascista, passou o réveillon na cadeia. José Maria Marin foi condenado por organização criminosa, fraude financeira e lavagem de dinheiro. Com isso, sua pena pode chegar a até 120 anos. Aqui no Brasil, Marco Polo Del Nero, o substituto de Marin na CBF, por via das dúvidas, preferiu sair à francesa e passar a bola para o seu testa-de-ferro de plantão, Coronel Nunes, outro agente do regime militar-fascista.

Olhando para trás poderíamos afirmar que tudo que aconteceu durante esses eventos já era esperado. Havia um governo oportunista eleitoreiro, a lógica do mercado ditando as regras em um país semicolonial, uma grande burguesia nacional criminosa que vive associada ao  velho Estado e ao capital imperialista, e um monopólio da imprensa totalmente conivente e parceira dos crimes cometidos contra o povo brasileiro. O papel vergonhoso que grande parte da imprensa teve durante todo esse processo não é nenhuma novidade, ela é um dos pilares do sistema excludente que impera no Brasil, por isso, é cada vez mais importante a existência da imprensa popular e democrática em nosso país.

Ao longo das últimas duas décadas, o jornal A Nova Democracia tem se sustentado nos leitores operários, camponeses, estudantes e na intelectualidade progressista. Assim tem mantido inalterada sua linha editorial radicalmente antagônica à imprensa reacionária e vendida aos interesses das classes dominantes e do imperialismo.
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