Incentivo ao trabalho precário, supressão de direitos na Previdência e entraves para recorrer à justiça contra os desmandos da burocracia são as principais novidades.
A última crise de superfície a atingir o Planalto e o Congresso não paralisou as atividades do Executivo e do Legislativo. Enquanto a imprensa monopolista dava destaque às irrelevâncias de sempre, o Executivo, a Câmara e o Senado continuaram trabalhando. O resultado, como normalmente ocorre, foi altamente prejudicial à população trabalhadora.
Sem justiça
No dia 7 de agosto pp, foi promulgada a Lei 12.016, que estabeleceu novas regras para o trâmite e julgamento de uma modalidade de processo judicial chamada mandado de segurança.
Ao contrário da maioria dos países latino-americanos — onde a ladainha liberal-burguesa sobre direitos individuais é levada um pouco mais a sério —, não existe no Brasil o chamado recurso de amparo, mediante o qual todo cidadão pode ir à justiça contra qualquer ato governamental que viole direitos constitucionais seus ou do conjunto da população. Seu sucedâneo mais próximo é o mandado de segurança.
A antiga lei de regência desse tipo de processo (1.533/51) impunha importantes entraves a seu uso pelos cidadãos, como o prazo máximo de quatro meses para entrar na justiça. Apesar disso, o mandado de segurança era um instrumento relativamente efetivo contra os abusos de pretensa autoridade que alguns funcionários do Estado cometem no dia-a-dia. A nova lei, porém, cria novos entraves e dificulta ainda mais a possibilidade de se recorrer à justiça contra os desmandos da burocracia estatal.
Seu pior aspecto é a proibição do uso do mandado de segurança para questionar atos de órgãos públicos em relação aos quais caiba recurso ao próprio órgão (art. 7º, I). Trata-se de um dispositivo inspirado no “Pacto Republicano” imposto por Gilmar Mendes a Luiz Inácio e ao parlamento, e que visa diminuir a carga de trabalho dos juízes à custa da restrição dos direitos do povo. Agora, um trabalhador que pretenda aposentar-se e tenha seu direito infringido pelo INSS não poderá mais ingressar com um mandado de segurança sem antes recorrer a outra instância dentro do próprio INSS (que consegue ser mais lento que o Judiciário e quase nunca reconhece direito algum).
Sem Previdência
E é no âmbito do INSS que situam-se os outros ataques importantes aos direitos da população trabalhadora ocorridos no mês de agosto. O Decreto 6.939, do dia 18, modifica o regulamento da Previdência Social de modo a tirar de pessoas inválidas o direito à pensão pela morte de seus familiares.
Até então, os inválidos tinham direito à pensão pela morte das pessoas a quem cabe o dever legal de sustentá-los (pais e irmãos). Esse dever de sustento não depende, nem nunca dependeu, da época em que começasse a invalidez. Se alguém, em virtude de doença ou acidente, torna-se inválido depois de adulto, seus parentes são obrigados a ampará-lo — e por isso a legislação previdenciária sempre assegurou a continuidade desse amparo após a morte da pessoa que arcasse com ele.
Pela nova regra, só terão direito à pensão aqueles que tiverem se tornado inválidos antes de completar vinte e um anos de idade, de se casar e de ter fonte própria de sustento. O efeito disso é deixar totalmente desamparadas milhares de pessoas que não têm condições físicas de trabalhar e sustentar-se e dependem de suas famílias para não morrer de fome.
Incentivo a call-centers
Essa draconiana restrição aos direitos da população trabalhadora talvez tenha a ver com os generosos favores concedidos, três dias depois, a algumas empresas pelo Decreto 6.945, do dia 21. Esse decreto reduziu consideravelmente a contribuição das empresas de tecnologia da informação e da comunicação à Previdência Social.
A concessão de incentivos fiscais a determinados setores é, a princípio, um instrumento legítimo de política econômica. No caso das empresas de tecnologia da informação, os incentivos até seriam parcialmente justificáveis como forma de incentivar a produção de tecnologia. No entanto, esse propósito teoricamente correto é utilizado como biombo para favorecer firmas de consultoria e assessoria em informática (que não produzem nada e portanto não teriam porque ser favorecidas), além de monopólios transnacionais (já que na concessão do incentivo a empresas de análise e desenvolvimento de sistemas não se diferencia a Microsoft dos pequenos fabricantes nacionais).
O pior aspecto do Decreto 6.945, porém, é a equiparação das empresas de call center a empresas de informática. Além de não contribuir de nenhuma forma para o desenvolvimento de tecnologia e de infernizar a vida da população sugada por suas empresas-clientes (como as telefônicas), os call-centers são o principal foco e símbolo do trabalho precário. Famosas pelos baixíssimos salários, desrespeito a seus trabalhadores e altíssima rotatividade da mão-de-obra, essas empresas simbolizam o processo de erosão das garantias trabalhistas ocorrido nos anos de 1990 e 2000. Uma sociedade minimamente justa e civilizada resolveria fechá-las; mas numa semicolônia em crise como o Brasil, é possível que seja exatamente por isso que o governo resolveu dar-lhes esse prêmio.