O simpático comerciante Salim Kalaoun, sincero e irremediavelmente brasileiro, nasceu no Líbano, em novembro de 1947. Embarcou com três meses de idade num navio que demorou outros três meses para fazer a travessia do Mediterrâneo e do Atlântico — da legendária Trípoli à, então, capital do Brasil, num pós-guerra muito difícil para certas áreas do mundo.
Salim é advogado. Estudioso dos assuntos relacionados aos povos asiáticos da África e da Ásia, ele divide seu tempo ministrando palestras nas universidades e os negócios de sua loja, na Saara, bairro comercial do centro do Rio. Muito atencioso, já no primeiro número de AND ele nos concedeu uma entrevista surpreendente e esclarecedora. Depois, outra. Nesta edição, Dr. Salim Kalaoun retoma alguns aspectos dos dias recentes do Líbano e de sua brava gente — aquela que compartilha a história de nosso país e a de todos os povos que lutam pela sua libertação.
A crise do Oriente Médio, nasceu na Segunda Guerra Mundial, e proliferou por essa época por pretexto dos judeus ricos na Europa. Em 1930, antes de ser deflagrada a Segunda Guerra Mundial, já havia um movimento sionista que pretendia formar um "Lar Nacional Judaico".
Como a Palestina tinha sido dominada pelos britânicos, após a Primeira Guerra Mundial, a Inglaterra permaneceu ali como mandatária. Ela tinha feito a Liga das Nações lhe entregar um mandato e, só oficialmente, a Palestina não era colônia britânica.
Por estarem os judeus na Europa, eternamente refugiados e clamando por um lar, os sionistas fizeram dessa reivindicação base para o seu argumento para ocupar a Palestina. Claro e evidente, o árabe, tanto o cristão quanto o muçulmano, nunca negou o direito espiritual de nenhum outro que invoque direitos cívicos ou religiosos, e jamais o fará.
O árabe é semita (tem como ancestrais os hebreus, os aramaicos, os fenícios e os árabes propriamente) e nunca deixou de reconhecer o judeu semita e sua importância histórica — que é a do semita em geral viver no solo natal, seu e de seus antepassados. Então, tem o judeu semita — o safaradi. Esse outro, é o judeu convertido, o escanasi. O árabe não se opõe ao direito natural de convivência na Palestina ou em outros países vizinhos. Mas também sobre esses, o árabe não tem nada contra. E não pode ter. Não existem no mundo argumentos para isso.
Além do mais, que importância tem o direito natural? Ele é muito frágil para todos, e acaba virando um engodo porque — mais importante é responder se ele está ali para viver do que é seu e do que consegue com o seu trabalho, ou se vem para viver explorando, ou seja, tomando a vida dos outros, enquanto diz ser aquele seu território natal.
O Hezbollah (o Partido de Deus), nasceu dentro do Líbano, quando imperava uma crise bárbara, implantada pelos "americanos" e pelos sionistas com apoio dos imperialistas de uma maneira geral. Isso veio acarretar um movimento de libertação, não só do Líbano, mas também do Iraque, do Afeganistão, da Palestina e aqueles outros países árabes.
Invertem os fatos
Outra coisa, é que esse tipo de Estado de Israel é reconhecido pela ONU, mas não pelos estados árabes — apenas pelo Egito, um governo reacionário, que abandonou a causa palestina. Breve, isso tudo vai aparecer na história. Os povos árabes daquela região toda vão cobrar essa situação, essa covardia.
No caso do Líbano, estão se aproveitando da sua formação, com várias nacionalidades existentes ali, jogando umas contra as outras.
Para o monopólio da imprensa no mundo, Israel é democrático. Como democrático? Israel, hoje, tem uma população de 5 ou 6 milhões de habitantes. Existem territórios reconhecidos pela ONU em 1948, mas uma população de 1,5 milhão de palestinos. Esses não têm representação proporcional dentro da Palestina — sua terra! É até considerado um povo de terceira categoria. Que democracia é esta que os "americanos" tanto aplaudem? E nós temos que assistir isso de braços cruzados?
Mesmo antes da fundação do Estado sionista na Palestina, já todo aquele que não apoiava a extrema direita e o imperialismo, era considerado terrorista.
Sayyid Nasrullah é terrorista? Ele está lutando pela causa da libertação do Líbano, seja ele xiita, sunita, alavita, não interessa. Interessa que ele é um libanês que luta por causa justa. Chamar de terrorista um combatente da causa de seu povo, isso sim, é terrorismo. Por que Israel — que tem mais de 10 mil prisioneiros, entre libaneses, sírios e palestinos… — não negocia com o Partido de Deus, lá no Líbano? Mas prefere causar uma guerra a pretexto de que dois soldados "foram presos" pelo Hezbollah. Os soldados de Israel estavam dentro do território libanês e, por isso, não foram sequestrados. Eles foram capturados. O Partido de Deus não sequestrou ninguém. Teria sequestrado se o Hezbollah tivesse entrado em Israel.
Na verdade, quem manipula Israel são os magnatas judeus que têm origem lá fora. Em alguns estados "americanos", o atual grupo que está no poder no USA precisa ganhar votos, porque ali se concentram as forças maiores do capital financeiro internacional e europeu que, por sua vez, controla os meios de comunicação no mundo. Nesses estados se concentra a população de judeus ricos mais reacionários. São os Estados de Nova York, Nova Jersey, Flórida, Califórnia e mais alguns.
E vão manchar uma civilização com o sangue.
Exército libanês
Cedo ou tarde, os povos daquela região vão cobrar de seus dirigentes. Os árabes nada tem que cobrar de Israel. Eles têm que formar uma força porque infelizmente o governo libanês nunca organizou um exército ao nível da situação do Líbano. O exército libanês é proibido de entrar naquele pedaço do Líbano. Por isso, Israel não quer abrir mão do que encontrou nos bolsos de Ben Gurion, um papel dizendo: "A fronteira do norte de Israel tem de ser onde está o Rio Litani".**
Do Rio Litani até à fronteira entre o Líbano e Israel, há um território que é um terço do Líbano. Aquela região do sul do Líbano é riquíssima em água e Israel precisa de água; então vai buscar sempre recursos através de invasões e pilhagens. Quem sempre buscou a guerra foi Israel sionista. Há um século começou aquele movimento sionista. Entram, formam grupos terroristas e começam a expulsar os palestinos. Explodiram o Hotel Rei David com os ingleses dentro, em Jerusalém.
Chega a resistência
O Hezbollah não é o único grupo da resistência. Quando esclarecemos esse aspecto, a questão da resistência ganha uma maior amplitude. E quem faz parte do povo libanês de fato? Existem algumas pequenas nacionalidades dentro do povo libanês, onde surgem partidos e divisões internacionais como comunistas, democratas, socialistas, tanto do lado cristão como no muçulmano. O mundo árabe se divide desta forma.
A Síria, por exemplo, não é essa Síria de hoje, mas sim a região denominada "crescente fértil" que são representados por Síria, Iraque, Líbano, Palestina, Jordânia, Kwait (Grande Síria). Em outros países próximos em que os britânicos interviram são representados por Arábia Saudita, Iêmen, Bahrein, Qatar, e outros. Aí vem Egito e Sudão, Líbia, Tunísia, Argélia, Marrocos, Mauritânia. Esses países formam o ocidente árabe.
Quando chegaram os franceses e os ingleses o mapa do local foi redesenhado e mudado, a favor dessas potências, e de todos que participaram e apoiaram o imperialismo. Essas, eram representadas, sobretudo pelas elites árabes, tanto muçulmana como cristã. A partir daí partidos surgiram acumulando força e representação. Por exemplo: a direita libanesa é que detém o poder. Por quê? Porque tem apoio do USA e França. Então, por outro lado, a resistência, hoje, no contexto geral tem um vasto apoio.
Esses governos aí de braços cruzados, apoiados pelos "americanos", por Israel inclusive, nada fazem enquanto o Líbano é invadido e arrasado. Arrasaram com toda a infra-estrutura do país, para jogar uns contra os outros, porque o Líbano é formado por várias minorias: libaneses, armênios, curdos. gregos, turcos, assírios, caldeus e albaneses. Nelas surgem comunidades religiosas, sejam cristãs, muçulmanas, judeus safaradi (judeus semitas).
Além do mais, o regime no Líbano é confessionalista, ou seja, eles tem representantes no parlamento libanês de uma maneira que forma a confissão deles.
No Líbano, todo parlamento é representado pelas comunidades confessionalistas. Então está dividido: metade cristã e a outra metade islâmica. Na islâmica tem: analita, sunita, xiita e drusa. Do lado cristão tem: maronita, grego ortodoxo, melquita, católico latino e protestante. Portanto, é preciso considerar as nacionalidades (maioria e minorias) com seus partidos políticos; as forças laicas e religiosas.
Líbano república
Foi dado o nome República do Líbano em alusão às montanhas do Líbano, que estão dentro da Síria. Porém, o poder, quando os franceses o entregaram aos libaneses, ficou em mãos da elite libanesa, constituída por cristãos maronitas. Dentro desse contexto, o maronita começou a impor seu poderio.
Os palestinos se concentraram no sul do Líbano e eu respeito porque houve derramamento de sangue. Mas não iria resolver nada. A estrutura bélica deles era muito fraca e ainda eram chamados de terroristas por parte da imprensa "mundial". Mas não eram terroristas! Eles só queriam retornar às suas casas e à sua pátria de onde foram expulsos. Sendo assim, foi jogado um "irmão"contra o outro. Aí começou a briga pelo poder com o palestino se aliviando com armamento. De outro fronte a "Falange Libanesa" (dos maronitas), apoiada com armamento do USA e Israel, foi aliciando jovens para combater. Em suma, o Estado perdeu o poder, o exército foi dividido e a guerra continua.
Quer dizer, tem exército nacional, mas dividido, que não toma partido. Dentro do Líbano, atualmente, nesses termos ele tem mais a função de defesa civil. Não é um exército coeso, porque senão estaria preparado para o inimigo.
A classe que dirige o exército é a burguesia financeira composta por banqueiros dentro e fora do país. Há um número insignificante de latifundiários no país. Não tem essas propriedades latifundiárias imensas que vemos aqui no Brasil. A indústria também é muito pequena. O país vive de turismo. Há uma burguesia burocrática, muito ligada à financeira, que controla a administração pública. A taxa de juros lá é bem mais baixa do que a do Brasil. Em suma, o exército tem que fazer essa defesa agora, embora alegue não ter armamento para encarar Israel. Se o povo não se defender, ninguém irá defendê-lo!
Quando Israel invadiu o Líbano, o sul libanês ficou como território absoluto israelense. Nenhum exército libanês podia entrar, nenhum da ONU. A partir daí criou-se o Hezbollah, a fim de libertar essa área. O governo libanês não tem essa força armamentista. Por isso, criou o partido. O Hezbollah tem 4 ministros. O que dá força para ele é o governo do Líbano e não qualquer outro mentor. O Hezbollah não é a única organização que participa da resistência. Além de ser reconhecido pelo próprio governo libanês, o Hezbollah é conhecido pelos países árabes. E é muito bem reconhecido pelo povo libanês. Inclusive tem representantes no parlamento, demonstrando que é uma milícia legítima de resistência e que, portanto, não procede o rótulo de "grupo terrorista".
Sionismo — Uma das correntes inspiradas no imperialimo, surgida no final do século 19 pelas classes exploradoras judias. O sionismo defende uma suposta excepcionalidade e superioridade racial e tornou-se a ideologia oficial do Estado de Israel. Como a política do imperialismo é o fascismo, tome o nome que tomar em cada país dado, o sionismo é anti-democrático, racista, expansionista e militarista. Para isso, também faz exacerbar a defesa de outra tese cientificamente falsa, a da existência de uma única nação judia, que inclui todos os judeus, independente dos países onde residem. Além do mais, premeditadamente lança a confusão entre Estado e Nação. O sionismo é estritamente ligado aos grupos mais poderosos e genocidas do capital financeiro internacional e lança os judeus contra os outros povos. Por fim, para enganar os judeus de Israel e de outros países, o sionismo faz crer que é socialista e, ao mesmo tempo, um movimento de libertação nacional. Mas o sionismo se opõe radicalmente ao socialismo científico, sua propaganda lança o ódio contra o proletariado e contra as lutas de libertação nacional. A própria ONU, na resolução nº 3379, na 300ª sessão da Assembléia Geral, em 1975, declarou o sionismo como uma forma de racismo e de discriminação social. ** Rio Litani — Nahr Al Litani, rio do Líbano que limita o sul deste país até a fronteira da Palestina tomada por Israel. Essa área é tratada como de "segurança". É defendida pelo Hezbollah e outras organizações da resistência libanesa. O Líbano vem sofrendo constantes invasões, desde 1958, quando 100 mil fuzileiros ianques ocuparam vários pontos daquele país. Em 1973, quando 300 mil palestinos obtiveram refúgio no sul do Líbano, Israel invadiu a região e bombardeou aquela parte do território. A falange cristã libanesa se lançou contra o território massacrando os palestinos refugiados. Em 1976, as "tropas de paz" da Síria ocuparam a região a convite do governo libanês. Em 1981, Israel bombardeou Tiro e Sidon, enquanto forças sírias lançavam bombas sobre o vale de Bekaa. Em julho, israelenses bombardearam a área indo até o oeste de Beirute. Em junho de 1982, Israel ocupou Tiro e Sidon, arrasaram Tripoli, Nebatié, Beirute e sequestraram 8 mil palestinos refugiados. Agentes do Mossad, extensão da CIA, destruiram 17 anos de pesquisas de um instituto palestino no Líbano. A 15 de setembro de 1982, Israel ocupou Beirute, enquanto que traidores das chamadas forças libanesas, lideradas por Elie Hbaiga, assassinaram centenas de civis desarmados em Sabra e Chatila. Comandos israelenses foram os maiores responsáveis pela matança. Somente em 1985 Israel se retira de Beirute, mas se mantém na "faixa de segurança". René Moawad, eleito em 15 de novembro de 1989, com posições árabes, é assassinado no dia 2 de dezembro do mesmo ano. Em outubro de 1990, a Síria invade e destitui o presidente libanês. Abril de 1992, Israel bombardeia aldeias libanesas no vale de Bekaa. Em 1993, Israel voltou a bombardear campos de refugiados palestinos. Em 1997, novos ataques de Israel ao Líbano.