Libertaremos nosso país

Libertaremos nosso país

O Fórum Social Mundial ignorou solenemente a resistência iraquiana, assim como todos os movimentos de libertação nacional ou processos revolucionários em desenvolvimento no mundo. Mas, mesmo com todo o cerco imperialista, a brava luta do povo iraquiano se fez representar. Por iniciativa do Núcleo de Advogados do Povo, de Belo Horizonte, no dia 27 de janeiro, um representante da Aliança Patriótica Iraquiana, Sammi Alaa, concedeu uma entrevista coletiva nas dependências da Usina do Gasômetro, no centro da capital gaúcha, onde se concentravam as atividades da imprensa.

A intervenção da resistência iraquiana, representada pelo porta-voz da Aliança Patriótica Iraquiana, destoou completamente dos discursos ouvidos à exaustão nos debates sobre o imperialismo ocorridos no World Social Forum, insistentemente calcados num pacifismo, cujos princípios são a renúncia e o apoio descarado ao imperialismo. Para isso existe o WSF. A propaganda da justa guerra travada pelo povo iraquiano — tarefa de todos os democratas —, exercendo o seu legítimo direito à defesa, teve profundo eco nas pessoas bem intencionadas que participavam do evento patrocinado pelo imperialismo europeu, o que foi demonstrado na manifestação que se realizou três dias depois, organizadas por várias organizações nacionais e internacionais.

Abaixo, o conteúdo da entrevista de Sammi Alaa:

É ilegal e ilegítimo todo o processo que acarretou essa ocupação. Em consequência, todas as organizações políticas que se estabeleceram depois da invasão são também ilegais. O conselho provisório de governo que foi estabelecido no dia 30 de julho do ano passado, quando os americanos passaram o comando para esse suposto governo interino e também essa eleição. Todos esses processos são ilegais e ilegítimos.

Antes da ocupação imperialista do Iraque, nossa grande reivindicação era a liberdade política e a conciliação nacional que permitissem a unificação das forças patrióticas e populares contra a agressão imperialista. Para tal, em 2002, representantes da Aliança Patriótica Iraquiana procuraram negociar com o governo iraquiano anistia geral que facilitasse a formação de um movimento unificado contra a invasão. Com a guerra, a direção da API decidiu o retorno de todos seus militantes ao país.

Unificar a resistência

Nosso movimento e nossos militantes apóiam incondicionalmente a resistência militar à ocupação imperialista, não reconhecendo qualquer negociação, órgão ou instituição nascidos à sombra do poder invasor. Porém, um dos nossos principais objetivos era, e é, a formação de frente política que unifique e represente essa oposição. No desempenho desse esforço, em 4 de setembro de 2004, nosso secretário geral, Ab-duljabbar Al-kubaysi, foi sequestrado pelas tropas anglo-estadunidenses, que temem fortemente essa unificação.

O sequestro de Al Kubaysi

O companheiro Al-kubaysi é engenheiro civil, de 58 anos, casado, com dois filhos. Antes de retornar ao Iraque, ele viveu refugiado do regime de Saddam Hussein, primeiro na Síria e, a seguir, por sete anos na França. Atualmente, sua família, seus amigos e seus companheiros de luta e de idéias reivindicam que a Cruz Vermelha e a Anistia Internacional exijam que os invasores revelem onde está ou o que sucedeu a Al-kubaysi, já que eles negam, simplesmente, a detenção, feita com operativo que envolveu dois helicópteros, blindados e dezenas de soldados estadunidenses. Ou seja, uma prisão feita, à luz do dia, diante de dezenas de testemunhas. Após a ocupação, milhares de cidadãos, homens e mulheres, jovens, adultos e idosos, foram e continuam sendo presos, torturados e não raro, executados. O que o monopólio das comunicações revelou até agora é apenas a ponta de um iceberg de dor e de terror.

A composição da resistência

Hoje, em forma geral, a resistência militar tem três grandes grupos.

O primeiro grupo é constituído por núcleos de combatentes formados por militantes baathistas, panárabes, socialistas, comunistas patrióticos etc (Sammi alerta que os comunistas patrióticos não são membros da organização impostora que se intitula Partido Comunista Iraquiano, que apóia e colabora com a ocupação).

O segundo grupo é composto sobretudo por oficiais e soldados do antigo exército e polícia iraquianos, que não depuseram as armas e prosseguem resistindo. As ações mais planejadas, com mais recursos, são efetuadas por esse grupo, o mais preparado.

O terceiro grupo é formado por militantes religiosos sunitas, xiitas e até cristãos. Em geral, esses grupos foram formados por patriotas que ingressaram individualmente na resistência, e não devido a uma ordem superior de um partido, de um líder, etc. São grupos esparsos, no máximo articulados local ou regionalmente e não são leais a uma pessoa ou partido, mas ao Iraque e ao povo iraquiano.

Os grupos religiosos não são mais do que uns dez por cento de toda a resistência iraquiana. Todos os grupos que participam da resistência têm direito ao apoio e ao respeito total. Entretanto, nenhum desses grupos pode pretender aparecer, diante da opinião interna e externa, com uma dimensão que não possui, no seio da própria resistência.

O imperialismo está tentando demonizar a resistência iraquiana. Em primeiro lugar eles dizem que esses grupos não são compostos por iraquianos, mas por grupos do exterior e querem fazer crer que a resistência iraquiana tem matado civis e pessoas inocentes, que sequestra essas pessoas e os decapita. Deixo claro que a resistência iraquiana condena toda e qualquer degola em território iraquiano, assim como todas as ações praticadas por grupos como o de Al zarqawi. Os alvos da resistência são as forças de ocupação e os colaboracionistas.

O programa político

Em geral, a resistência concorda com dois pontos fundamentais. Ou seja, a necessidade de libertar o Iraque das forças imperialistas de ocupação e de transformar o país em uma nação independente e democrática, que respeite os direitos de todos, sem exceção. Para chegarmos a isso é que reconhecemos como ilegítima qualquer decisão e instituição nascida da ocupação militar, que legitima os objetivos da própria ocupação.

Nacionalidades e religiões

A sociedade iraquiana é de grande tradição secular, multiétnica e pluri-religiosa. No Iraque, vivem povos de origem árabe, européia, curda, turcomana, etc., que professam a religião cristã, judaica, muçulmana, xiita e sunita, etc. Em verdade, nenhum governo iraquiano, seja a monarquia, seja os governos que se sucederam após a Revolução de 1958, jamais tentaram impor um sistema único. Essa diversidade é uma das razões da resistência à ocupação anglo-estadunidense, que tenta impor um modelo único de vida.

O que se vê como explicação para a resistência é uma mistura de religião com nacionalidade, porque eles não nos reconhecem como um Estado árabe.

As dimensões da resistência

A resistência fortaleceu-se, do ponto de vista geográfico, estendendo-se do Norte ao Sul. No exterior, aparece que ela se restringe sobretudo à área sunita. Em verdade, a luta é mais forte ali onde há mais tropas ianques. A resistência se fortaleceu quantitativamente. A cidade de Falluja foi literalmente arrasada, por aviões, blindados, etc., no início de novembro e, ainda agora, em fins de janeiro, a luta continua na cidade. Rumsfeld foi obrigado a confessar que a resistência está agora mais forte do que antes das eleições ianques. Houve também salto qualitativo, como prova o abatimento, há alguns dias, de um helicóptero pesado. Os generais ianques já reconheceram que há praticamente trinta cidades resistindo. Há boa possibilidade de que, após a farsa das eleições, a resistência passe a lutar pelo controle de cidades inteiras. Pela natureza geográfica do Iraque nós temos desertos e cidades. Somente o norte tem montanhas. Na parte de deserto quase não há população. A resistência acontece nas cidades e as mulheres participam ativamente dela, principalmente, atuando na área da inteligência mas muitas combatem também, estando presas aproximadamente 9 mil iraquianas.

A farsa das eleições

Os ocupantes não conseguem uma vitória militar e tentam forjar uma vitória política. As concessões formais deveram-se também à vontade de legitimar a ocupação, já que a própria carta das Nações Unidas exige que as forças de ocupação se comportem segundo as leis internacionais. Eles tentaram todos os estratagemas nesses dois últimos anos, mas fracassaram. Após a resistência haver derrotado os militares ianques é que foi deflagrado esse chamado processo eleitoral. A administração Bush tem muitos problemas para resolver e eles não têm nem uma pequena vitória militar para contar.

Além disso, os ianques falam de guerra civil no Iraque, mas é porque eles estão equipando milícias que dão apoio à ocupação do Iraque como justificativa para não retirarem as tropas. Nós convivemos com a diversidade há 5 mil anos e nunca comemos um ao outro. Há muçulmanos, judeus e cristãos.

Os dois partidos xiitas que apóiam as eleições chegaram ao Iraque na esteira dos blindados e são partes do plano dos estadunidenses, que darão o poder para eles, desde que sustentem seus objetivos. Esses partidos não representam a população xiita.

A revolução de 1958 nacionalizou as riquezas do país, golpeando duramente a burguesia comercial sunita e xiita. Ela certamente apóia a política de privatização empreendida pelos anglo-estadunidenses. O boicote ditado pelos USA através da ONU, após a agressão de 1991, fez quase desaparecer a classe média iraquiana. Alguns setores da mesma certamente procurarão se locupletar com a nova ordem.

As necessidades da resistência

A resistência iraquiana não necessita de armas, nem de dinheiro, nem de soldados, tudo isso nós temos no Iraque. A única coisa que precisamos é de apoio político. Nós nunca esqueceremos o apoio que temos recebido de grupos políticos do mundo inteiro.

Há muitas evidências de que o governo iraquiano preparou a resistência. Três semanas antes do início da invasão, o governo abriu todos os depósitos de armas para o povo e deu treinamento de três meses todos anos depois da primeira agressão, tanto para mulheres como para homens. Um amigo da Universidade da Suécia estava no Iraque nesse período, e mostrou à API um vídeo que mostra uma grande quantidade de armas nas mãos dos iraquianos nas periferias das cidades e povoados. Estima-se que existam cerca de 45 milhões de peças militares nas mãos do povo iraquiano.

A maior certeza

Um dia nós libertaremos nosso país. Temos 100% de certeza disso e esta é a natureza da história.

Após a libertação não vamos pagar um centavo dos contratos feitos com esses países que participaram da agressão.

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