Licitação de áreas petrolíferas: erro estratégico fatal

Licitação de áreas petrolíferas: erro estratégico fatal

A partir do final da década de 80, a hegemonia do USA, implementada através do Consenso de Washington, fez aumentar as pressões para que os paises latino-americanos revissem as práticas de proteção às suas riquezas naturais e cessassem os monopólios em áreas estratégicas, disponibilizando-as para o próprio USA, que só tem 10% desses recursos que precisam (ver livro Ressource Wars do escritor norte-americano Michael Clare). O próprio Departamento de Defesa do USA tem entre as suas cinco estratégias, uma que diz: “impedir que países potencialmente hegemônicos se desenvolvam (Ana Chechena — socióloga mexicana — FSM nº 2)”. Se o Brasil e a América Latina se desenvolverem consomem os recursos que os EUA precisam.

No Brasil, o governo FHC promoveu as mudanças da Ordem Econômica (cap. V da CF de 1988) que feriram profundamente a Soberania Nacional entre essas mudanças estava a do monopólio estatal do Petróleo contido no artigo 177, que seria regulamentada por uma lei ordinária. Assim, a partir de 1997, através da Lei 94 78/97 (artigos 26 e 60), desmontou-se o controle pelo Estado brasileiro do setor petróleo, que era monopólio da União, executado pela Petrobrás, usando-se o argumento falacioso de que empresas estrangeiras trariam capital para investir em novas áreas. Sucederam-se 6 licitações conduzidas pela ANP e o que se viu foi que essas empresas só se interessaram por áreas onde a Petrobrás já havia corrido todos os riscos geológicos e financeiros.

A 6ª licitação incluiu áreas promissoras (áreas azuis) que a Petrobrás foi obrigada a devolver, conforme alguns juristas, em desacordo com a lei. É o caso da maior parte do bloco BC-60 em que ela encontrou 2 bilhões de barris na sua parte norte e, por isso, pelo artigo 33 da lei 9478/97, deveria desenvolver as atividades de produção em todo o bloco. A 6ª licitação Incluiu também a boa área do C-M 61 que a Petrobrás devolveu.

A nova diretoria da Petrobrás perfurou, em 2003, diversas áreas que a diretoria anterior estava guardando para serem entregues, no mês de agosto, à ANP para leiloar. Nelas foram então descobertas reservas de cerca de 6,6 bilhões de barris. Mais de 50% das reservas provadas existentes. Como estamos produzindo 90% do consumo, estas novas descobertas garantem a auto-suficiência, pelos próximos 10 anos, contados a partir de 2006. Estas descobertas, inclusive, gerarão produção excedente. Neste caso, a Petrobrás ficará no incômodo dilema de produzir para exportação ou devolver parte das concessões. Esse é um dos absurdos da Lei 9478/97. Portanto, se forem mantidas as licitações das áreas, incluindo as azuis que a Petrobrás foi obrigada a devolver, elas só entrarão em produção em 2008, com a produção excedente em andamento. Não haverá argumentos para impedir a exportação, predatória, pelas novas proprietárias. Aliás, é pertinente dizer que a Shell já está exportando 70.000 barris por dia de petróleo leve, de excelente qualidade, extraído do campo de Bijupirá/Salema, por ela adquirido, sem que a auto-suficiência seja atingida.

O artigo 26 da Lei 9478/97, dá a propriedade do petróleo a quem o produzir, contrariando o artigo 177 da Constituição, que foi mexido, mas não foi revogado. O artigo 26 se baseia no artigo 176 (minérios) que dá a propriedade do minério a quem o produzir. Só que, existindo o artigo 177, específico para o petróleo, segundo vários juristas este prevalece sobre aquele e não outorga a propriedade do petróleo, caracterizando a inconstitucionalidade do artigo 26 da Lei Ordinária (9478/97).

Quando se quebrou o monopólio com a Lei 9478, os argumentos invocados eram a necessidade do capital externo para desenvolver novas áreas. Nas seis licitações ocorridas isto não se confirmou: as empresas só se interessaram pelas áreas que a Petrobrás investiu e correu todo o risco geológico. Só a Petrobrás tem adquirido áreas novas. Na 6ª licitação ocorreu um fato grave: o edital introduziu um alto grau de subjetividade, como o item do Conteúdo Local – fornecimento de equipamentos por empresas nacionais. Foi dado a este item um peso de 40% para julgamento das propostas. Enviou-se carta a ANP alertando para isto, sem sucesso. Veio a concorrência e uma empresa estrangeira, usando esse artifício, adquiriu a melhor das áreas (CM-61), por um preço mais baixo do que o da Petrobrás. A empresa apresentou um conteúdo local de 81% (inviável) em detrimento do oferecido pela Petrobrás (viável) de 60%. Houve fato mais grave ainda: é que uma das empresas do consórcio vencedor (a coreana SK) vinha negociando parceria com a Petrobrás e discutindo estratégias de proposta. Com esses dados se associou à Devon e derrotou a Petrobrás usando informações privilegiadas. Não existem parâmetros para exigir do consórcio o cumprimento dessa falsa promessa. Pôde-se mentir impunemente. Qualquer cobrança sobre isto só vai ocorrer daqui a 8 anos, quando a empresa for adquirir equipamentos de produção. Quem vai se lembrar? 

 

A questão estratégica

Além da questão constitucional é preciso considerar-se a questão estratégica: não existe um único estudo ou planejamento energético que recomende a exportação de petróleo. Ao contrário, as entidades especialistas sérias internacionais apontam a possibilidade do terceiro e definitivo choque do petróleo para o entorno de 2015. Isto porque é previsto que o pico de produção (oferta) ocorrerá nessa época e que a demanda vai superar a oferta, irreversivelmente. Se em condições menos críticas, as guerras ocorridas após a Segunda Guerra Mundial foram, quase todas, por petróleo, receia-se um recrudescimento perigoso na luta por petróleo após 2015. Em face dessas previsões estima-se que o preço do barril atingirá US$ 50 em 2010 e ultrapassará os US$ 100 a partir de 2015. Se o governo tivesse uma visão estratégica de País soberano, estaria procurando guardar o pouco petróleo que temos e investiria maciçamente em energias alternativas. Temos petróleo para cerca de 18 anos apenas e nossa geologia não nos dá perspectivas de grandes descobertas. Assim, se confirmarem as licitações, poderemos chegar em 2015 com apenas um terço das nossas reservas e voltarmos a ser importadores.

A energia alternativa (solar, eólica, de biomassa), por sua vez, é renovável, e o Brasil o país mais bem contemplado por ela no planeta. Ela gera empregos por todo o país, é produzida em Real, mas leva cerca de 20 anos para se implantar. Já estamos muito atrasados nas pesquisas e investimentos nessa modalidade. Falta visão estratégica e sobra pressão das empresas de combustível fóssil contra ela.

O caso do petróleo mexicano é um exemplo assustador: em 1994 o México deu o seu petróleo como garantia de dívida; até 1998 ele mantinha a média de 48 bi lhões de barris de reservas. Sob o governo Fox, o México passou a suprir os EUA com mais intensidade. Resultado: as reservas mexicanas caíram para 12,6 bilhões de barris em 2002 (www.anp.gov.br). É o que pode ocorrer com o Brasil se exportarmos petróleo: voltar, precocemente, à condição de importador quando os preços explodirem.

Outros dados preocupantes: existe uma rebelião surda na Arábia Saudita contra a submissão incondicional ao USA; a incrível invasão do Iraque; na Rússia, há uma queda de braços entre o governo e a maior empresa de petróleo (privatizada) a Yukos; as reservas mundiais sofreram uma redução da ordem de 25% recentemente. Muitas empresas e países haviam superdimensionado suas reservas visando maior crédito bancário (empresas) ou maior cota de exportação (paises da OPEP). O governo (MME) está usando, como justificativa da 6ª licitação, dados falsos fornecidos pela ANP (a curva de produção e demanda não combinam com o que a Petrobrás apresenta em seu planejamento estratégico). Estes e outros fatores levam à conclusão de que qualquer licitação/exportação de petróleo é um atentado à manutenção do Brasil como país soberano.

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