No mês de abril uma coluna do Exército Popular de Libertação, do Partido Comunista do Peru, assentado na zona do Vale dos rios Apurímac e Ene (VRAE), realizou duas emboscadas consecutivas contra tropas do Exército Peruano na localidade de Sanabamba. Esta ação militar resultou em 15 baixas entre os membros das forças armadas peruanas. Dias depois, o mesmo Exército Popular de Libertação, equipado com lança-foguetes RPG esteve a ponto de derrubar um helicóptero MI-17, no qual viajava ninguém mais ninguém menos que o Chefe Militar do Comando Conjunto das Forças Armadas do Peru, Francisco Contreras.

Exército peruano é rechaçado pelos guerrilheiros no Vale do Apurímac e Ene
A verdade é que há vários anos vêm se repetindo nessa região ações dos revolucionários maoístas, ainda que o Estado fascista peruano, com a participação de suas forças armadas e policiais, tenha recuperado posições militares em grande parte do país, onde antes operavam os guerrilheiros. No VRAE, a presença maoísta mantém-se irredutível, inclusive durante a década de 1990, que foi a mais difícil, na presença do agora sentenciado por múltiplos assassinatos Alberto Fujimori, quando as forças armadas do Peru fizeram ataques militares sanguinários nesta mesma área, destruindo populações civis a torto e a direito.
Em 2010 completarão 3 décadas do início da luta armada empreendida pelo Partido Comunista do Peru — ou Sendero Luminoso, como o batizou a reacionária imprensa peruana —, guiado sob uma concepção político-militar maoísta que ainda promove um processo revolucionário pela tomada do poder nesse país andino, ao qual denominou — fiel a sua linha ideológica — como Guerra Popular.
O Partido comunista do Peru demorou mais de uma década para tomar a decisão de eleger qual seria o teatro principal de operações, ou seja, escolher onde assentaria seu Comitê Principal no processo da Guerra Popular que estava para iniciar. Esta foi sem dúvida uma reflexão minuciosamente desenvolvida desde o final da década de 1960, tempo que inicia o processo de sua reconstituição partidária.
Afinal, por que este partido decidiu que o Comitê Principal se estabeleceria na região de Ayacucho? Por que se atribuiu tanta importância à região do Vale dos rios Apurímac e Ene (VRAE)? Por que até hoje persiste a guerrilha nesta área? São perguntas que nos fazemos para compreender a lógica e a estratégia de uma das organizações políticas mais importantes dentro da história recente das lutas pela emancipação dos povos oprimidos do mundo.
É necessário lembrar que no final da década de 60 houve no Peru grupos guerrilheiros em áreas com pouca população. Esse tipo de concepção seguia a lógica guerrilheira concebida por Ernesto "Che" Guevara, que através de uma reflexão de sua participação no processo de tomada do poder em Cuba, planejou a estratégia de lutar a partir de "focos guerrilheiros", deixando de considerar outras variáveis como a necessidade de se apoiar nas massas populares, no povo em que se desenvolvia a luta armada.
Guevara morreu no decorrer da primeira campanha de "cerco e aniquilamento" preparada pelo Exército boliviano em Ñacahuazú, no estado de Santa Cruz de La Sierra na Bolívia, como também fracassaram em pouco tempo de iniciada a guerrilha seus seguidores Lobatón e Luis de La Puente Uceda, no Peru que se guiaram também pela concepção guevarista do "foco guerrilheiro".
Retomemos então nossas considerações sobre os critérios assumidos pelo Partido Comunista do Peru para instalar em 1980 seu Comitê Principal no VRAE.
Para tentar a resposta a estes questionamentos, se deve partir da indicação de que este Vale tem uma extensão geográfica com uma superfície de 12 mil km², na qual se encontram tanto montanhas escarpadas dos Andes peruanos como matas tropicais na zona de transição com a Amazônia deste país. Essa cobertura verde vai desde 540 a 3 mil metros de altitude. A região se caracteriza por sua grande diversidade, onde vivem múltiplas espécies animais e vegetais. O VRAE se caracteriza também por sua variedade étnica, entre elas quechuas, ashaninkas e machiguengas que se comunicam em quechua* e espanhol e, em menor grau, outras línguas como a ashaninka. O vale percorre várias comunidades e distritos nas regiões de Ayacucho, Cuzco e Junín tendo grande influência sobre outras regiões com a de Apurímac.
A população que vive no VRAE é em sua maioria indígena e camponesa e uma das áreas mais pobres do Peru. Sobrevivem fundamentalmente da agricultura, através de produtos como o café, cacau, feijão, arroz, entre outros, sendo cultivados há muitos séculos. Em parte do VRAE existe a presença de semeadores e cultivo de coca, o que tem sido motivo de atração de narcotraficantes. Fontes oficiais do governo peruano apontam que mais de 90% da produção de coca do VRAE vai parar nas mãos do narcotráfico, servindo de insumo para a preparação da cocaína "mais pura do mundo", segundo afirmam essas mesmas fontes. Outra das atividades principais é o turismo, principalmente o chamado ecoturismo, assim como o turismo de aventura.
Além do mais, a região tem uma antiga tradição de ter sido palco de várias lutas camponesas tanto contra o Estado, como contra o regime gamonal instaurado particularmente nas partes mais altas do VRAE. Os levantamentos dos camponeses de La Convención em Cuzco, durante a década de 50 e 60 são sempre lembrados ainda pela população da região, como pelos lutadores populares, historiadores e cientistas sociais que atribuem a esses fatos históricos, grande relevância para que o Estado peruano assumisse o processo de reforma agrária no final da década de 60, durante a ditadura do general Juan Velasco Alvarado. Este foi um dos mais fortes processos de reformas das relações no campo já realizados na América Latina, mas atacou somente o latifundismo, deixando sobreviver o gamonalismo que em muitos casos foi assumido pelo próprio Estado peruano, através da cadeia administrativo-corporativa das Cooperativas de Sociedades Agrícolas de Interesse Social (SAIS).
Nesse contexto, o Partido Comunista do Peru realiza suas atividades guerrilheiras tendo forte apoio e relação com a população camponesa, com a luta contra a opressão, convive, fala seu idioma e compartilha a mesma miséria, percorrendo vales, selvas e montanhas desta diversa geografia. Se passaram anos desde a prisão de sua chefatura, um duro golpe político-militar, do qual o Partido ainda não se recuperou totalmente. No entanto, as bases desta área eleita como Comitê Principal não baixaram suas bandeiras, senão que combatem e resistem permanentemente à constante perseguição das forças armadas e policiais assentadas ali há muito tempo como órgãos de repressão indiscriminada, com bases militares como a de Pichari e diante da freqüente intenção do Estado fascista peruano de instalar uma base militar norte-americana. São fatos que demonstram que os objetivos políticos do internacionalismo proletário, bem como os objetivos nacionais da guerrilha maoísta, são sutilmente entrelaçados com um manejo inteligente do contexto político local.
Permanentemente, as forças repressivas do Peru, o monopólio dos meios de comunicação e os chamados "senderólogos" tentam ligar a atuação dos guerrilheiros com o narcotráfico, assim como lhe atribuem atitudes abusivas contra os camponeses e indígenas ashaninkas. Entretanto, tais observações caem por terra quando são avaliados vários fatos. Um deles é os vários anos de permanência do Exército peruano no VRAE ; os inumeráveis testemunhos de abusos contra a propriedade, a vida e honra sexual da população camponesa e indígena cometidos pelos membros da mencionada instituição militar. Desta forma, as forças repressivas arruínam qualquer campanha de difamação dos revolucionários.
Por outro lado, fontes oficiais do Exército, ao prestar explicações sobre as últimas duas emboscadas de abril último, informaram que tais tropas não se ajustaram às regras que os militares têm para a zona. Parecida com esta versão, outras fontes mencionaram que dita violação das regras foi resultado do que normalmente faziam estes patrulheiros militares, que além de transgredir os manuais de operações militares na zona, buscavam extorquir (como já é de costume militar na área), a mando do falecido Capitão EP Perochena, os transportadores de droga naquela região.
Mas esta não é a única situação irregular em que se emaranharam as forças armadas e policiais. Recentemente foi substituído de seu cargo o general da polícia nacional do peru, Percy Rivera Paiva, Chefe da Frente Policial do VRAE, por uma "negligência no manejo de armas e munições". Por trás desta situação, o que não se explica é que tanto a polícia peruana como o exército, não só extorquem os narcotraficantes, como também estão envolvidos num grande tráfico de armas destinadas precisamente ao narcotráfico.
De fato, as fortes contradições existentes dentro da polícia peruana e no seio do exército peruano permitiram destampar tais fatos de corrupção, que o governo de García Pérez achou por bem encobrir com a substituição da autoridade policial do VRAE, mas isso não bastou porque há uma documentação detalhada sobre o referido tráfico de armas, como pode ser visto no artigo jornal peruano "La República" intitulado "SL duplica sua capacidade de fogo"**.
Por sua vez, a guerrilha maoísta se assenta em seus objetivos estratégicos políticos e militares, despreza as inúmeras campanhas de desprestígio, dirigida pelo monopólio da imprensa peruana e internacional. Curam suas feridas e enterram seus mortos, superam as duras derrotas políticas e militares para manter as bandeiras comunistas de seu projeto político, novamente desde o acautelado perfil da guerra de guerrilhas, após conscienciosas campanhas de retificação conforme a ideologia maoísta e à margem de todo apressado epíteto de "suposto rebrote" ou de "acionar do remanescente" com o que se costuma qualificar.
*O quíchua (qhichwa simi ou runa simi), também chamado de quechua ou quéchua, é uma importante língua indígena da América do Sul, ainda hoje falada por cerca de dez milhões de pessoas de diversos grupos étnicos da Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Peru ao longo dos Andes. Possui vários dialetos inteligíveis entre si. É uma das línguas oficiais de Bolívia, Peru e Equador.
**http://www.larepublica.pe/archive/all/larepublica/20090503/2/node/191153/todos/15
Ocupação militar em Vizcatán
Ao longo dos últimos anos, o imperialismo ianque, através do seu Comando Sul das Forças Armadas – FFAA vem incrementando a sua intervenção direta, criando forças especiais anti-subversivas sob a cobertura de luta "contra as drogas", montando suas bases fixas e móveis ocultas sobre os conceitos de "Sítios Operacionais de Vanguarda" e "Áreas Cooperativas de Segurança".
No início de 2008 foi criado o Comando Unificado do VRAE das Forças Armadas. Em 12 de fevereiro o subsecretário da Oficina Anti-narcóticos do USA visitou o Peru e em 2 de abril do mesmo ano o ministro da defesa peruano admitiu o ingresso de militares ianques naquele país "com a devida autorização" para participar em "treinamentos militares e atividades de apoio social". Assim, mais 31 membros do exército do USA ingressaram na selva peruana. No final de abril do ano passado o chefe do Comando Sul do USA, almirante James Stravridis, visita o peru e se entrevista com "altas autoridades civis e militares" do velho Estado para supervisionar in loco a aplicação do plano VRAE e as operações "Novos Horizontes". No final de maio de 2008 mais de uma centena de militares norte-americanos iniciaram o operativo "Novos Horizontes" em Ayacucho. Com "Novos Horizontes" se expressa à maior intervenção direta do imperialismo ianque dentro dos critérios de "nova doutrina do Pentágono" apresentada no final de julho daquele mesmo ano como "estratégia nacional de defesa dos Estados Unidos".
O balanço atual sobre a presença de tropas do USA no Peru acusa a presença de 300 marines ianques em uma base militar em Ayacucho, berço da Guerra Popular dirigida pelo Partido Comunista do Peru.