A noite de 2 de abril foi marcante em Magé, município com cerca de 270 mil habitantes na Baixada Fluminense, estado do Rio de Janeiro. Após uma operação policial que resultou na morte do menino Matheus Santos de Moraes, de 5 anos, a população enfurecida realizou uma combativa manifestação.
Imagens da rebelião popular registradas por moradores
Ao todo, 14 ônibus foram incendiados e 20 danificados. Diversas grandes lojas foram atacadas e saqueados, agências bancárias tiveram as vidraças quebradas, ruas foram interditadas com barricadas e faltou energia elétrica devido às chamas. Enfim, o Centro de Magé amanheceu com as marcas do protesto, em particular a região da rodoviária, onde muitos ônibus foram destruídos. A porta de vidro da sede da prefeitura foi quebrada e um ônibus foi incendiado em frente à 65ª Delegacia de Polícia.
O menino Matheus foi atingido por uma bala na cabeça enquanto brincava na porta de casa na Favela da Lagoa, bairro Mundo Novo, quando agentes de repressão da PM realizavam uma incursão no local. A polícia alega que “houve um breve confronto” quando soldados do 34º Batalhão se depararam com homens vendendo drogas. Outros três homens foram baleados, mas não morreram. Já Matheus foi encaminhado ao Hospital Municipal, mas, infelizmente, não resistiu aos ferimentos.
A versão dos moradores da região dá conta de que não houve tiroteio algum e que os agentes da polícia assassina já chegaram atirando a esmo na favela. Um vídeo que circula nas redes sociais mostra os moradores da Lagoa cercando um grupo de PMs e afirmando: “Vocês estão matando criança aqui! Vocês mataram criança! Chegaram atirando na comunidade!”. Em seguida, os PMs lançam spray de pimenta. A população, então, lança objetos contra os soldados e contra um camburão.
A dor dos familiares
No dia seguinte, 3 de abril, um domingo, o corpo do jovem foi velado na capela Nossa Senhora da Piedade. O clima era de indignação e revolta, tanto de familiares quanto de amigos. Em declaração à imprensa, o pai de Matheus, André Moraes disse: “Preferia que o tiro tivesse sido em mim e não nele”.
Barricadas foram erguidas durante as manifestações em Magé
Não menos emocionada, a mãe da criança, a empregada doméstica Patricia Moraes, denunciou: “A polícia veio atirando. Quando eu fui pegar ele, ele já caiu. Eu saí, e disseram que esses policiais foram pegar as cápsulas de bala […] Como eu sou de família pobre e humilde, vai ficar por isso mesmo e meu filho não vai voltar”.
Estas declarações dos pais de Matheus, divulgadas na página do portal G1 em matéria de 3/04/2016, são concluídas com a afirmação de que o garoto estava jogando bolinha de gude quando os policiais chegaram no local. Eles também enfatizaram que não teve confronto e os policiais já entraram na favela atirando.
Vândalos são o Estado e sua polícia
O monopólio da imprensa, como sempre, não demorou em chamar os que protestaram no dia 2 de abril de “baderneiros” e criticou os “atos de vandalismo” por parte de “infiltrados”. Já sobre a morte de mais um filho do povo, pobre e negro, durante operação da polícia numa favela, isto não mereceu nenhum tom de indignação por parte dos jornais e telejornais da imprensa monopolizada. Talvez estes senhores queiram que o povo aceite calado a opressão que sofre… mas nada disso!
No dia seguinte, os canais de TV alardearam os prejuízos causados pela manifestação, a falta de energia elétrica e o comércio fechado na região central de Magé. Tudo isto com um toque grosseiro e mesquinho de sensacionalismo para tentar confundir e jogar a opinião pública contra os manifestantes, que responderam da maneira que puderam a desproporcional violência do Estado. Os âncoras dos telejornais “choraram” pelo “dano ao patrimônio público” enquanto a violência maior, a morte de uma criança pelas mãos da PM, foi apontada cinicamente como (mais um!) “caso isolado”.
Rebelar-se é justo!
A rebelião popular em Magé ocorreu devidamente pelo fato do povo não aceitar mais as mortes por “balas perdidas” em operações policiais que, rotineiramente, terminam com assassinatos de crianças e inocentes. Menos de uma semana antes, um protesto igual já havia ocorrido em Madureira, na Zona Norte do Rio, onde, após a morte do menino Ryan Gabriel, moradores incendiaram ônibus e estações do sistema de transporte BRT. Ryan foi baleado enquanto brincava na porta da casa do avô em pleno domingo de páscoa (27/3) e a manifestação por sua morte ganhou repercussão nacional.
Imagens da rebelião popular registradas por moradores
E, além da violência policial, não faltam motivos para o aumento do protesto popular. Como noticiamos a cada edição de AND, de Norte a Sul do Brasil, as massas têm se manifestado contra tudo que lhe aflige: a falta de postos de saúde, falta de asfaltamento nas ruas, as condições precárias na infraestrutura de favelas e bairros periféricos, falta de saneamento, transporte caro e de péssima qualidade, etc. Em grande parte destas manifestações, o povo não pede favores nem migalhas, mas ergue barricadas e coloca fogo no meio da rua para exigir seus direitos e para forçar as “autoridades” do velho Estado a tomarem alguma medida. Todos estes combates, que por ora ocorrem de forma isolada aqui e acolá, demonstram, como afirmamos em nosso último editorial (nº 167), que “As revoltas do povo, expressas em escaramuças localizadas com os aparatos de repressão do velho Estado, que surgem todo dia em diferentes partes do país, na cidade e no campo, são apenas ensaio para grandes batalhas. As massas dispostas a lutar clamam por uma guia que se coloque mais alta a indicar-lhe o caminho para a Nova Democracia, por romper os grilhões que as exploram e oprimem”.