Conforme dados do comércio varejista, as vendas, sem corrigir a inflação monetária, cresceram 11,72% entre outubro de 2002 e ouubro de 2003, enquanto a quantidade vendida diminuiu 3,04%. Isso significa que os preços aumentaram 14,76%. O IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Ampliado) do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) aponta 13,98% para aquele período, tendo, pois, o IPCA ficado aquém daquele indicador.
Os índices de preços ao consumidor são apenas uma parte do conjunto. Entre os índices gerais, os mais utilizados são o IGP-DI (Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna), da Fundação Getúlio Vargas e o IGP-M da mesma instituição (Índice de Preços de Mercado). O IGP-M, do mesmo modo que o IGP-DI, combina Índice de Preços por Atacado (IPA), com peso de 60%; Índice de Preços ao Consumidor (IPC), 30%; Índice Nacional de Custo de Construção (INCC), 10%. O IGP-DI e o IGP-M diferem apenas quanto ao período mensal apurado que, no caso deste último, é do dia 21 de um mês ao dia 20 do seguinte.
De 2000 a 2002, enquanto esses dois índices registraram altas de 52,1% e 53,2% respectivamente, o IPCA apresentou incremento acumulado de somente 28,4% no mesmo período. Qual será a razão de tão grande discrepância? Um ponto de partida para entendê-la é ser o IGP-M aplicado na correção das tarifas de energia elétrica e de outros preços administrados, isto é, de serviços públicos privatizados, e também nos contratos de aluguéis. Já o IPCA serviria para atualizar salários e benefícios sociais, caso se fizessem reajustes legais nessas prestações a que têm direito os assalariados.
Do início do Plano Real, em julho em 1994, ao final de 2002, o IPCA calculado pelo IBGE teve variação acumulada de 137,93%. Em contraste, nos mesmos oito anos e meio, ergueram-se à estratosfera as tarifas e preços administrados, que caberia ao poder público manter em nível accessível à população, caso o país contasse com governo próprio. Eis a inflação desses preços: gás de cozinha, 540,95%; telefonia fixa, 433,4%; energia elétrica, 255,9%.
A subestimação dos aumentos nos preços ao consumidor resulta, entre outros fatores, de: 1) tocar o maior peso no IPCA aos alimentos; 2) nesse cômputo considerarem-se principalmente gêneros básicos de consumo popular, menos suscetíveis de majorações. Por isso, naqueles mesmos oito anos e meio, o preço dos "alimentos", segundo o IBGE, subiu 105,84%, ou seja, bem menos do que os 137,93% IPCA total.
Mais fatos inflam o saco das iniquidades: 1) de há muito, a ponderação dos índices não reflete a real distribuição do dispêndio das famílias, mesmo das que se situam abaixo da classe média, erodida pelo modelo econômico ditado por potências estrangeiras; 2) a capacidade de consumo das famílias mais pobres foi reduzida em razão dos abusivos contratos das tarifas privatizadas de serviços públicos, como luz, água, telefone e gás. Esses preços administrados tomavam 15% da renda destas famílias, segundo a Pesquisa de Orçamento Familiar do IBGE, de 1996, e atualmente devastam cerca de 35% desse orçamento. Ora, no IP CA, esses gastos, que continuam crescendo, respondem por percentual demasiado baixo. Ademais, algumas elevações são excluídas do IP CA, como ocorreu em 2001 com a multa sobre o dispêndio de energia elétrica acima de 250 kWh por mês.
Tampouco são devidamente ponderados nesse índice, entre outros, os preços das escolas particulares, dos planos de saúde, dos remédios e produtos de higiene pessoal. Estima-se que estes dois bens tenham tido elevações de preços da ordem média de 60% de dezembro de 2002 ao de 2003. Ora, o peso a eles atribuído não passa de 7% no IPCA. Ainda assim, tivesse sido computada a variação de 60%, esse item sozinho levaria a um incremento do IP CA de 4,2%. Isso apenas já responderia por metade do total apurado de janeiro a outubro: 8,37%. De fato, em novembro de 2002, o "governo" autorizou reajuste imediato nos remédios de 8,63%. Nova majoração foi concedida no fim de dezembro daquele ano, de cerca de 8% – para vigorar nos primeiros dias de janeiro, totalizando 17,32%. A esses, durante o ano, se seguiram novos reajustes, oficiais ou não.
A teoria econômica ensina que, a longo prazo, devem ser pequenas as variações entre os preços de atacado e os pagos pelos consumidores, havendo defasagem apenas a curto e a médio prazo, já que os primeiros costumam anteceder os segundos. Como mencionado, os preços ao atacado têm 60% de peso no IGP-DI. Entretanto, nos oito anos de 1995 a 2002, esse índice acusou inflação de 152,2%, e o IPCA a estimou em 100,65%. De janeiro a novembro de 2003, a diferença a menos do IGP-DI sobre o IPCA está muito longe de mostrar tendência à igualização (7,02% contra 8,73%). Ademais, só de abril a julho, o primeiro foi inferior ao segundo. Aí estão mais indícios de que o modo de apuração dos índices traz um viés conceptual favorável aos grandes grupos econômicos, e prejudicial aos assalariados.
A escamoteação de parte da efetiva inflação implica, além disso, que a queda no rendimento real médio das pessoas ocupadas foi ainda maior que a retratada pelos brutais 13% dos dados oficiais na comparação entre novembro de 2002 e novembro de 2003. A insuportável condição a que o modelo econômico submete o povo brasileiro pode ser aferida, conquanto insuficientemente, pelos números oficiais sobre a participação dos salários na renda nacional. Segundo esses dados, em 1960, 55% da renda correspondiam aos salários, tendo essa participação declinado para 37,2% em 2000. A quanto terá descido em 2003?
A seguir, outra prova do empobrecimento acarretado pelo modelo econômico, que a atual administração federal insiste em preservar: em 1980, 40% dos assalariados ganhavam mais de três salários mínimos. Atualmente o percentual caiu para a metade: só 20% superam esse modestíssimo patamar.
Mesmo que o salário mínimo passe, em maio, de R$ 240,00 para R$ 280,00, esses 15% não repõem senão a alta de preços dos últimos 12 meses. Mais: o modelo e a política econômica, sendo o que são os grupos oligopolistas, a pretexto desse reajuste, farão novas majorações de preços, com a usual desenvoltura. Dada a depressão da economia, na qual não estão sendo feitos investimentos produtivos, o efeito será a aceleração do declínio do poder aquisitivo dos assalariados, dos autônomos e dos pequenos e médios empresários, em processo de extinção.
Não bastasse o que precede, a pseudo-reforma tributária tratou de assegurar o desvio das verbas das contribuições sociais e da CPMF para o caixa do Tesouro, a fim de estarem disponíveis para o serviço da dívida. Ademais, manteve congeladas as tabelas do imposto de renda de pessoa física, desatualizadas em 100,03% até novembro de 2003, conforme o IGP-DI. Resultado: mais erosão da renda dos consumidores. É pouco? Então, a administração colonial resolveu fazer crescer ainda mais a carga tributária, mais que dobrando a alíquota da Cofins1de 3% para 7,6% sobre o faturamento das empresas. Estas repassarão aos compradores esse aumento, mal compensado pela incompleta eliminação da cumulatividade.
Em que redunda isso tudo? Resposta: 1) dar novo impulso à inflação; 2) asfixiar a renda dos consumidores e a demanda por bens e serviços; 3) realimentar a queda dos investimentos produtivos. Esse é o círculo vicioso presidido pelo FMI e pelo Banco Mundial, cuja ditadura no país tem como primeiro auxiliar o presidente do Banco Central. Não admira que a "autonomia" do Banco Central seja o próximo item prioritário das "reformas" ardorosamente defendidas pela nomenklatura petista.
Mais inflação, mais depressão
Está em pauta na Câmara a Medida Provisória (MP) que eleva de 3% para 7,6% a alíquota da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins). A eliminação da cumulatividade não será nem de longe suficiente para compensar esse aumento. Como a Cofins incide sobre o faturamento, haverá maior inflação de preços e maior compressão da já espremida renda disponível dos assalariados, autônomos e pequenos e médios empresários.
Em sua voracidade fiscal, o governo PT (pró-transnacionais) não leva em conta que a Cofins foi majorada em 1999 de 2% para 3%. Mais notável: ela substituiu o Finsocial2, com alíquota de 0,5%. Calculados sobre esta, os 7,6% da MP implicam aumento de 1.420%. Além disso, a CPMF3 subiu 90%, e a CSLL4, 50%. As contribuições não são mais sociais. Foram desvirtuadas por emendas constitucionais do funesto antecessor de Luiz Inácio, as quais criaram a desvinculação de 20% das receitas da União (DRU5) que o atual presidente fez questão de manter na reforma tributária. Esse desvio de finalidade está transferindo ao Tesouro mais de metade dos recursos da Cofins. Os dirigentes do Tesouro, por sua vez, só pensam em servir a dívida pública. É para ela que escoam as verbas. Não admira que a reforma tributária seja exigência do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Com a dívida federalizada, a União aumentou seus tributos, de 1994 a 2002, de 20% para 26% do Produto Interno Bruto (PIB). A receita da Cofins superou essa média, crescendo 73% em 1999 (de R$ 17,8 bilhões em 1998 para R$ 30,8 bilhões). Em 2002 chegou a R$ 52,3 bilhões (194% mais que 1998), dos quais R$ 29,1 bilhões foram subtraídos da Seguridade Social. Eis uma amostra dos malefícios que se vêm acumulando sobre os ombros dos contribuintes: 1) A ampliação da base do PIS6. 2) A alta da alíquota da CPMF para 0,38%. 3) Mais importante: o aumento do Imposto de Renda das pessoas físicas, decorrente do congelamento da tabela do Imposto de Renda de 1996 a 2002, quando houve mísera atualização de 17%, após uma inflação acumulada de 119%, conforme o IGP-DI, de 01/01/1996 a 31/12/2002. A defasagem atingiu então 87,2%, sem contar as altas da alíquota máxima de 23,5% para 25% e para 27,5%. Falta corrigir também a inflação de 2003. Apesar de tudo isso, o Poder Executivo bloqueia toda e qualquer tentativa de descongelar a tabela do Imposto de Renda.
Na maioria das empresas a matéria-prima e outros insumos correspondem a de 30% a 35% do faturamento. Tomando em média 32,5%, uma empresa com faturamento de R$ 10 milhões recolhe R$ 300 mil a título da Cofins. Em função da MP nº 135, passará a ter um débito fiscal de R$ 760 mil e deduziria 32,5% de insumos, ou seja, R$ 247 mil. O tributo importaria em R$ 513 mil (760 mil – 247 mil). Isso implica majoração de 71%. Mesmo que uma empresa consiga abater insumos correspondentes a 40% de seu faturamento, ainda sofrerá 52% de acréscimo no tributo. A exação é ainda mais hipertrofiada no caso do setor de serviços, cujos insumos deduzíveis são só energia e telecomunicações. Isso implica majoração de 140%. A agricultura também terá carga fiscal agravada.
Antes mesmo desse assalto pela MP, as firmas brasileiras vêm sendo exterminadas a uma taxa nunca antes vista. As que sobrevivem enfrentam dificuldades de toda sorte, como juros acima de 100% aa. Seus depoimentos, não divulgados na mídia controlada, são unânimes em descrever a piora da situação econômica e social até em relação aos calamitosos anos do Executivo anterior. Os rendimentos dos assalariados, caíram 15,2% em um ano, conforme os dados oficiais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e o desemprego e o subemprego não cessam de bater recordes. As firmas que utilizam mão de obra em maior proporção são as de serviços, sobretudo micro, pequenas e médias empresas, exatamente as mais castigadas pela MP nº 135. Esta deve ser denominada lei de promoção do desemprego.
Seu sentido é acelerar o incremento das desgraças em curso, causadas, entre outros fatores, por: 1) o crescimento das receitas do Cofins; 2) os aumentos dos demais tributos, em que avulta o Imposto de Renda sobre Pessoas Físicas; 3) o desvio das receitas das contribuições para a despesa improdutiva dos juros da dívida, moeda cujo reverso é a supressão dos gastos públicos suscetíveis de favorecer a produção e a renda.
Essa é a política econômica dos últimos oito anos, ratificada pela Carta de Intenções de 21/11/2003 do Ministro da Fazenda e do presidente do Bacen (Banco Central) ao FMI: defender os interesses dos banqueiros estrangeiros. Que mais é preciso aduzir para caracterizar essa política como fórmula infalível para destroçar a nação brasileira? Tal como um câncer, o modelo econômico retroalimenta a entropia. O círculo vicioso é claro: a política econômica devastou a renda e o emprego, inclusive pela tributação desenfreada. Em consequência, a arrecadação estagnou. A isso o Executivo responde decretando novos aumentos de tributos. É a resposta de quem prefere trucidar o povo brasileiro a trocar de política econômica.
Ademais, a MP nº 135 fere o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, cujo art. 246 veda o uso de medida provisória em matéria modificada por Emenda Constitucional. Majorando em mais de 70% um tributo cuja arrecadação já cresceu 200% desde 1998, a MP configura confisco, vedado pelo art. 150, IV da Constituição. Se não o elevasse, seria inadmissível em face do art. 62, que exige urgência para que legislação possa ser objeto de medida provisória.
*Adriano Benayon é Doutor em Economia pela Universidade de Hamburgo, Alemanha. Autor de Globalização versus Desenvolvimento.
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Notas da Redação:
1 A Cofins foi instituída pela Lei Complementar nº 70, de 30 de dezembro de 1991.
2 Fundo de Investimento Social, criado em 1982.
3 Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira, criada em 1996 pela Lei 9.311.
4 Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, criada pela Lei nº 7.689, de 1988.
5 Desvinculação das Receitas da União que permite o uso livre de 20% das receitas até 2007.
6 Programa de Integração Social do Trabalhador. Instituído com a finalidade de possibilitar a participação dos trabalhadores no desenvolvimento das empresas, promovendo a distribuição dos benefícios entre os seus empregados.