O documentário Marighella, de Isa Grinspum Ferraz, chegou às salas de cinema no último 10 de agosto. Agora, o filme começa a viajar por diversas cidades do país, levando a história daquele que o regime militar fascista declarou como seu inimigo número 1: Carlos Marighella, o Comandante da ALN – Ação Libertadora Nacional.
Marighella é, antes de tudo, um filme muito honesto. Isa Grinspum faz um retrato familiar, íntimo e emocionante daquele que foi, antes de tudo, um militante que, ao tomar o caminho da luta armada revolucionária após o golpe militar-civil, defendeu-o até seu último dia. Não quero debruçar-me aqui sobre o caminho preconizado por Marighella em seus escritos e ações, quero falar especificamente do filme.
Confesso, sempre tenho receio ao assistir um filme sobre um militante revolucionário. Quando não são chicanas contra a vida de alguém que já não pode responder à altura, são dramalhões baratos, que buscam detalhes obscenos ou uma “grande história de amor” para torná-la “narrável” ou pintam um heroi sem arestas e defeitos. Raros são os casos em que se preza a memória, em que realmente há algo a ser visto, a ser sentido. Marighella é um desses casos.
O filme é narrado a três vozes: a de Isa, a sobrinha, para quem o tio Carlos era só um homem grande e brincalhão que fazia poesias para ele e os colegas da escola; a do próprio Marighella, na voz de Lázaro Ramos, declamando poesias e conclamando o povo a tomar o poder; e a dos companheiros próximos, como a esposa Clara Charf, o filho do primeiro casamento Carlos Marighella (leva o mesmo nome do pai) e os companheiros do Partido Comunista do Brasil (PCB) e, depois, da Ação Libertadora Nacional (ALN).
A obra propõe um passeio pela história do líder desde sua composição familiar e busca em sua origem uma pista para o desenvolvimento do revolucionário, afinal não podia sair por menos rebelde o fruto da união de um italiano e uma negra brasileira, de origem malê, filha das revoltas escravas da Bahia. E essa hipótese é repetida várias vezes para relembrar a defesa que Marighella fazia da revolução brasileira: uma revolução mestiça, com samba e futebol.
As poesias, na voz de Lázaro Ramos, dão um tom lúdico e leve ao filme. A brincadeira com a resposta em versos à uma prova de física tenta metaforizar momentos da vida do baiano.
O documentário é rico em depoimentos de seus ex-companheiros de militância, que contam detalhes, por vezes divertidos, como o da metralhadora que se desfez durante uma expropriação, mas também dão conta do líder meticuloso, organizado, daquele que arquitetava as ações militares e fazia questão de estar à frente em várias delas.
Como eu imaginei, há sim uma tentativa de heroicizar Marighella. Alguns depoimentos chegam a defender algumas atitudes, alguns atos “indisciplinados” do líder. Mas, afirmam, era a coragem, era a necessidade de defender seus companheiros, era a responsabilidade de um general perante seus soldados. E talvez não fosse diferente. Mas os erros de um heroi não precisam ser defendidos. Um heroi é alguém que ama, que luta, que erra, que vive. E, nesse ponto, o documentário é claro e sincero, mostra um Marighella que só veio a conhecer o filho quando ele tinha sete anos, um líder que sabia pedir desculpas e que, em algumas situações, atuava entre a linha tênue da coragem e da aventura.
O documentário, também, do ponto de vista estético é muito apurado. A excelente fotografia de Alziro Barbosa conseguiu dar um tom poético às entrevistas. O tratamento das imagens de arquivo vai na mesma linha. O didatismo da divisão do filme em “seis pistas” traz um rompimento narrativo desnecessário.
Mas, sem dúvida, a trilha sonora original, composta por Mano Brown, é um dos maiores triunfos do filme. O rapper não fez apenas uma música para o documentário. Brown entrou na história, sentiu e se identificou com Marighella, aquele a quem chama de “homem leal” e que, para ele, é um exemplo de luta e resistência que deve servir à atualidade, ao povo brasileiro das favelas e do campo. Vale a pena também conferir o clip da música “Mil faces de um homem leal”, que acaba sendo uma parte independente, mas ligada a Marighella.
Se Marighella estivesse vivo, teria completado cem anos no último cinco de dezembro. Gosto de imaginar que ele, como um homem leal, teria continuado defendendo o povo e a necessidade da revolução, ao contrário de tantos ex-guerrilheiros arrependidos. O fim do filme, inclusive, nos leva a esse pensamento.
Carlos Marighella Não pretendo nada, A passagem subiu, |
a carne sumiu, o IPM prendeu, o DOPS torturou, o deputado cedeu, a linha dura vetou, a censura proibiu, o governo entregou, o desemprego cresceu, a carestia aumentou, o Nordeste encolheu, o país resvalou. Tudo dó, |
Ficha Técnica
Diretor: Isa Grinspum Ferraz
Produção: Pablo Torrecillas, Rodrigo Castellar, Isa Grinspum Ferraz
Roteiro: Isa Grinspum Ferraz
Fotografia: Alziro Barbosa
Trilha Sonora: Marco Antonio Guimarães, Mano Brown
Duração: 100 min.
Ano: 2011
País: Brasil
Gênero: Documentário
Cor: Colorido
Distribuidora: Downtown Filmes
Estúdio: TC Filmes / Texto & Imagem
Classificação:10 anos