Marighella: um herói do povo encenado nas ruas

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Marighella: um herói do povo encenado nas ruas

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O grupo Oi Nóis Aqui Traveiz apresentou O amargo santo da purificação na Cinelândia, Rio

No final de 1979 o grupo teatral gaúcho Oi Nóis Aqui Traveis, então com dois anos de existência, levantou pela primeira vez a proposta de falar sobre a resistência armada, contando a vida de Carlos Marighella. Foi elaborado então o roteiro O amargo santo da purificação, sendo censurado pelo gerenciamento militar fascista. Trinta anos depois o grupo consegue finalmente o seu intento, montando e viajando pelo Brasil com a peça.

Os atuadores — como os integrantes do grupo chamam a si mesmos, sinteticamente seriam uma fusão do artista com o ativista político — trabalhando sempre com criação e encenação coletivas, falam sobre o período em que os gorilas estiveram no topo do Estado com o foco em um herói do povo na resistência armada. A observação é de que a história oficial do Brasil visa apagar a memória das pessoas que realmente interessam ao povo lembrar.

— Nós queremos mostrar o que está escondido, e já havíamos feito isso com o espetáculo A saga de Canudos, resgatando a figura do Antônio Conselheiro como um líder popular, que organizou toda uma resistência camponesa no sertão da Bahia. E para continuar nessa trilha escolhemos Marighella, por toda a sua trajetória exemplar e sua vida que se confunde com a própria história do Brasil do século 20 — explica Paulo Flores, atuador do grupo.

— Marighela viveu entre o Estado Novo e os militares, foi um militante comunista que atuou arduamente dentro de um partido por acreditar nisso como uma possibilidade de mudança para o povo — diz Tânia Faria, atuadora do grupo.

— Ele era um poeta e amante da cultura popular. Filho de pai italiano com mãe negra era uma síntese do povo brasileiro, dessa mistura do índio, do negro, do branco. E fomos nos apaixonando por sua ligação com o povo do lugar. Por exemplo, temos depoimentos de militantes que combateram ao seu lado, e outros que tinham divergências políticas com ele, pessoas da família e gente que o conheceu muito rapidamente, e todos falam do Marighella com extremo carinho e respeito, dando para concluir que além de caráter ele era um ser humano generoso—continua Tânia.

— Para montarmos o espetáculo pesquisamos tudo sobre a história do Marighella e a turma escolheu um momento da vida do Marighella para funcionar, que foi a morte, e fizeram uma cena, apresentando-a na rua. A partir daí demos sequência, e depois de improvisar toda a sua vida, para que entendêssemos no corpo o que iríamos falar, construímos roteiros, sendo o escolhido o roteiro com base no Rondó da Liberdade, seu livro de poesias — diz Tânia acrescentando que o grupo tem uma escola de teatro popular em Porto Alegre, a Terreira da Tribo, onde funcionam suas oficinas.

Segundo os atuadores entre o público tem acontecido uma espécie de diálogo entre gerações.

— Espontaneamente promovemos um encontro entre pessoas que por idade estão mais próximas daquele momento e jovens que pensam não ter nada a ver com aquele momento, por achar que o que se vive hoje não é reflexo do ocorrido lá, ou nem conhecem a história do Marighella, porque embora seja muito recente, estrategicamente por parte do imperialismo não é passada para as novas gerações — fala Tânia.

— E independente de geração, todos se envolvem muito com a peça e se emocionam, principalmente no final, quando abrimos um abrigo e de dentro sai uma grande esperança. As pessoas se alegram muito com a possibilidade de construir um futuro com o rosto voltado para o passado, que é a única possibilidade de construção diferente — acrescenta.

— Heiner Muller, cujo texto A missão, falando sobre a possibilidade de Revolução e sobre o papel do intelectual nisso, que somos nós que temos acesso à informação, fala que nós só temos o direito de enterrar definitivamente os mortos quando compreendermos o tanto de futuro que foi enterrado com eles — continua.

E o grupo procura mostrar uma realidade escondida e desvendar mentiras e equívocos que são jogados na mente do povo.

— Apresentamos o espetáculo Aos que virão depois de nós, que mostra que todo fundo de guerra tem sido sempre econômico, imperialista, de dominação. As guerras que tivemos não foram feitas pelo povo para se libertar, ao contrário, ele sempre ganhou de 'presente de gregos', por causa do impulso capitalista, cheio de falsos nobres motivos, como: acabar com terroristas, lutar pela paz, desativar bombas no Iraque, e mais. Por trás disso, eles querem é um maior domínio financeiro, controle do petróleo, das riquezas naturais do mundo — fala Tânia.

— Na peça aparece a Cassandra, uma mulher que por ter convivido com a questão política todo o tempo, conseguia perceber que a guerra do momento tinha motivos falsos, mentirosos. E eles não queriam ouvir a Cassandra, simplesmente: 'enterra, coloca essa mulher em uma jaula, porque nós não queremos ouvir o que já sabemos, mas não nos interessa' — acrescenta.

Teatro para operários e camponeses

O grupo se identifica com Marighella, entre outras coisas, pelo teatro de rua que faz também uma forma de resistência.

— O teatro de rua é a própria democratização do teatro. Dentro da nossa estrutura social fazemos um teatro de resistência, fazendo-o chegar até a parte da população que é excluída das salas por questões econômicas e culturais. Nossos projetos em Porto Alegre alcançam os bairros populares, as periferias da cidade — conta Paulo.

— Temos um projeto chamado 'Caminho para um teatro popular' que é um circuito que fazemos pelos bairros populares da grande Porto Alegre, e temos conseguido ampliá-lo apresentando-o também na zona rural e nos assentamentos, inclusive percorremos com a peça A saga de Canudos por assentamentos em Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso do Sul, em espetáculos de rua — acrescenta Paulo.

— O nosso espetáculo atual, O amargo santo da purificação, conta com 26 pessoas, entre os 13 atuadores fixos do grupo e pessoas que convidamos. Já viajamos para vários estados brasileiros e agora estamos nos apresentando na região de Porto Alegre. Deveremos ficar com esse espetáculo em cartaz durante o segundo semestre também — explica Tânia, acrescentando que em Salvador o espetáculo contou com a presença do filho de Marighella, e foi muito emocionante.

Os atuadores dizem que não seguem a risca nenhuma linha teatral, mas simpatizam e se deixam influenciar pelo trabalho do francês Antonin Artaud, do manifesto 'teatro da crueldade', e o alemão Bertolt Brecht e seu teatro épico.

— Buscamos fazer um diálogo entre os dois, porque acreditamos que juntos são muito mais interessantes do que qualquer um deles sozinhos. O pensamento dos dois juntamente com o nosso e o teatro que propomos, dá um teatro interessante — declara Tânia.

Ao longo das últimas duas décadas, o jornal A Nova Democracia tem se sustentado nos leitores operários, camponeses, estudantes e na intelectualidade progressista. Assim tem mantido inalterada sua linha editorial radicalmente antagônica à imprensa reacionária e vendida aos interesses das classes dominantes e do imperialismo.
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