Aparentando a intenção de impedir o Congresso de cometer mais um crime contra o povo e a ampliação da impunidade reinante que escancara os cofres públicos à corrupção, juízes federais de 19 estados e do Distrito Federal, além das entidades representativas da magistratura, se mobilizaram ao longo de maio e início de junho repudiando a proposta de emenda constitucional que concede foro privilegiado a ex-parlamentares, ex-governantes, inclusive prefeitos, e ex-juízes.
Enquanto os magistrados se articulavam para derrubar a emenda, a gerência FMI-PT enfiava goela abaixo das casas homologatórias (Câmara e Senado) 49 decretos, 18 leis e 12 medidas provisórias, além do decreto legislativo concedendo aumento de 28,5% para a remuneração de Luiz Inácio, José Alencar e ministros, deputados e senadores, que logo no início da legislatura só não aumentaram de 93% os seus subsídios devido aos protestos do povo.
O decreto legislativo aumentou de R$ 12.847 para R$ 16.512,09 a remuneração de deputados e senadores. A de Luiz Inácio subiu de R$ 8.885 para R$ 11.420; a dos ministros e do vice-presidente da República de R$ 8.362 para R$ 10.748,43. O buraco aberto para o povo tapar com seu suor é de R$ 601 milhões por ano, sem considerar 1.090 deputados estaduais e cerca de 50 mil vereadores, cujos subsídios são proporcionais aos dos deputados e senadores.
O presidente da CAE, Aloizio Mercadante (PT-SP), disse que decidir sobre o próprio salário é “absolutamente incômodo e inconveniente”, que não via outra saída a não ser confirmar a decisão da Câmara, onde o projeto foi votado primeiro. O benefício é retroativo a 1° de abril.
Perigo iminente
A emenda que amplia o foro privilegiado leva o número 358 já foi aprovada pela Câmara e pode entrar na pauta de votação do Senado a qualquer momento. Seu autor é José Jorge, senador que antecedeu Dilma Roussef como ministro das Minas e Energia na gerência Cardoso e concorreu pelo PSDB à vice-presidência da República, tendo Geraldo Alckmin como cabeça de chapa. Ao tomar conhecimento de que a extensão do foro privilegiado a ex-prefeitos foi matreiramente introduzida em um texto complexo sobre o Poder Judiciário, não há quem não se sinta livre de coisa muito pior, se a chapa do PSDB tivesse vencido o pleito presidencial.
A Proposta de Emenda Constitucional 358/2005, se aprovada,
setenderá o foro privilegiado a ex-autoridades, ou seja,
a pessoas que não mais exercem o cargo ou função
que justificavam o foro privilegiado
A salvação é que as atividades do Legislativo têm sido retardadas em função de duas comissões de inquérito sobre o chamado “apagão aéreo”, assim como de investigações acerca das relações do presidente do Senado, Renan Calheiros com a empreiteira Mendes Júnior, as operações Hurricane e Navalha, levadas a cabo pela Polícia Federal, culminando com a demissão do ministro das Minas e Energia, com a prisão de juízes, parlamentares e outros.
Manifesto
A Associação dos Juízes Federais — Ajufe — expediu manifesto ressaltando que “o foro privilegiado tem servido, historicamente, como instrumento de impunidade, uma vez que os tribunais recursais e superiores não são estruturados para processar e julgar ações originárias, mas apenas recursos. Causa preocupação à magistratura federal não só a manutenção, sem maior discussão, do foro privilegiado, mas igualmente as tentativas de ampliá-lo.
A Proposta de Emenda Constitucional 358/2005, se aprovada, estenderá o foro privilegiado a ex-autoridades, ou seja, a pessoas que não mais exercem o cargo ou função que justificavam o foro privilegiado, e ainda às ações de improbidade administrativa. Aprovada a proposta, é previsível o surgimento de crise dos Tribunais Recursais e Superiores, com abarrotamento por novos casos que, por deficiência estrutural, ficarão fadados ao esquecimento. Será igualmente condenado à inutilidade o importante instrumento da ação de improbidade administrativa, salvo em relação a autoridades administrativas de menor hierarquia, ou seja, coincidentemente aos casos de menor relevância.”
Desnacionalização
O funcionamento dos plenários em marcha-lenta não indica, entretanto, alívio na ação anti-povo. Como 25 outras medidas provisórias ainda não convertidas em lei, está em plena vigência, por exemplo, a MP 366, de 26 de abril de 2007, criando o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, e que constitui uma das mais torpes manobras da gerência FMI-PT para a desnacionalização da Amazônia, ao perpetrar o esvaziamento do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA e do Ministério do Meio Ambiente.
O Senado Federal encontrou tempo para imiscuir-se na política interna da Venezuela, aprovando requerimento de censura ao presidente Hugo Chavez por ter tirado do ar a RCTV, uma dessas imundas emissoras de rádio e televisão que manipulam o noticiário na América Latina.
A intrusão levou Chavez a revidar, afirmando que o Parlamento brasileiro age como papagaio do USA. O gerente Luiz Inácio aproveitou-se para voltar à cena, apaziguando a situação e levando ao esquecimento uma de suas mais graves declarações: “Se eu pudesse acabaria com o IBAMA” — pronunciada quando irritou-se com a demora na construção das usinas hidrelétricas Jirau e Santo Antônio, obviamente por conglomerados transnacionais. O pretexto é a possibilidade de um novo apagão elétrico, anunciado por Dilma Roussef, antes de ser alçada do ministério das Minas para a Casa Civil para garantir que o malfadado PAC, Programa de Aceleração do Crescimento vá para o ralo por falta de energia.
Terras de aluguel
Além da questão das usinas — cuja montagem e operação obviamente será entregue a corporações transacionais associadas a uma ou outra empresa-laranja, tipo Odebrecht — Luiz Inácio tem encontrado imensas dificuldades para explicar aos patrões as razões da lentidão com que se dá curso à Lei de Gestão de Florestas Públicas (nº 11.284/06), sancionada em 2 de março do ano passado:
A Gerência FMI-PT comprometeu-se a repassar a empresas privadas, para exploração econômica, 11 florestas nacionais, sendo 10 no Pará e uma em Rondônia. Essas florestas deverão ser alugadas exclusivamente a empresas privadas, sem a menor possibilidade de acesso para o trabalhador brasileiro, individualmente.
As pressões para a privatização das florestas vêm da área de cosméticos e da construção civil, interessadas em madeiras e óleos, havendo ainda bancos privados desejosos de participar — diretamente ou via concessão de empréstimos — de projetos de “desenvolvimento sustentável”.
Fracassos
A edição de cerca de 79 normas legais pela gerência FMI-PT em abril e maio não constitui indicação, entretanto, de que haverá afinal algum resultado prático para o povo. Das 18 leis promulgadas de 1° de abril a 1° de junho, apenas quatro não tiveram origem em medida provisória: a de n° 11478, que institui o Fundo de Investimento em Participações em Infra-Estrutura; a 11.477, que dispõe sobre as diretrizes para a elaboração da Lei Orçamentária de 2007; a 11476, que regulamenta as profissões de enólogo e de técnico em Enologia, e a 11475 que inclui no Sistema Rodoviário Nacional o acesso da BR-293 à fronteira do Brasil com o Uruguai, no município gaúcho de Quarai. As demais leis já tinham entrado em vigência, como aquela que criou o Instituto Chico Mendes, esvaziando o IBAMA.
O Programa de Aceleração do Crescimento, anunciado em janeiro como a grande iniciativa para alavancar o desenvolvimento não ofereceu, passados quatro meses do seu lançamento, qualquer motivo para comemoração. Dos R$ 15,8 bilhões de investimentos prometidos para este ano com recursos do Orçamento, apenas R$ 818 milhões, ou 5,2%, saíram definitivamente do papel.
Anunciado como solução para todos os problemas nacionais até 2010, o tal PAC enfrenta problemas de toda ordem, inclusive no Legislativo e no Judiciário. A Medida Provisória mais problemática é a 349, que permite a transferência de recursos do patrimônio líquido do famigerado Fundo de Garantia por Tempo de Serviço FGTS para o fundo de investimento que financiaria projetos nas áreas de energia, rodovia, porto, ferrovia e saneamento. Inicialmente a MP prevê a transferência de R$ 5 bilhões, mas este valor pode chegar a 80% do patrimônio líquido do FGTS, que hoje é de R$ 21,2 bilhões. No entanto, a MP não prevê nenhum seguro para o caso de o investimento fracassar.
Na verdade, com ela a gerência FMI-PT avança sobre o bolso do trabalhador, sem lhe oferecer a menor garantia de que esses recursos voltarão um dia para o FGTS. Há grandes resistências para votá-la.
E que decretos…
Verifica-se, uma enxurrada de normas legais para a área da educação, mas sem reflexos positivos para o povo. Em abril, foram baixados decretos instituindo o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais, a implementação do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, assim como regulamentando o Auxílio de Avaliação Educacional e definindo os parâmetros anuais de operacionalização do FUNDEB e reformulando o Programa “Brasil Alfabetizado”. Tudo não passa, porém, de promessas mesquinhas a professores e alunos para um futuro distante.
Para esvaziar as resistências dos previdenciários à criação da Super-Receita a gerência FMI-PT alterou sete diplomas legais promulgados entre 2005 e 2007 a fim de criar para eles uma Gratificação Específica Previdenciária — GEP, no valor de R$ 238,00, porém apenas a partir de 1° de julho 2008.
Pelo decreto 6.083/07, o Ministério do Planejamento remanejou 17 dos mais altos cargos (DAS) da Secretaria de Gestão para o Ministério do Esporte, com vistas à realização dos Jogos Pan-Americanos, no Rio de Janeiro, até 31 de dezembro de 2007, embora o certame vá terminar muito antes dessa data. Isto, entretanto, marcou apenas o princípio de ampla reforma regimental, com vasta distribuição de funções gratificadas, introduzida em 12 de abril pelo decreto 6.081, o mesmo ocorrendo com o Ministério da Fazenda (decreto 6080).
Foi aprovada ainda a medida provisória 345/07, que “cria os instrumentos necessários para o funcionamento da Força Nacional de Segurança Pública, que poderá atuar no policiamento ostensivo; cumprimento de mandados de prisão e de alvarás de soltura; guarda, vigilância e custódia de presos; serviços técnico-periciais; e registro e cadastro de ocorrências policiais.”
Estados à parte
Em consonância com resoluções tomadas no âmbito da ONU — Organização das Nações Unidas, o gerente Luiz Inácio assinou o decreto 6085, que promulga o Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis. Segundo este documento, haverá, em cada Estado-membro da ONU, um Subcomitê de Prevenção, que funcionará à custa daquele organismo internacional.
Foi promulgado também, acordo sobre benefício da justiça gratuita entre os Estados-Partes do Mercosul, ratificando entendimentos mantidos em Florianópolis por representantes da gerência Cardoso, que dispõem, entre outras coisas, sobre o tratamento igualitário e a competência para conceder o benefício da justiça gratuita.
Antes de viajar à Inglaterra para ver o amistoso da seleção brasileira de futebol, Luiz Inácio fez questão de promulgar o acordo de cooperação em matéria de defesa firmado com a Argentina em 2005 e baixar um decreto com a finalidadede atender as recomendações do Conselho de Segurança da ONU em relação ao Irã, conclamando os estados-partes a se absterem de “novos compromissos no que se refere à concessão de doações, assistência financeira e empréstimos àquele país”.
Ardis com transparência
Poucos sabem da existência, desde 18 de dezembro de 2003 de um Conselho de Combate à Corrupção, organismo da Controladoria Geral da União que, como todo colegiado, há quatro anos não diz a que veio. Esse Conselho, supostamente “composto paritariamente por representantes da sociedade civil organizada e representantes do Governo Federal”, perdeu uma belíssima oportunidade, entre outras, para justificar sua existência a cada denúncia surgida, por exemplo, nas comissões parlamentares de inquérito dos Correios, do Mensalão e várias outras. O decreto 6075 estabelece que, além dos 20 conselheiros, o presidente da República também designará mais 20 suplentes. Não determina, porém, prazo para a elaboração de relatórios do seu trabalho e divulgação para o povo.
Para abrir vagas na administração pública aos desempregados apadrinhados pela chamada base de apoio, o gerente Luiz Inácio expediu decretos alterando a organização da Advocacia Geral da União, assim como reformando as estruturas e os quadros do ministério da Defesa, Secretaria Especial de Portos, Receita Federal, Fazenda, Meio Ambiente e Conselho Nacional de Tecnologia.
Outro decreto aprovou a Política Nacional sobre o Álcool, dispondo sobre as medidas para redução do uso indevido de álcool e sua associação com a violência e criminalidade, mas sem chegar, de longe que fosse, a reprimir a desavergonhada propaganda para intensificação do uso dessa droga pela juventude, embora ela seja responsável por 80% das mortes em acidentes de trânsito.