Meio século no choro

Meio século no choro

Paulistano e ‘chorão’ convicto, o bandolinista Izaías Bueno Almeida ou simplesmente ‘Izaías do Bandolim’, com mais de 50 anos de carreira, além do trabalho solo, já tocou com muita gente importante da música brasileira, como Paulinho da Viola e Inezita Barroso. Na década de1960, mesmo sendo chamado de ‘quadrado’ por bossa-novistas, fez parte de uma espécie de grupo de resistência em favor do choro, e com a ajuda de José Ramos Tinhorão, trabalhou para o renascimento do gênero, em uma época em que só se falava em bossa nova, jovem guarda e rock’n roll.


Izaías, ao centro, e seu grupo Izaías e seus chorões

— Sou filho de um músico de banda do interior, que tinha muito conhecimento teórico de música, me ensinando as primeiras lições. Ele queria que eu fosse violinista para poder tocar em uma orquestra sinfônica, ter um emprego seguro, aposentadoria, enfim, pensava em um bom futuro para mim. Mas enveredei para outro lado, e ainda criança me encantei pelo cavaquinho, e o fui explorando — conta Izaías.

— Desta forma descobri que cavaquinho poderia ser afinado para bandolim, então não parei mais. Mas só entrei pelo caminho do choro mesmo quando vi e ouvi Jacob do Bandolim tocando. Já conhecia outros bandolinistas mais antigos, contudo ele me impressionou muito e despertou em mim o desejo de explorar o gênero, pesquisar partituras — continua.

— De imediato, me deparei com a falta de partituras de choro. As que tinham estavam em poder de chorões, que por as considerarem de grande importância, não queriam emprestar. Mas uma das coisas que aprendi a fazer muito bem foi escrever a música após ouvi-la. Então passei a produzir partituras de choro, formando um vasto repertório de tudo aquilo que ouvia — fala.

Em 1957 Izaías foi apresentado por Jacob do Bandolim no programa de televisão Noite dos Choristas.

— Jacob foi o mentor da ideia de se fazer uma roda com os chorões. A partir do programa passei a ser procurado pelas emissoras de televisão, que na época tinham música ao vivo, para participações. Mas logo depois, o choro começou a ser considerado ‘passado’. Só falava em bossa nova, que era o principal modismo da época, assim como os axés music e os funks dos tempos atuais — diz.

— É claro que era rica musicalmente. A respeito e acredito que ela veio contribuir de alguma forma para sistema harmônico referenciado no choro hoje. Somente não concordo que ela era, a tal ponto, capaz de suplantar gêneros genuinamente brasileiros, nascidos no meio do povo — explica.

— Contudo ela imperava em todo o país, principalmente no Rio de Janeiro, a ponto de Jacob do Bandolim se deslocar de Jacarepaguá, no Rio, para vir aqui em São Paulo fazer rodas de choro. E queixava-se de que o gênero que a cidade havia descoberto, o choro, estivesse acabando em seu próprio berço — acrescenta.

‘Quadrados’ com orgulho

Mesmo em meio a chacotas, nos anos de 1970 Izaías participou do Conjunto Atlântico, que animava o importante programa O Choro das Sextas-feiras, na TV Cultura/SP, que trabalhava para reascender as chamas do choro.

— Os bossa-novistas não queriam saber de choro e nos chamavam de ‘quadrados’. Mas não abaixamos a cabeça e nem nos ofendemos por isso. Muito pelo contrário, por intermédio do grande amigo José Ramos Tinhorão, que sempre frequentava as rodas de choro, começamos um programa de televisão que foi uma espécie de batalha em prol do choro — lembra.

— Ele permaneceu no ar por quase dez anos, fez o que se propôs e hoje tenho o orgulho de dizer que, juntamente com um grupo de resistentes, colaborei para o renascimento desse gênero tão maravilhoso. E depois dessa árdua batalha, o Brasil inteiro começou a tomar ciência do choro novamente e surgiram as novas rodas e mais chorões — continua.

Mas, para mim ainda não é o ideal, precisamos continuar lutando, com esforço, porque não temos apoio governamental, e não contamos com espaços em televisões e rádios, que continuam interessados nos modismo — acrescenta.

Izaías tem a sua própria roda de choro em São Paulo, e participa de outras que acontecem pela cidade.

— Somos um grupo de resistência em plena atividade. Minha roda acontece todas as sextas feiras, na Rua Capital Federal, 182, alto do Sumaré. E também tem outras, por exemplo, todos os sábados, na parte da manhã, o pessoal se reúne na loja de instrumentos musicais Contemporânea, na Rua General Osório, 45, Centro. Lá, dirigidos pelo Arnaldinho do Cavaco, tocamos e nos alegramos — anuncia.

Com muito talento, Izaías é considerado um dos maiores chorões paulistas em atividade. Fundou seu próprio grupo de choro, o Izaías e seus Chorões, contando com o apoio de seu irmão Israel, chorão que toca violão de 7 cordas.

— Geralmente faço shows com meu grupo. Além do bandolim e do violão de 7 cordas, temos o violão de 6 cordas, cavaquinho e pandeiro. No momento, eu e meu irmão estamos aposentados e podemos nos dedicar inteiramente ao choro — diz Izaías, acrescentando que, assim como o irmão, trabalhou longos anos como contador.

Seu primeiro disco Pé na Cadeira, contendo clássicos de chorões pioneiros, foi lançado em vinil em 1980 e relançado em CD dezenove anos depois. Em 1999 lançou Quem Não Chora Não Ama, com obras de Canhoto da Paraíba, Pixinguinha, Jacob do Bandolim e outros. Em 2004 lançou Moderna Tradição, misturando clássico e moderno.

— Tenho também O Choro e Sua História, onde, ao lado de meu irmão, toco chorões de todos os tempos. É uma caixinha contendo três CDs, que considero de grande valor. Além disso, gravo muitas participações em discos de outros artistas, por exemplo, o CD Perfil de São Paulo, de Inezita Barroso, mesclando choro e viola — expõe.

— Viajo constantemente pelo Brasil e pelo exterior fazendo shows, e notando o quanto o nosso choro é apreciado. E tenho pensado em gravar mais um disco. Repertório para isso existe — avisa Izaías do bandolim.

Para quem quer contratar Izaías e seus Chorões, o e-mail é: [email protected]

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