Mercosul, integração a serviço do imperialismo

Mercosul, integração a serviço do imperialismo

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Os antecedentes do processo de integração denominado Mercosul — impulsionado pelo imperialismo — seriam o Mercado Comum Centro-americano, a Associação Latino-americana de Livre Comércio (ALALC), de 1960, e sua transição à Associação Latino-americana de Integração (ALADI).

Desde o início, sua meta foi lograr o mercado comum. O PIB do combinado inicial de todos os países, era de U$426.400 milhões (na cotação de 1998), o que significava 51% do produto global da América Latina. A população abarcada era de 190 milhões de pessoas, correspondendo a 44% do total da América Latina.

Houve distintos “projetos” de integração apresentados nesse período. As diferentes potências imperialistas acordaram levar a termo a formação de um bloco econômico, inclusive o FMI. O Mercosul, impulsionado fundamentalmente por setores das potências européias, incluindo a Rússia, é uma ação de resposta à iniciativa do USA de Bush (pai) de açambarcar o território que vai do Alaska à Terra do Fogo. Os monopólios imperialistas necessitam gerir a integração para conseguir um mercado mais amplo e obter uma produção de maior escala, onde farão grandes inversões de capitais e novas tecnologias. O Mercosul surge numa situação mundial em que se dava o desaparecimento da União Soviética (social-imperialista) e a restauração capitalista, e o desenvolvimento acelerado de grandes investimentos na China, com tudo que isto implicou na unificação do mercado capitalista mundial.

Junto a isso vinha se consolidando um processo de bloqueios que se dá na Europa com a União Européia (Mercado Comum Europeu), NAFTA e associação econômica em torno do Japão.

Quatro mais um

O primeiro ato jurídico internacional dos quatro países signatários do Tratado de Assunção (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai) foi a celebração de um acordo com o USA, em 19 de junho de 1991, inscrita no marco geral da Iniciativa para as Américas. O Quatro mais um ficou instalado como uma concessão aos ianques e, pelo que se sabe, não tem sido usado. Agora, o presidente brasileiro Luís Inácio torna a negociar com o USA a partir do Quatro mais um, e não de uma integração de cada país à Alca. Houve, e há, uma polêmica em torno do Mercosul. Há quem diga, desde posições de esquerda, que o Mercosul serve para enfrentar os ianques. Outras correntes radicais opinam que o Mercosul é pró-ianque, pela influência decisiva do FMI. O que se deve entender é que o Quatro mais um Mercosul favorece mais aos monopólios imperialistas europeus, porém, os ianques estão instalados fortemente e têm redobrado suas inversões e sua presença na região. Isto também deixa sem argumento a quem planeja tentar opor-se aos ianques a partir desse acordo, já que o USA é a única superpotência mundial que tem peso político e econômico para incidir fortemente em qualquer parte do planeta.

Integração imperialista

Pode-se considerar que se vive na época do imperialismo capitalista descrita por Lênin e, portanto, não pode haver nenhum tipo de integração entre países dependentes do imperialismo — como são os países do Mercosul — que não seja uma integração a serviço dos grandes monopólios imperialistas e das classes dominantes: o grande latifúndio de origem feudal, a grande burguesia intermediária e burocrática, etc. Encontramos no trabalho de Lênin, Sobre a palavra-de-ordem dos Estados Unidos da Europa — apesar de ter sido escrito em 1915, das circunstâncias da guerra, e de que se refere à Europa — certa base para analisar corretamente esta questão do Mercosul. Neste trabalho, o grande revolucionário russo sustenta claramente que “se não se derrubar pela via revolucionária as monarquias alemã, austríaca e russa, essa consigna carece de sentido e é falsa.” Continuando, assinala que “desde o ponto de vista das condições econômicas do imperialismo, os Estados Unidos da Europa é impossível e reacionário.”

Ao transcrevermos esse trabalho, consideramos que isto se aplica a nossos países e que sem uma verdadeira revolução, estas “integrações” são “impossíveis” ou “reacionárias”. No Tratado de Assunção se apresenta a intenção de coordenar as políticas econômicas. A respeito disso, Lênin disse que “no capitalismo é impossível um processo uniforme de desenvolvimento econômico das distintas economias e dos distintos Estados.” Assinala, mais abaixo, que “a desigualdade do desenvolvimento econômico e político é uma lei absoluta do capitalismo.” Nos perguntamos como faz um país como o Brasil, com seu tamanho e desenvolvimento, para “coordenar” sua economia com as do Uruguai e Paraguai, tão distintas?

O Mercosul forma parte de um conjunto de políticas do imperialismo para os países oprimidos e, em particular, para nossos países. Não se pode entender o Mercosul sem compreender as políticas das privatizações, das reformas da Previdência Social, sem o endividamento insuportável e crescente dos países, sem a desregulamentação trabalhista, de rebaixamento salarial. Inclusive, é importante visualizar como, ao mesmo tempo, o imperialismo exigiu uma política de abertura ao exterior e impôs um atraso cambial na região, o que favoreceu aos países imperialistas.

Na indústria

Com o Mercosul se impuseram mudanças na divisão internacional de trabalho na região. É lógico que quando se planeja integrar países tão desiguais, uma indústria manufatureira de maior escala se concentraria ainda mais no Brasil — o que não implica que isto favoreça aos trabalhadores brasileiros — mas acarretaria o desaparecimento da indústria manufatureira no Uruguai, como se sucedeu. A indústria têxtil e de confecções, bastante desenvolvidas em nosso país, em poucos anos de assinado o tratado, tem deixado um verdadeiro cemitério de fábricas e 20 mil postos de trabalho perdidos. Por exemplo, a Alpargatas era uma empresa que tinha onze unidades na Argentina e uma no Uruguai; sabemos que, na Argentina, algumas fecharam, e no Uruguai, esta empresa — que chegou a ter milhares de trabalhadores — havia iniciado, no princípio dos anos 90, a implantação de nova tecnologia para fabricação de tênis e jeans. Longe de poder fazê-lo, fecham a fábrica. O gerente disse ao sindicato, e era verdade, que a matéria-prima tinha um custo superior, ao mesmo tempo em que os tênis trazidos da China e o jeans entravam legalmente do Brasil a 50% do preço local.

Na indústria de eletrodomésticos não restou nada. Ali houve várias fábricas com centenas de operários. Um caso muito destacado foi a General Eletric, uma empresa que tinha várias unidades especializadas na fabricação de geladeiras. Assim que se instalou o Mercosul, as geladeiras começaram a vir do Brasil praticamente terminadas e, logo depois, completas. A fábrica teve que fechar e houve um conflito de mais de cem dias que não conseguiu reabri-la.

A indústria de vidro desapareceu. A Cristalerías Del Uruguay, última fábrica importante, com mais de 50 anos e mais de 400 trabalhadores, foi ocupada pelos operários por um ano, mas fechou definitivamente em 1999. Hoje não existem mais fábricas de vidro no Uruguai.

Na indústria de bebida também tem havido um processo de adaptação, fechamento e fusões. Estamos vivendo nesse momento uma grande crise na indústria de cerveja. Estão se fechando importantes fábricas, dado que tem gerado uma fusão de empresas que cria monopólio total em nosso país. As empresas brasileiras Brahma e Antártica se uniram, dando lugar à Ambev, que, pelo que se sabe, controla grande parte do mercado brasileiro. No ano 2000 a Ambev comprou, no Uruguai, a Norteña (de capital alemão) e a Salus de capital francês (Dadone) e várias “nacionais”. Em 2002 se associaram com a Quinsa (argentina), que era a maior proprietária da Pilsen (uruguaia). Assim, foi instalado um monopólio que, com a racionalização, está gerando um grande conflito no setor (quanto a isso Jorge Batlle conversou com Luiz Inácio recentemente).

Algo excepcional tem sido a nossa indústria láctea. A Conaprole chegou a exportar 100 milhões de dólares ao Brasil, mas teve que deixar a metade dos tambores pelo caminho, porque não puderam se adaptar aos baixos preços, novas exigências de tanques de resfriamento, etc. Os trabalhadores também sofreram este “desenvolvimento” pela introdução de tecnologia, rebaixamento salarial, flexibilização trabalhista, etc. Em resumo, a indústria manufatureira perdeu mais de 100 mil postos de trabalho, 40% já nos primeiros cinco anos de Mercosul.

No campo

Cita-se acima a produção de leite. Houve uma crise que praticamente eliminou a produção de açúcar, sustentada por subsídios estatais. Na horticultura e fruticultura se gerou uma grande instabilidade, dado o ingresso massivo de remanescentes dos mercados da região e também pela abertura indiscriminada ao exterior que houve no país. Houve um avanço muito importante das exportações uruguaias de arroz para o Brasil. Aqui devemos comentar alguns fatos para focalizar de que se trata esta famosa integração: na principal zona arrozeira fronteiriça com o Brasil, há muitos empresários brasileiros. Muitas vezes se tem conhecido casos de superexploração e quase escravismo, com assalariados agrícolas brasileiros trazidos junto com maquinário para a safra. Isso vem ocorrendo também na “florestación” e na construção.

No nível sindical e político se deu uma luta contra os setores oportunistas que põem o centro em exigências aos trabalhadores “estrangeiros”.

Os setores classistas vêm conseguindo a exigência de que as empresas, não importa a origem, cumpram com as leis trabalhistas vigentes no país e tratem os operários dos países irmãos como iguais e não como estrangeiros. O setor arrozeiro do Uruguai tem sofrido a detenção de caminhões na aduana brasileira em várias oportunidades e, recentemente, uma compra realizada pelo Brasil de arroz subsidiado no USA (outro dos temas conversados recentemente por Batlle e Lula). Há alguns anos o mesmo aconteceu com a cevada, já que o Brasil comprou cevada subsidiada na França, gerando uma crise muito grande no Uruguai, que produz cevada principalmente para o mercado brasileiro. Esta colheita não foi feita e por vários anos não se voltou a plantar.

Trabalho e salário

O Mercosul se apresentou, por parte de seus defensores, como um mercado de 200 milhões que permitiria um grande desenvolvimento de nossos países. Tanto oportunistas, social-democratas, como revisionistas, reconheciam que o país passaria por um trago amargo, mas que logo as coisas mudariam. Aconteceu que o “trago” se converteu em um oceano, e não amargo, mas ácido. O desemprego cresceu em todos estes anos, chegando hoje a 20%, mais 40% de trabalho informal. A indústria manufatureira caiu de 30% a menos de 20% no PIB. Houve, por um certo período, desenvolvimento nos serviços financeiros, fruto de depósitos muito importantes provenientes da corrupção gerada pelas privatizações na Argentina, dinheiro lavado, etc. O Uruguai, como praça financeira, não tem tido um grande desenvolvimento e agora, com a crise financeira e bancária do ano passado, teve seus depósitos reduzidos praticamente à metade. O turismo, que apareceu também como um setor com grande potencial de desenvolvimento, tem sofrido a instabilidade da região.

Os salários, neste período, têm se mantido praticamente estancados. Porém tem que ser levado em conta que o Uruguai vinha de uma longa ditadura militar fascista que produziu um grande rebaixamento salarial durante 12 anos, e que no início do Mercosul houve uma ligeira recuperação. Hoje o salário real está praticamente no mesmo nível que tinha na saída da ditadura. Ou seja, até a crise e a recessão de 1998, o PIB vinha crescendo ano a ano e, mesmo assim, o salário estava parado. Mais desemprego, estancamento e queda de salário. Isto não é, como dizem os oportunistas e revisionistas, que o governo não havia previsto. São objetivos premeditados, ou, pelo menos, coisas previsíveis.

Um balanço

Num novo livro, Mercosul: uma década, Sérgio Abreu faz um balanço afirmando que a União Européia é o principal sócio econômico do Mercosul, e origem de uma parte muito importante das inversões estrangeiras diretas (IED). Em 1999, as importações desde a União Européia foram de 22.874 milhões de dólares e as importações para esse destino foram de 19.021 milhões de dólares. Entre 1990 e 1998, as inversões da União Européia cresceram a uma média anual de 57%, chegando a 13.300 milhões de dólares em 1999. As importações entre os países do Mercosul passaram de 4.127 milhões em 90, a 16.015, em 1999. O comércio total intramercosul foi de 31.394 milhões de dólares em 1999. O Mercosul, como destino das exportações, significou 27,3% das exportações argentinas, 13,95% das brasileiras, 77,9% das paraguaias e 44,1% das uruguaias.

Em nossa opinião, nossos povos conseguirão a verdadeira integração, a verdadeira democracia, a verdadeira igualdade e a verdadeira justiça através da revolução antiimperialista, democrática e popular em marcha até o socialismo, praticando desde já a solidariedade e o internacionalismo proletário.

Ao longo das últimas duas décadas, o jornal A Nova Democracia tem se sustentado nos leitores operários, camponeses, estudantes e na intelectualidade progressista. Assim tem mantido inalterada sua linha editorial radicalmente antagônica à imprensa reacionária e vendida aos interesses das classes dominantes e do imperialismo.
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