Alegre e otimista, Mestre Conga cresceu apreciando as ricas manifestações culturais das Minas Gerais e participando de congados, causa do seu apelido. Brasileiro pobre, filho de analfabetos, operário de uma fábrica de sapatos, perdeu a visão de um olho em acidente de trabalho, mas jamais o sonho de viver daquilo que ama. Paralelo à labuta, dedicou sua vida à escola de samba que fundou com companheiros, e hoje, aos 84 anos, é um dos sambistas maduros do grupo Velha Guarda do Samba de Belo Horizonte.
— Sou natural de Ponte Nova, Zona da Mata mineira, mas vim morar na capital com uns 5 anos de idade. Éramos muito pobres, uma vida bem sofrida mesmo. Minha mãe era doméstica e meu pai foi trabalhar de cocheiro de padaria, tomando conta das mulas e burros. Naquele tempo, 1935/36, se entregava pão e leite nas carroças. Mais tarde se empregou em uma lenharia, trabalho pesado, mas, sendo analfabeto, não tinha outra opção — lembra Mestre Conga.
Com aproximadamente 13 anos de idade, o menino José Luiz Lourenço, hoje Mestre Conga, começou a participar de uma guarda de congo que havia no bairro Floresta, na capital mineira.
— Foi lá que comecei a aprender o que sei hoje. As congadas, o samba rural, a batucada, o calango, tudo me serviu de base. Acabei abandonando as congadas e me dedicando às gafieiras. Mas foi por conta da guarda de congo que recebi o apelido, que carrego até hoje — comenta.
— Lá na escola os colegas começaram a encarnar em mim e no meu irmão, que também participava, dizendo ‘olha o conga, é o conguinha e o congão’, (risos). Nós ficávamos muito brabos, mas quanto mais irritados, pior eles faziam. O nome acabou pegando. Hoje já me conformei, porque se não saiu quando eu era jovem, não é agora que vão parar de me chamar de conga — brinca.
— O complemento de ‘Mestre’, veio depois. De uns anos para cá, nas escolas de samba, começaram a me chamar de mestre. Então pensei que já que a comunidade, o povo, o pessoal todo que está comigo me chama de mestre, então é porque sou mestre mesmo, e fiquei convencido disso (risos) — fala o bem humorado Mestre Conga.
A partir de 1945, ele se envolveu por completo com as escolas de samba, abandonando inclusive um desejo que tinha de se tornar jogador de futebol.
— Cheguei a participar de um time juvenil, mas acabei deixando tudo de lado. Em 1946 saí na bateria de uma escola, junto com o pessoal das gafieiras, e daí por diante não parei mais de sair. Naquele tempo aconteciam batalhas de confetes por vários bairros de Belo Horizonte antes do carnaval, muita festa de rua — diz.
— Tinha a Batalha do Galo e a Batalha Real, onde eram escolhidos a Rainha do Samba e o Cidadão Samba, respectivamente. Fui Cidadão Samba de 1948, e isso me impulsionou muito. Sinto muita falta disso tudo, e acho que o carnaval perdeu muito com a ausência desses concursos — acrescenta.
— Em 1950, eu e alguns companheiros criamos uma escola, lá no bairro Concórdia, a Inconfidência Mineira. Este ano ela está completando sessenta anos. Tenho muito orgulho de todo esse tempo envolvido com samba, sem ganhar praticamente nada ou nada mesmo, fazendo somente por prazer — declara.
Vida sofrida e muita música
Mestre Conga trabalhou toda sua vida, paralelamente, em outras atividades para sua sobrevivência.
— Comecei a trabalhar aos 14 anos de idade, em uma fábrica de sapatos. Quando tinha 16, trabalhando em uma máquina lá, um arame escapuliu e voou pra cima de uma vista. Perdi por completo a visão. Fiquei um tempinho em casa me recuperando, e logo voltei para o batente de novo. Pelo caso, me deram uma merrequinha, pouca coisa, que falaram que era a indenização — lembra.
— Trabalhei também muito tempo em uma empresa de abastecimento de alimentos e, por quinze anos, no Diário do Comércio, entregando jornal de madrugada. Não tinha muita opção também, porque em idade escolar fiz somente o primário. Mas não me acomodei, e já burro velho, pai de família, fiz uma espécie de supletivo, e concluí até o segundo grau, hoje chamado ensino médio — conta feliz.
— Nesse período de empregado me dediquei quase que exclusivamente à Inconfidência, trabalhando com composição e também na administração. Até o final dos anos cinquenta, fazíamos samba espontâneo na escola. Era só uma estrofe, o resto ficava na base do improviso. Assim ficávamos com os amigos até de madrugada tirando um verso, provocando outro. Depois é que as escolas passaram a fazer o samba inteiro, com enredo, e essa exigência toda de hoje — comenta.
Depois de aposentado, Mestre Conga ganhou tempo para dedicar-se a compor samba em geral e se apresentar em vários locais.
— Mas com tanta dificuldade, sem dinheiro para gravar, e sem saber fazer projetos, é sempre muito difícil. Porém, há uns dez anos apareceu um amigo, o Júlio, que é meu produtor, e fez um projeto que passou na Petrobras, e rendeu um disco. De lá para cá é que tive mais chances de apresentações. Tenho muitas outras composições na gaveta — avisa.
O cd Cidadão Samba tem 12 faixas autorais, letra e música. Entre outros, Mestre Conga toca pandeiro, surdo e tamborim. Se apresenta sozinho, com outros nomes do samba, e com seu conjunto Velha Guarda do Samba de Belo Horizonte.
— É um grupo de nove amigos, todos companheiros maduros, acima de 60/70 anos de idade. Nos apresentamos em centros culturais e outros lugares no estilo, e temos o desejo de gravar um disco. Todos têm seus trabalhos de composição e música é o que não falta para isso, o problema é a velha história da ausência das oportunidades e a carência do dinheiro. Mas vamos remando — conclui otimista.
O Velha Guarda do Samba se apresenta fixo todas as quartas-feiras, de 15:00h as 17:00h, no Centro Cultural da UFMG. Av. Santos Dumont, 174. Belo Horizonte. E para contatar Mestre Conga: (31) 3494-6732.