Goiânia foi palco, no dia 17 de Outubro, do debate “Quando a dor vira resistência: Encontro das Lutas”. O evento conseguiu reunir membros de três grupos que lutam contra as práticas de extermínio policial e a violência de Estado: o Comitê Goiano Pelo Fim da Violência Policial, as Mães de Maio, de São Paulo, e a Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência, do Rio de Janeiro.
O debate começou com a fala de Patrícia de Oliveira, participante da Rede. Ela contou a história de Marilene, companheira da Rede que morreu sem ter resposta quanto ao desaparecimento da sua filha, Rosana de Souza Santos, 18 anos, presumida morta na Chacina de Acari em 1990. Falou da dificuldade de conseguir testemunhas para denunciar as violências policiais e denunciou o assassinato de outra mãe de Acari, Ednéia da Silva, a mando de um coronel carioca indiciado por participar de grupo de extermínio. Denunciou os outros massacres que aconteceram como o da Candelária, de Vigário Geral, e o fato de que todos terminaram da mesma forma: nenhuma condenação de policial envolvido.
Patrícia também denunciou a política das UPPs no Rio, e o fato da maioria das ongs “direitos humanos” até agora terem sido omissas em relação aos abusos praticados pelos policiais dessas unidades. E relata um caso em que, indo atrás de um rapaz que estava sendo espancado dentro de uma unidade, ela foi perguntada pelo Sargento da UPP: “Você quer ser tratada como cidadã ou como favelada?” Essa pergunta, feita por um oficial de comando, define em boa parte a postura dos policiais e do poder público em relação às favelas ocupadas.
Maurício Campos, que também participa da Rede também denunciou que está havendo uma alteração na ocupação dos morros, que os antigos moradores estão sendo paulatinamente expulsos para as novas periferias pelo crescente custos de vida.
À fala da Rede seguiu-se a intervenção de Eronildes Nascimento, do Comitê Goiano. Ela denunciou que só neste mês, mais de 20 jovens foram assassinados no setor Real Conquista, em Goiânia. E retratou o procedimento: motoqueiros que atiram na cabeça sem descer das motos. Ela também denunciou a prática das listas de pessoas marcadas para morrer que saem nos bairros da periferia anualmente. E arremata: “O medo não nos protege. Meu antigo companheiro nunca se expunha muito, era cauteloso. Foi executado. O medo não o protegeu.” Seu companheiro foi Pedro Nascimento, executado na Operação Triunfo, de reintegração de posse da ocupação Sonho Real, em 2005.
O Comitê surgiu com a onda de denúncias após essa operação da polícia. A violência nunca deixou de rondar os moradores, que depois conseguiram conquistar o loteamento do Real Conquista. Eronildes denunciou que nenhum dos policiais envolvidos com essa reintegração de posse foi julgado e condenado e a luta do Comitê Goiano pela federalização dos crimes cometidos durante essa reintegração de posse. E fechou com um apelo à luta: “Se você cala quando acontece uma violência policial, isso permite que eles façam isso com outras famílias”.
A última fala foi da participante das Mães de Maio, Débora Maria da Silva. Ela explicou que movimento nasceu na baixada santista após o assassinato dos seus filhos. Eles foram mortos no extermínio de mais de 500 pessoas realizadas pelo Estado de São Paulo em Maio de 2006. A Mãe afirmou que o modus operandi do motoqueiro é o mesmo em São Paulo e continua: “É vergonhoso uma política social baseada em estatísticas de extermínio, essa política que impera no Brasil”.
Débora também denunciou a ofensiva da ROTA na Baixada Santista que havia matado mais de 15 pessoas em apenas duas semanas. Também relatou a luta pelo fim dos chamados autos de resistência, um verdadeiro legitimador de execuções cuja única testemunha costuma ser a polícia. E afirma “A ditadura não acabou. Só se transferiu para a periferia”. Ela também frisou a luta das Mães de Maio por uma Comissão da Verdade para os Crimes da Democracia. Débora relatou, ainda, os avanços que conseguiram com o enfrentamento político, a investigação de algumas execuções e o refreamento dos piores massacres. “Os governantes do Brasil vivem do nosso medo”, diz ela, “enquanto a gente se deixar dominar pelo medo eles não vão ter limites”.
O encontro foi organizado em Goiânia pelo Comitê Goiano Pelo Fim da Violência Policial e pelo Coletivo Contra a Criminalização dos Movimentos Sociais. Ele também foi transmitido ao vivo enquanto ocorria pelo site passapalavra.info, onde se encontra a íntegra do debate registrado e acessível. Enquanto durava o debate na Casa da Juventude, o barulho de sirenes de viaturas rondando a casa era constante. O debate foi um marco para uma cidade que vive uma situação especialmente opressiva com a polícia, de execuções constantes e clima de medo nas ruas e com certeza vai ter influência na postura dos movimentos populares locais frente à polícia de agora em diante.