O nome Moxuara, na tradição afro-indígena da região, significa ‘Caminho de diamantes, mas foi escolhido sem grandes pretensões, até mesmo por brincadeira, quando um grupo de amigos universitários capixabas se juntou para participar de um festival no interior do estado. Depois que sua música venceu, ganhando outros prêmios paralelos e aparecendo na televisão local, a banda começou a ganhar corpo, juntando música, cultura e conhecimento.
Com dezessete anos de estrada o Moxuara sempre procurou valorizar as particularidades da sua região, muito pouco conhecida no resto do país.
— O Espírito Santo é uma faixa estreita de terra ‘espremida entre o oceano, a montanha e grandes focos culturais do país: Rio de Janeiro, Minas Gerais e Bahia, sendo conhecido como um ‘estado de passantes, por onde transita muita gente. Talvez por isso a nossa cultura não seja identificada à primeira vista. Temos alguns detalhes de sotaque, que não é carregado de impressões e palavreados próprios — diz Flávio Vezzone, líder do grupo.
— A nossa música recebe influência da viola pantaneira da região central, do baião do nordeste do Gonzagão, do samba do Rio de Janeiro, entre outros, e com um ingrediente que é o referencial musical do folclore capixaba: o congo e a folia de reis, que são diferentes dos feitos em Minas, o nosso congo, por exemplo, tem os tambores batidos com as mãos e o de Minas com baquetas — explica.
O grupo é formado por Flávio, composição e vocal, Marcos, arranjador de cordas e vocal, Paulo, baixista e arranjador e Luis Guilherme, que cuida da parte administrativa.
O primeiro cd, Quarto crescente, 1996, voltado para a temática rural, com sons de viola, é considerado por muitos como um disco com "cheiro de terra". Traz uma homenagem à banda capixaba de congo São Sebastião de Itaquaruçu, da qual Flávio também faz parte. Em 1999 veio Pontos e nós desta vez com temas que dizem respeito à vida urbana, como a violência contra crianças.
O terceiro disco, Musiculturarte, é uma junção do repertório dos dois anteriores, com participação de 150 alunos de 10 escolas, entre municipais, estaduais e particulares do estado, em um projeto do qual o grupo faz parte, sugerindo a possibilidade de revisão na forma de condução no processo de ensino, vendo a arte como fio condutor para todas as disciplinas.
— A convite de alguns professores, começamos trabalhando o nosso próprio repertório. Por exemplo, temos uma música no Pontos e nós que fala dos "meninos da baia de Vitória", abordando a violência contra a criança, então, tendo como foco a violência infantil e a música como tema gerador, discutimos reforma agrária, economia, matemática, química, biologia — diz Flávio, que é formado em história.
O Moxuara começa fazendo oficinas com professores, depois vai para a sala de aula para escolha da música, produção do conhecimento, discussão do tema, intercambio entre as disciplinas. Em seguida junta o que foi produzido para que professores e alunos identifiquem uma forma artística de representar o conhecimento, que pode ser através de uma dança, poesia, maquete, mosaico, peça teatral, entre outras possibilidades. Nesse dia vai para a escola e se mistura com os artistas e alunos, numa grande feira que é aberta a comunidade em geral.
— O projeto propõe romper as fronteiras dos muros das escolas e se envolver com comunidades, associações de moradores e famílias de alunos, mas isso só é possível porque fazemos uma música que respeita as pessoas — declara Flávio.
— A escola é um foco irradiador de conhecimento, questionamento e produção do conhecimento, que deve ter o poder e o dever de discernir sobre que tipo de música entra no seu universo, através de professores e diretores, e vamos concordar que a mídia tem tocado algo que não dá para classificar como música, que são esses modismos. Hoje é muito fácil com meia dúzia de ‘heim, heim, heim, uns dois acordes e um tambor batendo duas ‘pancadinhas, gravar um cd — acrescenta.
O grupo conseguiu trabalhar com todas as séries escolares, mas com o tempo o projeto foi definido como de aplicável na terceira série, quando as crianças começam a ter um certo grau de instrução, até a sétima.
— A reação do aluno é sempre boa. Trabalhamos com várias áreas carentes e temos histórias de momentos que o projeto mudou a relação familiar, porque o aluno levou para dentro de casa essa espécie de ‘vírus do conhecimento misturado à cultura — fala Flávio.
Na hora de compor
Tempo de colher, último cd do grupo, retrata um pouco mais o romantismo, com uma temática voltada para o litoral. Fala do mar, do porto, das pessoas que vivem nessa região e da vida dos pescadores.
— Nós não fazemos nada para ficar bonito somente. Temos uma rica trajetória de vida. Viemos de famílias muito pobres, e passamos por diversas privações. Desde cedo somos engajados em movimentos populares, e estivemos no movimento estudantil na universidade, construindo nessa base a nossa impressão do mundo. Desta forma, tudo que falamos em nossas músicas tem a intenção de compartilhar com as pessoas o que sabemos, de uma forma bonita e poética — explica.
Todos do grupo são autodidatas e têm histórias de vida parecidas, assim como Flávio vieram do interior do estado e começaram a trabalhar muito cedo para ajudar em casa.
— Minha família veio de Anchieta, onde nasci, vim para a região da capital quando eu tinha sete anos de idade. Meu pai era meeiro, aquela pessoa que arrenda um pedaço de terra para plantar e metade da colheita é do dono da terra, e veio para a cidade, com dez filhos, trabalhar como pedreiro, em busca de dias melhores, isso em 1971 — lembra Flávio.
— Cheguei a ajudar meu pai como pedreiro a partir dos doze anos de idade, coisa comum entre as famílias carentes. Era uma vida dura e não sobrava tempo, mas, naquela época tínhamos o privilégio de ouvir boas músicas no rádio, sendo esse veículo a base da formação de todos nós do Moxuara, que só tínhamos acesso à música através dele. Ouvíamos Chico Buarque, Luiz Ayrão, Gonzaginha, Gonzagão, Sérgio Reis, Clube da Esquina, entre outros, enquanto trabalhávamos — acrescenta.
O Moxuara gravou seus discos de forma independente e os vendem nos seus shows e pela Internet, no site: www.moxuara.com.br. Tem trabalhado bastante pelo interior do estado, em festivais e projetos culturais, e também em shows em Minas, Rio e São Paulo.
— Infelizmente ainda estamos ‘socados no sudeste, por não termos um sistema de divulgação que nos favoreça, mas temos construído uma boa relação por onde passamos, voltando com frequência, formando assim o nosso público — finaliza Flávio.