Um dos pouquíssimos paulistanos de uma família tradicional mineira, Cláudio Lacerda dedica-se à pesquisa e composição de músicas rurais brasileiras. Com um forte apego pela viola caipira e três discos gravados, com participações pra lá de especiais como Tinoco, Pena Branca, Renato Teixeira e Dominguinhos, Cláudio faz um apanhado da música regional brasileira como um todo, na sua riqueza de ritmos, incluindo canções de sua própria autoria, de amigos e compositores esquecidos.
— Minha família sempre foi muito festeira e unida, como toda boa família mineira. Como alguns de meus tios cantavam serestas, era muito comum nos reunirmos na sala para ouvirmos pérolas como Índia, do José Fortuna, ou Você vai gostar do Elpídio dos Santos, e eu presenciava tudo aquilo maravilhado — conta Cláudio.
— A influência mineira em minha vida é muito forte. Somente meus pais vieram morar em São Paulo. Aqui tiveram a mim e a meus três irmãos, únicos da família inteira que nasceram fora das Minas Gerais. Por conta disso, passávamos as férias por lá, tendo contato com a cultura local — continua.
— Mas, naquela época era só uma criança ou jovem curioso, só fui me interessar e me envolver com cultura popular depois de que me mudei para Botucatu [interior de São Paulo] para cursar zootecnia na universidade de lá — acrescenta.
Cláudio começou a tocar violão por volta dos 17 anos, e foi por essa mesma época sua mudança para o interior do estado de São Paulo.
— Me formei e trabalhei por dez anos com fazenda de leite na região. Mas desde que ingressei no curso, paralelamente, comecei minha carreira de músico, tocando nas noites, em barzinhos, com o pessoal da universidade mesmo. E como Botucatu é berço de alguns grandes compositores da música caipira, comecei a ter curiosidade sobre a vida desse pessoal e suas composições, passando a ter um contato de fato com a música caipira — explica.
— A partir daí passei a pesquisar a origem de um cururu, uma guarânia, cirandas, e muitos outros ritmos e estilos presentes na nossa cultura. Em 2001 deixei a zootecnia de lado e voltei para São Paulo, passando a estudar mais seriamente música, me aperfeiçoando em viola caipira e canto. Também tive tempo de procurar e fui conhecendo gente com ideais iguais aos meus. Muitos de meus amigos violeiros são ligados a pesquisas de cultura popular — comenta.
Em 2003 Cláudio lançou seu primeiro disco, Alma lavada, que teve participação de Renato Teixeira, algumas canções autorais e regravações de amigos. O segundo disco, Alma caipira, em 2007, foi em homenagem a compositores esquecidos.
— Normalmente, os compositores são pouco lembrados, principalmente porque muitos não cantam. Então resolvi fazer um disco tributo a alguns desses. Preferi não pegar grandes sucessos, mas músicas pouco gravadas e até desconhecidas. E diversifiquei bastante os ritmos gravando, entre outras, cururu e toada. Nesse disco tive participações ilustríssimas como Tinoco e Pena Branca — fala alegremente.
— Agora em 2010 lancei meu terceiro trabalho, Cantador, cheio de músicas autorais. Desta vez, a participação foi de Dominguinhos. O Cantador tem uma regionalidade em todas as músicas, e envolve cordas, metais, sanfona, enfim, instrumentos na essência de um grupo musical regional — continua.
A arte de construir música
— Na hora de compor acredito na disciplina de sentar e trabalhar. Raciocinar o que se quer e assim produzir. E sempre acaba saindo alguma coisa que dá para aproveitar. Procuro fazer uma música o mais natural possível, orgânica, da terra, porque acredito que as pessoas das cidades grandes, e até mesmo algumas do interior, precisam de uma canção autêntica, aquela que nos remete à realidade do campo — expõe.
— Por exemplo, quando vamos ao cinema e assistimos um filme que tenha o mar, ele nos faz sentir ali no mar, mesmo estando ele tão longe de nós naquele momento. Da mesma forma deve ser com a música. Gosto de compor uma música que faça a pessoa se sentir no campo — continua.
Cláudio afirma que essa verdadeira música sertaneja existe em boa quantidade, contudo não chega facilmente ao povo.
— A indústria cultural no Brasil, a grande mídia, infelizmente é movida por dinheiro, lucro. Com isso, vemos uma música que tem o rótulo de sertaneja, nada ter a ver com o homem do sertão. Enquanto isso a verdadeira música sertaneja, caipira, existe, mas não chega no público. Quem quiser ouvi-la e conhecê-la tem que pesquisar, ir atrás dela — constata.
— E essa música rural tem um universo enorme, com relação a temas e musicalidade. Até mesmo músicas de outros países encaixam-se como irmãs, por falar do mesmo universo. É o caso das guarânias, as polcas, os chamamés, que chegam até nós pelo Mato Grosso do Sul, um estado extremamente agrícola — comenta.
Segundo Cláudio, também não se pode ficar limitado a regiões dentro do país quando se fala de música rural, porque, com diferentes ritmos, cada estado brasileiro tem a sua.
— Se pegarmos Tinoco, Dominguinhos, Almir Satter, Renato Teixeira, Elomar e tantos outros artistas regionais, vemos que têm alguma coisa na essência de cada um que é essa ruralidade, essa simplicidade do campo. A música que o Dominguinhos canta no meu mais recente CD é um baião, que tem minha letra e melodia do Eduardo Santana, outro paulista que aprecia os ritmos nordestinos. Apesar de que ritmos como esse já são nacionais — conta.
— Além do mais, como já disseram antes de mim ‘música, tem a boa e a que não é boa, só isso’. O Brasil é enorme, riquíssimo e isso é mais um motivo para nos orgulharmos de sermos brasileiros — conclui Cláudio Lacerda.
Cláudio tem feito apresentações pelo país, e principalmente nos estados de São Paulo e Minas Gerais. Para acompanhar por onde tem caminhado e ter outras notícias do artista, basta acessar a página na internet: www.claudiolacerda.com.br