Trabalhando com máscaras, realizando pesquisas no campo da cultura popular, dos folguedos, transformadas em espetáculos e interagindo com o povo para construção dos próprios espetáculos, a trupe cearense Teatro de caretas usa como sede uma praça de Fortaleza, realizando no local seus ensaios e oficinas de criação. Corpo a corpo com o povo, o grupo procura trabalhar as questões sociais da sociedade urbana.
— Surgimos há 10 anos em Fortaleza, Ceará, como um grupo de teatro de rua, de uma forma totalmente voluntária. Quero dizer, já nascemos na rua. E trabalhamos continuamente e coletivamente com uma vertente política, uma visão de intervenção, buscando uma associação com a transformação social, com o ideal de refletir sobre o mundo e a sociedade que vivemos — explica Vanéssia Gomes, atriz e socióloga e uma das fundadoras do grupo.
— Procuramos uma ligação grande com outros grupos, tanto daqui quanto de outros estados, fazendo intercâmbio, conhecendo outros trabalhos, para crescer mais e nos fortalecer. Cremos que assim estamos fazendo crescer o próprio movimento no qual participamos, a Rede Brasileira de Teatro de Rua, que é forte e agrega centenas de grupos do Brasil inteiro — declara.
— Todos nos comunicamos virtualmente diariamente e a cada seis meses realizamos um encontro presencial. E agora aqui, no Nordeste, também temos uns encontros dos grupos daqui, que podem ser feitos com mais frequência. Esse tipo de união reforça o nosso trabalho, fortifica o trabalho de rua, e nos vai ensinando cada vez mais. Para nós, o aprendizado é contínuo e não acaba — acrescenta.
A trupe é formada por 13 pessoas, entre atores, atrizes, dramaturgos, pesquisadores e fotógrafo. Todos têm seus trabalhos paralelos, porém, na área de teatro, lecionando em universidade, por exemplo. Com seus ganhos, ajudam a manter o grupo, que também sobrevive dos prêmios conquistados, fomentos…
— Temos um repertório em que aparecem também espetáculos que trabalhamos há muito tempo, mas que continuamos gostando de apresentar, como: A farsa do pão e circo, e o Nas garras do capa bode, assim como performances de rua que, na verdade, são intervenções ritualísticas. Procuramos trabalhar também com esses referenciais — expõe.
O espetáculo atual do grupo, Cortejo caretas, estreou no ano passado usando a linguagem do circo, dos reisados, dos bois nordestinos, as caretas.
— É fruto de uma pesquisa aprofundada sobre a performance do ator de rua e a máscara, presente nas manifestações tradicionais. Para realizá-lo, fizemos uma extensa pesquisa, viajando por várias cidades daqui do nordeste — comenta.
— Fomos atrás das máscaras que tínhamos referência, as do reisado do Ceará, presentes em uma comunidade chamada Ipueira da Vaca, um assentamento rural na cidade de Canindé. Fomos até Jardim, aqui também no estado que na época da semana santa fica toca encaretada. Toda a cidade usa máscara — continua Vanéssia.
Entre muitos outros locais, a trupe visitou cidades de Pernambuco, para conhecer grupos de cavalo marinho, e Maranhão, para ver os bois e as máscaras tradicionais de lá.
— Foram seis meses de viagens e pesquisa, filmando, fotografando, fazendo entrevista, brincando junto com os mestres. O resultado foi esse espetáculo que, sem dúvida, era o que queríamos. Mas, deixo claro que buscamos fazer uma releitura dessas manifestações sem ser cópia. Acreditamos que é nessas manifestações que está a essência do teatro — declara.
Sede a céu aberto
Além de encenar o Cortejo Caretas, atualmente a trupe está realizando um trabalho com mulheres donas de casas, no sentido de criar um espetáculo; e em contato com outra trupe de Fortaleza, com o objetivo de trocar pesquisas. O detalhe é que todas as suas atividades são feitas a céu aberto.
Por não ter um prédio físico para realizar seus ensaios, oficinas e atividades diversas, coisa que deseja e busca, o Caretas usa uma praça como sede.
— Assumimos a perspectiva dos diversos grupos existentes no Brasil e fora daqui com relação a se ter uma sede pública, trabalhar dentro de uma comunidade e ocupar uma praça. Atualmente, ocupamos uma praça no Benfica, um bairro daqui de Fortaleza — fala.
— Essa ocupação só nos tem acrescentado. Por exemplo, criamos várias cenas de A farsa do pão e circo e Cortejo de caretas, a partir de improvisações no local: trouxemos uma situação, e aqui na praça, com os transeuntes, criamos em cima. É a criação de cenas, aonde os atores improvisavam com o que acontece no local, na hora. Essa perspectiva faz parte da nossa linha de pesquisa — acrescenta.
— Sabemos que a improvisação é a dimensão mais difícil do ator, que precisa ter um acervo grande para isso, mas nos encantamos em trabalhar com essa dramaturgia onde os atores participam diretamente. Trabalhamos também com textos escritos por cearenses e de outros estados, mas é o trabalho de improvisação na praça que mais gostamos — confessa.
Segundo Vanéssia, o grupo acredita que essa ocupação é tão interessante para ele quanto para a comunidade.
— A comunidade tem um grupo artístico ali constantemente a seu dispor. Sabemos que a sociabilidade urbana também tem a ver com os grupos artísticos. Nossa ocupação tem deixado essas praças vivas. E assim também tem feito conosco no que diz respeito a pesquisa, a improvisação, o social, o contato com as pessoas, com o nosso espaço: o espaço do povo — fala.
— Sabemos que grupos do nosso movimento têm sofrido repressão e expulsão de locais públicos, impedidos de exercer a sua arte. Mas isso ainda não tem acontecido por aqui. Contudo, acredito que uma das nossas grandes lutas atualmente é a da livre ocupação desses locais. Defendo a criação de uma voz, para que isso nem chegue a acontecer aqui. Muitos companheiros estão sofrendo duramente — Finaliza Vanéssia Gomes.