“Um grande problema para qualquer nação é não ter quem a defenda. Se o país não defender os seus interesses, não deve esperar que outros os resolvam para ele. O Brasil não pode esperar que os Estados Unidos, por exemplo — através de acordos de cooperação e tratados bilaterais diversos sobre segurança, sistema financeiro, sistema produtivo, proteção ao meio geográfico, aproveitamento das fontes de matéria prima, desenvolvimento tecnológico, etc. —, intervenham nos problemas do povo brasileiro, assim como qualquer outra potência, porque elas visam apenas os seus interesses”, afirma Salim Kalaum.
Pela segunda vez colaborando com A Nova Democracia, esse filho do povo libanês, que chegou aqui aos seis meses de idade, naturalizado brasileiro, aos 55 anos de idade é observador dos acontecimentos políticos do mundo, o que hoje significa estudar de forma sistemática o domínio, os fatores determinantes e as conseqüências da Nova Ordem, os projetos de anexação como a Alca, as guerras localizadas, o crescimento da fome nos países colonizados e semicolonizados, o fenômeno da imensa quantidade de exilados políticos, etc. Bem como a resposta dos povos nesse processo que vem provocando profundas mudanças no cenário político internacional.
Entre as questões abordadas por Salim nas palestras que ministra em universidades, está a intransigente defesa dos povos, a autodeterminação das nações, em particular da soberania nacional. Formado em Direito, ele preferiu não advogar e faz parte da Saara, o maior centro comercial ao ar livre do Brasil.
Entre as suas observações, ele nota que os Estados Unidos, ou qualquer outro Estado do centro capitalista da Europa e da Ásia — os imperialistas — abertamente, já não visam angariar simpatias para a sua diplomacia. “A política externa desses Estados não está em uma balança que sequer aparente justiça, mas nas bolsas de Londres, Nova Iorque e Tóquio, por exemplo”, adverte e completa imediatamente: “Então, ao olharmos para a África, Ásia e América Latina, vemos que muitos países nestas regiões, na verdade, são governados pelos setores financeiros, rentistas, burocráticos. Realizam investimentos em cima dos partidos políticos para atender os seus próprios interesses, que são os interesses da minoria improdutiva e não os interesses da esmagadora maioria da nação”.
Salim lembra que não é coisa nova a dominação de um país sobre outro. Não é exclusividade de uma determinada “raça”, mas que encontra seus fundamentos em certas relações econômicas que ainda não foram ultrapassadas pelo Homem. “No passado, o Império Romano, por exemplo, dominou a Bacia Mediterrânea e boa parte do mundo conhecido, palco permanente de colonização, partilhas, anexações, desde a Antiguidade. Os gregos entraram na Índia e chegaram até as muralhas da China. Os árabes conquistaram a Península Ibérica e alcançaram as montanhas do Afeganistão. Os espanhóis tomaram quase toda a América. Portugal, além do Brasil, conquistou uma parte da África e ilhas do Atlântico. A Itália conquistou a Líbia, a Etiópia. A França fez de parte da África sua colônia — Madagascar, Senegal e Costa do Marfim”, lembra.
“É assim que funciona. No entanto, não podemos ser os conquistados, a colônia. Uma vez alguém me disse: Já pensou, o Brasil conquistado pelos ingleses, a formação cultural que teríamos! Respondi que a Índia, por exemplo, foi conquistada pelos ingleses e estão lá a fome e a miséria reinando. A questão não é saber se a colonização britânica é melhor do que a lusitana, porque nem uma nem outra é boa para o dominado. O homem, ou país, tem que ser livre, independente, e ter sua cultura própria”, continua.
“Eliminando o poder das máfias que controlam os setores econômicos essenciais do país, é possível eliminar a miséria, analfabetismo, doença, violência, etc. Caso contrário, seja qual for a forma que assume o governo, é indiferente para o povo”, afirma.
A união dos dominadores
“Na Europa Ocidental há um interesse muito grande em manter um determinado equilíbrio interno em cada Estado, e também entre os Estados vizinhos. A União Européia tem como pontos fundamentais em seu programa o equilíbrio interno. Um desenvolvimento econômico interior vigorando com profundidade dentro dos países hegemônicos da Europa, combatendo, não a miséria — porque ela, na sua definição precisa, em quantidade e qualidade, não existe por lá —, mas os danos que os monopólios podem causar internamente. Lá, o cidadão não é desprezado no que diz respeito às questões básicas, como a garantia de emprego, instrução e saúde públicas, moradia, etc. Por enquanto, esses Estados ainda conseguem exportar seus problemas, assegurando um relativo equilíbrio social interno. É claro que não estão preocupados em deter a miséria nos outros países. Afinal, os exploram, fazendo deles um mercado consumidor de seu capital”, acrescenta.
“Esses Estados se esforçam, tanto quanto possível, para que os prejuízos se voltem exclusivamente para fora”, explica Salim, referindo-se aos efeitos insulares que, a rigor, produzem a administração das grandes corporações e dos Estados mais poderosos do Mercado Comum Europeu, assim como as do Norte da América: EUA e Canadá.
Mas, nas Américas existe uma disparidade econômica e política muito grande entre os países da América Latina, por um lado, e os Estados Unidos e Canadá, por outro. Para que isso acontecesse seria imprescindível a conquista da independência da América Latina. Porém, o Brasil e os outros países empobrecidos acabam sendo engolidos por todos os acordos e tratados realizados com a América anglo-saxônica.
Para tanto, ele cita o sistema de desnacionalização (denominado “globalização”) e esse novo instrumento, a Alca — Associação do Livre Comércio das Américas. “Teoricamente, elas buscam convencer, mas, na prática, a quem podem servir senão que aos poderosos, nada deixando para os países pobres? O FMI, por exemplo, quando faz um acordo de empréstimos com o governo brasileiro, define, até mesmo, onde deverá ser empregado aquele dinheiro, destinando-o para os fins que esses credores bem entendem.”
“Como o empréstimo não vem com livre direção, o governo tem que abrir as portas à importação e trazer produtos do Sudeste Asiático, por exemplo, onde os investidores não são os próprios asiáticos. Com isso, o pouco que resta da nossa indústria se depara com uma concorrência ainda mais terrível. Predominam os planos de conquista dos que controlam o poder econômico desses países. E eles não vão querer saber de soberania. Farão de nossos países nada mais que mercado de consumo”, argumenta.
Para ele, o brasileiro precisa saber utilizar seus recursos, dar preferência ao produto nacional. “O consumo exagerado de matéria prima ou produto industrializado é grave para a nação e o valor nacional. A pessoa que está consumindo supérfluos, muitas vezes estrangeiros, talvez não pague, mas a sua descendência pagará. Ele deve ser racional e valorizar o que é nosso, resistir ao dominador e impedir o desemprego, que é uma calamidade pública”, adverte.
“Para não causar desemprego (basta dizer que um homem, um pai de família, desempregado e desesperado, pode ser levado ao suicídio), não se deve subestimar e diminuir a produção de nossas fábricas para importar e lançar os produtos estrangeiros baratos no mercado interno, coisa defendida pela globalização, Alca ou qualquer instituição dos interesses dos Estados hegemônicos. Na verdade, essas doutrinas e instituições são uma espécie de vírus causadores de doenças sociais graves, como o desemprego e a miséria — porque quanto mais tempo alguém permanece no abandono e na miséria, tanto mais difícil será libertar-se dela. Breve chega o momento em que suas forças e as de sua família não são suficientes para sobreviver e isso os leva à morte de diferentes maneiras”, continua.
Manifestações contra guerras e em defesa dos exilados políticos
Salim, que, recentemente, passou dois meses na Europa, diz que não é somente aqui que as pessoas têm se pronunciado contra a chamada “globalização”. Têm acontecido constantes manifestações em Paris, Roma, Madri, Lisboa, Berlim, Frankfurt, Londres e outras cidades do continente europeu, somando a milhões de pessoas, que não aceitam a desnacionalização, ingerências culturais, agressões e a expulsão dos povos de seus países de origem.
Na Europa, são freqüentes as manifestações contra as guerras. No século XX, a Europa sofreu duas grandes guerras, e quase todos os países europeus pagaram um preço altíssimo, com fome, miséria e emigração — principalmente na Segunda Guerra Mundial. “Dividiram a Europa e repartiram, sem nenhum respeito aos povos. Como se fosse um bolo. Tudo isso causou uma espécie de trauma nos povos europeus que se manifestam contra qualquer possível guerra”, explica.
“O iraquiano, por exemplo. Hoje, são milhares de pessoas, incluindo muitas crianças, que morrem por ano no país, devido ao bloqueio. É claro que, na hipótese de Saddam ser um caudilho, ele teria de ser derrubado. Esse seria um problema interno do povo iraquiano. No entanto, os que mandam disparar mísseis de grande poder destruidor sobre Bagdá, não se incomodam se estão atingindo, ou não, os possíveis opressores internos, mas, certamente, atingem os oprimidos pelo imperialismo dos USA, e, diariamente, atingem crianças, velhos, mulheres, doentes, tanto quanto adultos e soldados”, argumenta.
Segundo ele, o conflito entre o Estado sionista de Israel e a Palestina é outra grande afronta à humanidade. A permanência do próprio Estado judeu na região é uma agressão permanente à existência do povo palestino naquele território. Afirma que essa permanência — não dos hebreus, mas do Estado sionista, denominado Estado de Israel — é um jogo de interesses dos países imperialistas, que sabem ser aquela região rica em petróleo, uma fonte de energia indispensável. Por isso querem dominá-la e tirar proveito disso.
“Os Estados Unidos hoje mandam no mundo, econômica e militarmente. Somente a necessidade incontida de dominação “justifica” a presença dessas bases militares, a continuada implantação de outras, espalhadas pelo mundo inteiro, fora de seu território e em cada região do planeta”, comenta.
As partilhas do mundo, associadas aos regimes antipopulares, são a causa de tantos exilados políticos que, por não aceitarem os regimes existentes em suas pátrias de origem, são obrigados a partir para outros países. Por isso, conceder asilo político é um dever e o exilado deve ser respeitado. É preciso socorrer os que necessitam de segurança, buscando escapar dos massacres perpetrados contra os povos irmãos, o que é diferente da ação dos delinqüentes políticos que nada propõem e nunca se colocam a favor do povo.
Ele lembra que, historicamente, o exílio sempre ocorreu. “A época do Império Romano ou o período das guerras de independência, na América do Sul, com Simon Bolívar, que lutava pela união dos países latino-americanos, é mais que um grande exemplo. Ele foi presidente da Venezuela, Bolívia, Peru, e se exilou na França e Haiti”, conta.
“O próprio Brasil, de onde muitos fugiram para outros países depois do golpe de 1964, foi também abrigo para outros tantos. Desde o “descobrimento” chegaram aqui portugueses na condição de exilados políticos e, percorrendo sua história, vieram outros, oriundos dos mais diversos países. Às vezes, refugiados de guerra, ou da economia de guerra que os oprimia e destruía populações inteiras pela fome, nem sempre se tratando propriamente de agentes políticos. Recentemente, árabes chegaram no país, vindos do Líbano e da Síria, fugindo dos conflitos, sendo, igualmente, uma espécie de exilados políticos”, finaliza Salim. Na verdade, há mais de meio século, sua própria família também veio para o Brasil em busca de melhores condições de vida e se incorporou ao nosso povo. Gente digna e honrada como Salim Kalaum.