Nas rodas do Trapiche da Gamboa

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Nas rodas do Trapiche da Gamboa

Localizado na Gamboa, considerado um dos mais importantes berços do samba, próximo a Pedra do Sal, patrimônio cultural do carioca, o Trapiche Gamboa serve de ponto de encontro de sambistas e o povo amante do samba, com rodas de terça a sábado. Inaugurado em 2004, o bar reúne pessoas de todas as idades e bairros do Rio de Janeiro, dispostos a dançar e cantar, em um refúgio que dá liberdade ao samba de mesa.

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— Sempre gostei de samba, e era frequentadora das rodas do bar Sobrenatural, que o Eduardo Gallotti fazia, em Santa Teresa. Depois a prefeitura proibiu o samba lá, e nós descemos para a Lapa, na rua do Lavradio, com as rodas organizadas pelo Messias. Mas percebi que precisávamos de mais espaços, porque era difícil encontrar um bar que fizesse roda de samba, com samba de mesa, sem palco, essas coisas que gostamos. Foi quando resolvi abrir um bar — explica Cláudia, a dona do reduto.

— Pensei logo nessa área da Gamboa/Saúde, porque tem uns lugares amplos, prédios antigos muito bonitos que poderíamos usar e ao mesmo tempo ajudar a conservar. Parece que a cidade não tem mais para onde crescer, e essa área tão bonita, com tanta história, especialmente o local do bar, estava bastante abandonado. Achei que além de reunir o pessoal poderia dar, e damos, uma vida por aqui — acrescenta.

— Outro motivo foi o fato da região ter sido o berço do samba, a Pedra do Sal é bem pertinho daqui do bar, e tem muita gente boa que fez ou faz parte dessa área. O ateliê do Heitor dos Prazeres, por exemplo, é aqui perto. Isso tudo pesou bastante na escolha — continua.

Aos pés do Morro da Conceição, na Saúde/Gamboa, a Pedra do Sal é um local histórico e cultural da cidade do Rio de Janeiro. Na região, onde havia um grande mercado de escravos, está uma comunidade remanescente de quilombo. No local tinham muitas casas coletivas ocupadas por escravos e negros forros. Consta que foram os próprios escravos que fizeram a bela escada escavada na Pedra.

As primeiras grandes docas da cidade surgiram na região, juntamente com os trapiches. Lá o sal era descarregado das embarcações. Acabou virando ponto de encontro de sambistas anônimos que trabalhavam como estivadores, assim como de migrantes em geral, foliões e grandes sambistas do passado, como João da Baiana e Donga.

 Tombada em 1984, a Pedra do Sal é de grande importância para a cultura carioca e para os amantes do samba e do choro. A música, os batuques, estão bem presentes junto a comunidade local.

Restauração e samba

— Além de toda uma história, talvez por ter servido de moradia dos escravos, o local continua com valores de alugueis mais acessíveis. E como o pessoal do samba vai a qualquer lugar, perto ou distante, sem frescura, decidi por essa região — explica Cláudia.

— Fiquei quase um ano procurando um espaço, até encontrar esse, que estava com tudo caindo, em situação precária mesmo. Tivemos que fazer uma obra que durou quase um ano. Mas, procuramos não danificar a história do ambiente, mantendo o piso, que é original, as paredes de pedra. As obras foram no sentido de restaurar para poder ocupar — declara.

— Assim que já estava com uma certa condição, convidei o Eduardo Gallotti, que é muito meu amigo, e um apaixonado pelo samba, e inauguramos o Trapiche Gamboa, com rodas de samba as sextas-feiras — conta.

Um dos significados de trapiche é armazém. Cláudia escolheu o nome devido aos muitos armazéns que existem na área da Gamboa.

— Passamos vários meses abrindo a casa somente nas sextas, porque ainda estávamos em obra no resto da semana. Depois começamos a abrir aos sábados, com o Galocantô. As pessoas foram gostando, a coisa foi ficando mais forte, e não deu mais para segurar: passamos a abrir de terça a sábado, e estamos aqui até hoje, provando que apreciadores do samba é o que não falta — afirma.

Cláudia diz que o bar é frequentado por um público bem diversificado.

— Vem povo de todas as regiões da cidade. Tem gente da Barra, de Madureira, da Baixada, do Leblon, todo mundo curtindo com o mesmo amor. Também de todas as idades.  Já tivemos, por exemplo, aniversário da avó e do neto no mesmo dia. Vejo que realmente o samba consegue juntar gerações, é uma grande mistura  — constata.

— Não conseguimos classificar o público daqui, assim como a música que apresentamos. Sabemos que é samba autêntico, mas damos liberdade para todo tipo de samba. Cada grupo tem a sua particularidade e cada dia o seu momento especial. Fazemos tudo de uma forma bem democrática e informal — continua.

Cláudia faz questão de dizer que não se trata de uma casa de show ou uma boate, mas apenas um despretensioso bar, onde pessoas se encontram para conversar, comer, beber e ouvir o mais autêntico samba carioca, com liberdade para participar.

— Não temos palco. Os músicos ficam em volta de uma mesa, e ali eles tocam. As pessoas ficam de pé, ou puxam uma cadeira para sentar, como preferirem. É um samba de mesa mesmo, do qual as pessoas participam, ficam à vontade para cantar e dançar — explica.

— Observamos que normalmente as pessoas preferem ficar em volta da mesa dos músicos, de pé, dançando, principalmente no final da noite, quando não tem praticamente mais ninguém sentado. Mas cada um faz como preferir — continua.

Segundo Cláudia, as rodas têm duração de 4 horas, com intervalos. O bar mantém sempre os mesmos grupos e artistas: terças, a partir de 20:30h, tem roda de samba e jongo, com o grupo Razões Africanas; quartas, 19:30h, é Pedro Paulo Malta e amigos que esquentam a roda; quintas, 21:00h, é Simone Lial e grupo Mulato Velho; sextas, 22:30h é Eduardo Gallotti; e sábados, também 22:30h, o Galocantô.

— Além dos grupos fixos, sempre aparecem outros músicos, e dão uma canja, mas, de forma informal. São amantes do samba e frequentadores do bar — finaliza Cláudia.

Contato com o Trapiche Gamboa: www.trapichegamboa.com.br e [email protected]

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