Nesse segundo livro (o primeiro, foi de receitas culinárias) assinado pelas manas mineirinhas Célia e Celma pode-se ler em breve fôlego um punhado de crônicas de altíssimo nível e de invulgar prazer. A leitura de Por todos os cantos nos remete de imediato, e de forma saborosa, às primeiras décadas do século passado, quando muitas descobertas, em todos os campos, estavam ainda por acontecer no Brasil e no mundo.
Os textos inseridos em Por todos os cantos, da prestigiada editora paulistana Ibrasa, comandada por Expedito Jorge Leite desde fins dos anos 50, foram originalmente publicados num tablóide de Ubá, Minas, terra das autoras e de um certo Ary Barroso — lembram-se? —, criador privilegiado de muitos clássicos da música popular, como Aquarela do Brasil, que o gringo Walt Disney descobriu para o mundo nos princípios dos anos 40, em viagem pela região Norte do nosso País.
Este 2003 é o ano do centenário de Ary.
No livro que agora está sendo lançado pelas duas irmãs, há muitas informações e causos sobre mestre Ary, que nos primórdios foi vizinho e amigo da família das autoras. O pai das duas, Celidonio Mazzei, fotógrafo profissional, clicou incontáveis vezes para a posteridade a imagem do famoso ubaense. Algumas dessas imagens, inéditas, são reproduzidas no livro.
Depois de adaptados com extremo rigor, os textos foram acomodados em 170 páginas no livro que a editora de Expedito Jorge Leite, um cearense, agora chancela com indisfarçável orgulho para todos os públicos. A apresentação é assinada pelo jornalista Sérgio Cabral, e a “orelha” pelo segundo homem da República, o senador Zé Alencar, vice-presidente eleito na chapa de Luis Lula da Silva; e também mineiro. Cabral é carioca por acidente de percurso.
Sem dúvida, foi mais do que acertada a decisão de adaptar e publicar esses textos, pois só assim um número maior de pessoas poderia saboreá-los como certamente irão.
Ao decidirem escrever, Célia e Celma puxaram da memória assuntos antigos, dispersos nas curvas do tempo. São textos cheios de leveza e graça. Confiram. As autoras são cantoras profissionais consagradas, com vários discos gravados; um desses, só com músicas de Ary Barroso, chamado Ary mineiro, que com sorte pode ainda ser achado por aí, numa loja ou “sebo” qualquer.
Nesse novo livro, Célia e Celma trazem à tona temas relegados ao esquecimento, como a figura da parteira ainda atuante nos cafundós do Brasil. Calcula-se que haja cerca de 120 mil dessas santas mulheres prestando bons serviços a quem delas necessitam.
Entre outros assuntos contidos em Por todos os cantos, as autoras se recordam, saudosas, da introdução de modismos na pequena e pacata cidade em que nasceram, como a saia-e-bata para grávidas; um feito atribuído a uma prima da família, nos anos 60. Lembram também dos bailinhos da vida e da primeira vez que ouviram (e viram) de perto uma orquestra de verdade tocando para uma gente animada, feliz, num tempo que não volta mais. E as histórias sobre Ary Barroso, contadas a elas pelo pai e aqui recontadas? São verdadeiramente deliciosas.
Ao término do livro, fica aquele gosto de “quero mais”. Detalhe: fotógrafo atento e de rara sensibilidade, Celidonio Mazzei chegou a registrar para a posteridade a passagem do dirigível Zeppelin por Ubá. A foto está publicada na contra-capa do livro. Histórico.
Célia e Celma, que são irmãs gêmeas, ainda acharam motivo e tempo para falar das fofoqueiras ubaenses com suas línguas de trapo soltas — e afiadas — sempre prontas para infernizar a vida alheia.
Por todos os cantos é um belo livro. No decorrer da leitura, as autoras nos levam a um passado de retorno possível somente nos seus textos.
Quem nunca pulou um muro para furtar frutas? Eu mesmo fiz isso na minha Paraíba já distante, na Paraíba da minha infância. Pois bem, Célia e Celma também passaram por essa experiência de criança traquinas.
Inezita Barroso
A mais festejada cantora paulistana está com um novo disco na praça, o 80º da sua carreira. Chama-se Hoje lembrando. Esse trabalho reúne 13 faixas, entre as quais duas inéditas — Bem iguais e Recompensa — de Paulo Vanzolini, autor paulistano de formação científica que marcou forte presença já no primeiro disco de Inezita — um 78 rpm lançado em agosto de 1953 pela extinta RCA Victor. Hoje lembrando foi produzido por Fernando Faro. Além de Vanzolini, autor de Ronda, que Inezita gravou no seu disco de estréia, Hoje lembrando traz composições de João Chaves, Waldemar Henrique, Villa-Lobos/Manuel Bandeira, Joracy Camargo/ Hekel Tavares e até de mestre Capiba — pai do frevo pernambucano — que musicou um belo poema de Alphonsus de Guimarães, Ismália. É um belíssimo disco que a gravadora Trama está lançando agora. Corram às lojas e confiram.
Renata Rosa
Também muito bonito é o CD Zunido da mata, que Renata Rosa está lançando no peito e na raça, com distribuição do selo Terreiro Discos (fone: (81) 3469-0349). O disco reúne algumas pérolas de domínio público (DP), como Sereia, Rosa, Lá em São Paulo, Piau e Assentei praça, algumas dessas adaptadas pela própria Renata e parceiros. Fora as músicas de domínio público, Renata inseriu no seu disco uma adaptação que fez em parceria com Nilton Jr. da cantiga Serrador, de Chico Antônio e Paulírio. Chico, para quem não lembra, foi um cantador portiguar que encantou o musicólogo paulistano Mário de Andrade, numa de suas andanças pelo Rio Grande do Norte. Detalhe: Chico acabou virando personagem de um dos livros de Mário, O turista aprendiz.
Maria da Paz
Só não ouve coisa bonita quem não quer, esta é que é a verdade. Claro, para isso precisa esticar as oiças, ter alguma paciência e bater pernas por aí. Pode também, se preferir, pegar o telefone e ligar, por exemplo, para (11) 4704-3494 ou (11) 4704-0990. Do outro lado do fio, se você perguntar por Maria da Paz, ou Dapaz, alguém vai lhe informar que ela está com um novo CD, Vida de viajante. Nesse disco, ela interpreta nada mais, nada menos do que 13 músicas do riquíssimo repertório do velho e sempre bom Luiz Gonzaga, o rei do baião. Estão lá, entre outras, Sanfona do povo, Feira de Caruaru, A volta da Asa Branca, Cigarro de paia, Cantiga de vem-vem, Tropeiros da Borborema, Fogo pagô, Pássaro carão e tal e tal. O disco é uma paulada na mediocridade reinante nos grandes fornos da indústria fonográfica globalizada. O site de Dapaz é www.mariadapaz.com.
Guido Mioshi
Quer mais? Pois bem, está saindo aí mais um novo CD de Guido Mioshi, um paulista nascido na terra de Sérgio Ricardo, Americana. Guido fez um enorme sucesso em fins dos anos 50, ao gravar em japonês a guarânia Cabecinha no ombro, de Paulo Borges, que já está no céu, mas aqui na boa terra continua sendo lembrado, e lembrado novamente por Guido. A nova gravação de Cabecinha no ombro (“Encosta a tua cabecinha no meu ombro e chora...”) tem versão assinada por Laura Okumura (a primeira foi de Kikuo Furuno), o mesmo que verteu para aquela língua o baião Paraíba, de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, interpretado em disco de 78 rpm por Keiko Ikuta. No seu novo disco, Guido Mioshi incluiu Índia, Moça e até a canção mexicana (para muitos, americana), My may, que um certo Frank Sinatra imortalizou.