A classe trabalhadora, comprometida com seu projeto histórico de levar a cabo a Revolução, precisa estar atenta às armadilhas que se constroem com duas matérias primas caras à burguesia: a mentira e o esquecimento.
Pode-se aprender, por exemplo, com o equívoco do grande dramaturgo alemão Bertolt Brecht, que apostou mais do que era prudente no potencial renovador da tecnologia quando elaborou, no início do século XX, um ensaio propositivo intitulado Teoria do Rádio. O que ele vislumbrava de potencialidade no rádio era mais ou menos o que hoje se apregoa como as possibilidades magníficas que a internet traz consigo.
Em certo momento, Brecht se dirige aos "diretores artísticos do rádio": "Na minha opinião, vocês deveriam tentar fazer do rádio uma coisa realmente democrática".
A diferença é que, apesar de ele mesmo ter acabado supervalorizando a tecnologia como instrumento de mudanças, Brecht nunca perdeu de vista a perspectiva revolucionária para a utilização dos avanços produzidos sob a própria hegemonia burguesa, nem sequer deixou de se debruçar sobre o problema da dificuldade de as possibilidades, afinal, se traduzirem em conquistas reais para as massas:
"O fato é que sempre nos deixamos levar apenas pelas possibilidades e nelas emperramos. Estas, que vocês vêem se levantar por onde quer que seja, têm colhido de surpresa, sem dúvida, a uma burguesia completamente esgotada, gasta por façanhas e más ações. Enquanto tal burguesia as tiver na mão, serão inabitáveis. A burguesia as avalia simplesmente levando em conta as perspectivas que, logicamente, possam oferecer. Eis a causa da supervalorização exorbitante de todas as coisas e de todas as organizações que encerram ‘possibilidades’. Ninguém se preocupa com os resultados. Restringem-se simplesmente às possibilidades. E isto não é bom".
"Se eu acreditasse que a burguesia viveria ainda cem anos, estou convencido de que estaria, também, cem anos esbarrando a propósito das imensas possibilidades que encerra, por exemplo, o rádio", acrescentou Brecht.
Ainda não se completaram cem anos desde as considerações de Bertolt Brecht, mas o fato é que a burguesia permanece no poder, ainda que mais esgotada do que nunca. É ela quem continua a determinar o ritmo, a conveniência e os rumos dos avanços científicos e tecnológicos. Para que não se tenha ilusão alguma sobre os atuais verdadeiros beneficiários da alta tecnologia, basta conhecer aquela que hoje é uma das mais festejadas instituições de fomento à pesquisa e à inovação, a X Prize Foundation.
Trata-se de uma fundação internacional que leva ao limite a lógica do capital de submeter os progressos tecnológicos à concorrência e à recompensa. Trata-se de transformar mentes brilhantes em mercenários com PhD. A X Prize Foundation oferece prêmios milionários a quem apresentar projetos inovadores em áreas como genômica e vôos espaciais — descobertas e invenções cujas patentes invariavelmente vão parar nas mãos das farmacêuticas e dos exércitos dos países poderosos. Atualmente os diretores da fundação estão considerando recompensar com 10 milhões de dólares aquele que aparecer com uma nova alternativa de injeção de combustível. As grandes montadoras de carros agradecem.
Sob a égide do capital é assim que a banda toca; sob uma democracia verdadeira a ser conquistada pelos trabalhadores, a história será outra.