Poposta tida como “consenso” renega princípios trabalhistas e sucateia a Justiça do Trabalho
A proposta consensual firmada no âmbito do Fórum Nacional do Trabalho para as reformas sindical e trabalhista, com clareza manteve o rumo desejado pelo grupo auto-proclamado “dirigente”: elitizar e centralizar a direção dos sindicatos; obstruir a democratização das relações sindicais; afastar a base da classe trabalhadora das “negociações” coletivas; reduzir o tanto quanto possível o papel das assembléias; limitar pautas de reivindicações; vincular organicamente os sindicatos às Centrais; reduzir até a extinção a Justiça do Trabalho; impedir a atividade profissional dos advogados no esclarecimento de direitos da classe trabalhadora; “negociar” diretamente conflitos e interesses individuais, dentre outros.
E tudo isso com uma meta bastante clara: desregulamentar o direito do trabalho para sobrepor o “negociado” sobre o “legislado” — tentativa de aprovar, por linhas indiretas, o projeto “Dornelles”, que durante o governo Fernando Henrique foi aparentemente tão combatido pelos integrantes do governo federal de agora.
Esta inversão de interesses revela a despudorada ruptura com a esperança plantada durante a campanha eleitoral de 2002 e sob esta ótica devem ser examinados os mais recentes acontecimentos ditados pela política adotada pelo governo dito “popular”:
1 Na condução da Reforma da Previdência a tática utilizada pelo governo teve como principal suporte a divisão entre os setores público e privado: os “privilégios” dos servidores em detrimento da “penúria” dos proventos dos demais inativos e pensionistas.
2 A propagandeada “inclusão social” de 40 milhões de trabalhadores “informais” não teve, e não terá, nenhuma sustentação jurídica real, porque não há na proposta aprovada mecanismos que a assegurem e, concomitantemente, a aprovação de uma “reforma tributária” com a única finalidade de “redistribuir” entre União, estados e municípios sequer “toca” na questão central, que é a distribuição da renda.
3Como resultado, as duas reformas em princípio “aprovadas” são meros canais de transferência de rendas da classe média para destinar parte dos recursos (e isso é por enquanto aparente) aos gastos com “inclusão social” e, a parte maior, aumentar as reservas para pagamento de serviço da dívida pública.
4 Por que agora acelerar a “reforma sindical” relegando para um segundo momento a “reforma trabalhista”? A resposta, que me parece óbvia, tem um objetivo muito claro: a “reforma sindical”, se conseguir ser amplamente debatida, ainda assim não mobiliza a maioria expressiva da classe trabalhadora, que se mantém distante, apática, indiferente, porque não consegue relacioná-la com as consequências a ser consumadas na “reforma trabalhista”.
Com isso reduz-se a um “quase zero” as condições de mobilização dos setores contrários à proposta e, quando tomar corpo a “reforma trabalhista”, a nova estrutura dos sindicatos (cupulista e, portanto, concentradora, centralista) já estará delineada para implementá-la.
5 Em síntese, “isolar” uma reforma da outra é uma tática para impedir a classe trabalhadora de enxergar a relação entre a nova estrutura sindical proposta (interesse geral) com a desregulamentação dos direitos trabalhistas (interesse particular imediato), objetivo central da empreitada governista. Isto fica especialmente comprovado pelas declarações do “Lula” no dia 12/2, em audiência ou reunião com jornalistas e com a repercussão na mídia e nas entrevistas com dirigentes sindicais que presidem Centrais, todos proclamando, na mesma linguagem, que as afirmações do “presidente foram precipitadas” e “atrapalharão” a reforma sindical à medida que tornam pública a intenção de “flexibilizar” (desregulamentar) direitos trabalhistas.
6 A obstrução à participação da Abrat e da Anamatra1 no Fórum é uma tentativa de impedir que os advogados e juízes criem um clima de dissensão capaz de abortar as propostas em curso.
7 Necessária, portanto, a mais ampla intervenção no processo, demonstrando em todos os nossos pronunciamentos e ações a inseparabilidade das duas “reformas” para desmascarar a tática “governista”.
8A contradição (?) “unicidade X pluralidade” é uma falsa questão. Em nossa maneira de entender são os instrumentos jurídicos de pactuação coletiva que definem a estrutura sindical (“direito de greve”, eficácia de eventuais “arbitragens” etc.) e, por isso, venho me contrapondo à proposta “cutista” de “contrato coletivo de trabalho”, defendida pelo Ministério do Trabalho e sua assessoria especial que, em sua essência, será mecanismo de sobrepor o “negociado” acima do “legislado”. Isto num país que não conseguiu superar até a Lei Áurea, mesmo quando os senhores são “senadores”.
9Para o “desmanche” da Justiça do Trabalho (querendo ou não, e por pior que seja, é um obstáculo à implantação definitiva da política liberal) contribuem os próprios juízes, alguns dos quais por instinto de sobrevivência corporativa e outros, nos parecendo, por incapacidade de compreender a conjuntura.
São o exemplos mais nítidos: o Enunciado 363 (que abre uma fenda enorme no coração do sistema legal trabalhista — o princípio de supremacia da realidade na formação dos contratos de emprego); a ferocidade “leonina” no exercício da atividade de “arrecadação” tributária e previdenciária; a tendenciosidade cada vez maior na defesa das “empresas” (abstração jurídica) contra os interesses concretos dos trabalhadores, desumanizando-se as decisões e, para tanto, relegando princípios norteadores do direito do trabalho; sucateamento cada vez maior do aparelho já desgastado da estrutura do Judiciário etc.
É necessário desmascarar essa política de “cúpula” que se caracteriza em verdadeiro “triunfalismo do economicismo liberal”, havendo necessidade de um trabalho unitário de todas as forças contrárias à aprovação dessas propostas, sair a campo, denunciando e preparando-se de forma organizada e fortalecida para os novos combates.
*Cláudio Antonio Ribeiro é advogado trabalhista em Curitiba, atual presidente da AAT-PR (Associação dos Advogados Trabalhistas do Paraná), fundador nacional do PT e assessor sindical de diversas entidades.
1 Abrat – Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas; Anamatra – Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho.