Empresa privada que administra o transporte ferroviário no Rio de Janeiro, Supervia deixa de investir em manutenção, demite em massa e aumenta tarifa em 300%. Fiscalização do governo é ineficaz. Resultado, além do péssimo atendimento: 17 mortos e 334 feridos desde a privatização do serviço.
Acidente com dois trens, dia 25 de abril, com oito feridos.
Passageiros tiveram de seguir a pé até a próxima estação
O acidente ocorrido no último dia 25 de abril entre dois trens no Rio de Janeiro voltou a chamar a atenção para os graves problemas da concessionária privada Supervia, que administra a malha ferroviária do Rio de Janeiro, por onde circulam diariamente 450 mil trabalhadores. A colisão ocorreu quando uma composição vazia atingiu, lateralmente, um trem com passageiros que iria para Japeri, na Baixada Fluminense. As oito vítimas do acidente foram levadas para o Hospital Municipal Souza Aguiar, no centro da cidade. Segundo a Secretaria Municipal de Saúde, todos tiveram ferimentos leves e passaram por exames no hospital.
Em agosto do ano passado, o bairro de Austin, em Nova Iguaçu, protagonizou uma cena macabra: um trem com passageiros que vinha da Central do Brasil colidiu frontalmente com outro trem vazio que seguia em sentido contrário. Entre a montanha de ferro retorcido havia o corpo de um jovem que seguia para seu primeiro dia de trabalho; saldo da tragédia: oito mortos e 110 feridos. Desde a entrega do serviço à concessionária privada Supervia, em 1999, já são 17 mortos e 334 feridos.
Além dos acidentes, os usuários do transporte ferroviário reclamam muito da falta de qualidade do serviço prestado. Um exemplo do péssimo atendimento veio do garçom José Carlos, de 37 anos. Todos os dias ele pega o trem na Estação Sampaio e desce na Central do Brasil. José reclama muito da precariedade dos veículos e da estrutura das estações. Ele estica a manga da camisa e mostra dois cortes no braço, segundo ele causados pela porta do trem. “Os trens são super cheios. Uma vez fiquei entalado com a bolsa pra fora, tentei puxar mas não abriram a porta”, reclama ele, que só conseguiu se acomodar na estação seguinte.
Outro exemplo do descaso com os trabalhadores que utilizam os trens foi oferecido pela empregada doméstica Marly Machado Rocha, de 43 anos, em depoimento à edição 38 do AND:
— Esses trens não têm conforto, a gente viaja em pé. Para mim, que viajo todos os dias há seis anos, raramente da pra ir numa boa no trem. Só anda cheio, lotado, atrasa! Às vezes fico até meia hora esperando o trem na estação. Às vezes chega, mas pára no meio do caminho e a gente tem que passar para outro, ou ir andando pra plataforma. Isso ai é constrangedor!
Por trás desse tratamento desrespeitoso com os trabalhadores que utilizam os trens está a ganância da Supervia. Esta empresa herdou 220km de malha ferroviária, distribuídos por 11 municípios da região metropolitana e englobando 89 estações, oficinas de manutenção e centro de controle operacional. A cada ano a empresa movimenta cerca de R$ 900 milhões. Entretanto, a manutenção da estrutura é precária e as demissões de pessoal são constantes. Segundo o presidente do Sindicato dos Engenheiros (SENGE), Luiz Antonio Cosenza, cerca de 90% dos trabalhadores antigos (antes da privatização) foram demitidos.
— Entre 90 e 95% do pessoal antigo já foi demitido. A manutenção continua precária, você não tenha dúvida. Eles não colocam dinheiro e nem pessoal para fazer manutenção. O maquinista trabalha hoje sem saber se vai estar empregado amanhã. Além disso, não há fiscalização da Supervia. Ela consegue reduzir os custos porque a manutenção é muito precária.
O presidente do SENGE explicou ainda que além da falta de segurança houve um aumento brutal no preço das passagens desde que a Supervia passou a administrar o serviço:
— Desde a privatização a tarifa teve um aumento de 500% em relação ao salário mínimo.
A denúncia da falta de segurança operacional foi oferecida ao Ministério Público ainda em 2001. São vinte itens que apresentam falhas graves, o suficiente para representar uma ameaça aos trabalhadores do Rio de Janeiro que utilizam a ferrovia como meio de transporte no dia-a-dia. De acordo com a denúncia do SENGE, há problemas com os cabos de sinalização, com os transformadores de alta tensão e com os postes de concreto. “É urgente a substituição de fios de contato, cabos, chaves seccionadoras, pára-raios e acessórios nos circuitos de Rede Aérea, em face do avançado estado de degradação dos existentes”, registra o documento, que também aponta a falta de pessoal como uma das principais causas de acidentes.
Outro procedimento negligenciado pela Supervia poderia ter evitado tantos acidentes. Segundo denúncia do Sindicato dos Ferroviários, a empresa deixou de instalar um dispositivo de segurança que derruba a energia automaticamente em caso de iminência de colisão entre dois trens:
— O sindicato entende que a Supervia é a maior responsável pelo acidente ocorrido [Austin, 2007], pois um relatório realizado pela ASSEP (hoje AGESTRANSP), assinado pelo Conselheiro Presidente Dr. Ranulfo Vidigal Ribeiro, houve várias determinações, sendo que se duas fossem praticadas não teria ocorrido o acidente, veja o que diz os ITENS IV e V:
IV: A concessionária Supervia, instale, em toda sua frota de trens um dispositivo de segurança automático, do tipo ATS, com prazo de 180 dias para o início do processo de sua implantação.
V. No prazo máximo de 180 dias, a contar da presente data, se a instalação do dispositivo de segurança (ATS) na frota de trens da Supervia não tiver ainda o seu processo de implantação iniciado, a circulação de trens, na mesma linha e em sentidos opostos ficará suspensa até o início de implantação do referido dispositivo.
Tantos problemas resultaram numa multa aplicada pela Agência Reguladora de Serviços Públicos. Em sessão pública realizada no dia 7 de outubro de 2004, o Conselho Diretor anunciou que foi deliberado por unanimidade “aplicar à Concessionária [Supervia] a penalidade de multa, no valor de 0,01% do faturamento anual do exercício de 2000”. Fora a tímida multa, não se tem notícia de medidas eficazes contra a Supervia, além das corajosas denúncias do Sindicato dos Engenheiros e do Sindicato dos Ferroviários.