UPP humilha cineasta
Desde 16 de fevereiro de 2009, mais de 200 policiais ocupam a favela Cidade de Deus, onde foi instalada a segunda Unidade de Polícia Pacificadora. Assim como nos outros bairros pobres ocupados, ali a rotina de medo dos moradores é requintada pela PM com humilhações, agressões, prisões arbitrárias e invasões de residências, como AND divulgou em sua edição n° 64 — Unidades de Polícia Pacificadora: Mentiras no rastro da militarização.
Na noite de 14 de maio, o cineasta Rodrigo Simplício Veras, o Rodrigo Felha, de 30 anos, morador da Cidade de Deus e um dos diretores do filme 5 x Favela — Agora por nós mesmos, foi à delegacia da região e acusou PMs da UPP de o humilharem em um ponto movimentado da favela.
— Ele não pediu documentos ou revistou meus bolsos, só mandou que colocasse as mãos na parede e puxou minha calça, que era de elástico. Isso é inaceitável, é humilhação, a rua é movimentada e todo mundo olhava. Já tinham falado que isso acontecia, mas eu não podia acreditar que era verdade. Agora vejo que muitos já passaram por isso e não tiveram coragem para denunciar — afirma o cineasta, premiado dois dias depois na 63ª edição do Festival de Cannes, na França.
Homem com furadeira é assassinado pelo BOPE
No morro do Borel, zona norte do Rio, o BOPE, ocupa as vielas, a espera da inauguração da nova UPP. No início de maio, como aconteceu na Providência recentemente, os PMs se reuniram com moradores para anunciar a política de terror na favela, onde invasões de casas e revistas são levadas a cabo indiscriminadamente. Na reunião, uma mulher denunciou que seu filho de 19 anos fora agredido com um tapa no rosto por policiais do BOPE, que esconderam seus nomes estampados nas fardas para não serem identificados.
Outra mulher disse que o mesmo aconteceu com seu filho. Segundo ela, um dos PMs agressores ainda disse: “De vez em quando você não dá um cascudo em seus filhos? É isso que estamos fazendo”.
No dia 19 de maio, policiais do BOPE faziam uma operação no morro do Andaraí, zona norte do Rio, e assassinaram o supervisor de loja Hélio Barreira Ribeiro, de 47 anos. O homem utilizava uma furadeira para concertar o toldo de seu terraço, quando foi atingido por um tiro de fuzil. Desesperada a esposa de Hélio, Regina Célia Canelas Ribeiro, de 44 anos correu para socorrê-lo e ainda foi coagida pelos PMs.
— Depois de balear meu marido, ele ainda me xingou e, apontando a arma para mim, ordenou que eu me deitasse. Vieram pulando as casas pelo telhado até chegar na nossa. Me trataram como bandida. Não sei como vou tocar minha vida daqui para frente. Ele era meu amigo, o pai dos meus filhos. Sei que sou mais uma entre tantas outras, mas hoje perdi mais da metade de mim — lamentou a mulher.
Na mesma operação, os PMs mataram os jovens Jhonamir Duarte dos Santos, de 21 anos, e Adriano do Sacramento da Silva, de 24 anos. Segundo moradores, os jovens realmente participavam do tráfico e ao invés de presos, foram rendidos pelos policiais, levados para um beco da favela e executados.
Prefeito de Niterói sabia do risco
Em 17 de maio, o ex-secretário de Integração Comunitária de Niterói, João Medeiros, entregou ao Ministério Público um relatório acusando a prefeitura de Niterói de omissão no deslizamento que matou 45 pessoas no morro do Bumba no início de abril. O relatório contém cópias de e-mails enviados ao prefeito Jorge Roberto Silveira e ao secretário de Serviços Públicos, Trânsito e Transporte, José Roberto Mocarzel, pouco mais de uma semana antes da tragédia, onde eles eram alertados da péssima estrutura das encostas no morro do Bumba. Ainda de acordo com o relatório — ilustrado com fotos dos locais comprometidos pelas precárias condições estruturais — um deslizamento já havia matado duas pessoas, pouco mais de duas semanas antes das chuvas que deixaram um rastro de destruição na região metropolitana do Rio de Janeiro no início de abril.
O ex-secretário, que pediu demissão no dia 7 de maio, ainda acusa José Mocarzel de dar ordens às equipes do Gabinete de Emergência da prefeitura de Niterói — cargo para o qual foi indicado diretamente pelo prefeito Jorge Roberto da Silveira — para não atender às favelas em situação de risco.
— Quando havia pedidos de contenção de encosta, ele dizia aos funcionários que a prefeitura não ia botar a mão porque, se caísse, diriam que foi o município que fez — acusa o ex-secretário.
O Comitê de Mobilização e Solidariedade das Favelas de Niterói, que reúne associações de moradores e sindicatos, exigem a imediata exoneração do secretário de Serviços Públicos, Trânsito e Transporte de Niterói, José Roberto Mocarzel.
Moradores voltam às favelas
Depois das chuvas do início de abril, moradores do morro do Bumba, em Niterói, e do morro do Urubu, na zona norte do Rio, voltaram para suas casas, condenadas pelas prefeituras dos dois municípios. Os moradores que não receberam o aluguel social de R$ 400,00 dizem não ter outra alternativa, que não ficarem em suas casas, mesmo com o risco de desabamento. Já os que receberam o aluguel, dizem não conseguir alugar um imóvel com o valor pago pelas prefeituras.
— O governo quis dar um cala-boca na gente com esse aluguel social que não resolveu nosso problema. Não vou deixar que derrubem minha casa sem me oferecerem um lugar para ir, nem que eu devolva esse aluguel social. Ninguém resolve nossa situação. É como se a gente não tivesse valor porque vem do morro — protesta Célia Oliveira, moradora do morro do Bumba, que não sabe se fica na sua casa ou na da irmã, ambas condenadas.
— Não quero mais esse aluguel social, me arrependi de ter pego, porque não tenho o que fazer com ele. Se eu soubesse que, para receber o aluguel social, eu teria que sair da escola, não teria pego. Agora não tenho para onde ir — disse a empregada doméstica Gerusa Nascimento ao deixar a Escola Estadual Duque de Caxias, na favela da Grota do Surucucu, para voltar para sua casa no morro do Bumba.
Para impedir que os moradores voltem ao morro, a prefeitura de Niterói montou outro abrigo no 3° batalhão de polícia, mas moradores se queixam da péssima estrutura do local, que se assemelha aos abrigos criados em escolas públicas, logo após a tragédia.
— Não tem transporte, não tem escola, nem atividade para as crianças. Por isso tive que parar de trabalhar, logo agora que precisamos muito de dinheiro — afirma a auxiliar de serviços gerais Rosana Fernandes, que também voltou para o Bumba depois de receber o aluguel social e não conseguir alugar outra moradia.
— Recebi o aluguel na quarta-feira, mas já estava procurando casa antes. O último me cobrou 2,2 mil reais, com tudo incluído, depósito e aluguel, mas o aluguel social só cobre pouco mais da metade — disse a trabalhadora.
No morro do Urubu, em Pilares, zona norte do Rio, mais de 30 famílias que também tiveram suas casas interditadas pela defesa civil, retornaram ao morro, alegando não terem sido incluídos nos fajutos projetos de habitação do Estado, nem ao menos recebido o aluguel social.
Canal de Anil prepara-se para nova investida da prefeitura
Em agosto de 2007, moradores do canal de Anil ficaram conhecidos depois de resistirem por dois dias a uma operação da prefeitura que visava destruir 37 das 1,5 mil casas no bairro pobre de Jacarepaguá, zona oeste do Rio de Janeiro. Na ocasião, as demolições foram anunciadas pela chegada de dois caminhões cheios de operário, além da tropa de choque da Guarda Municipal, armada com escudos, cassetetes e spray de pimenta, apoiados por dez PMs. A operação esbarrou na corajosa resistência dos moradores do Canal de Anil, que montaram barricadas na entrada da favela e amarraram-se às suas casas, impedindo que 31 das 37 moradias ameaçadas fossem demolidas.
Mesmo assim, no dia 17 de maio último, a prefeitura informou aos moradores que iria à favela demarcar novas demolições o que deixou todos em alerta. No dia seguinte, em uma reunião de representantes de comunidades atacadas pela prefeitura, na Comissão Pastoral de Favelas, uma das líderes comunitárias do Canal de Anil disse que, como em 2007, moradores já se organizam para resistir à mais essa agressão.
Rocinha na mira de Eduardo Paes
No morro da Rocinha, depois do temporal de abril, uma das partes da favela, conhecida como Laboriaux, foi incluída no plano da gerência Eduardo Paes de destruição e expulsão de famílias. O bairro que integra a Rocinha e tem mais de 700 casas, está entre as oito favelas ameaçadas de completa remoção, por um suposto risco geológico-geotécnico, argumento que em outras favelas — como o morro dos Prazeres — já se mostrou uma farsa, incrementada inclusive com dados técnicos forjados.
E não para por aí. Dentre os imóveis incluídos no plano de remoção removidos está a Escola Municipal Abelardo Chacrinha Barbosa, onde estudam mais de 300 crianças. Contribuindo para o plano de destruição da escola, o jornal O Globo insinuou em matéria do dia 8 de maio, que o prédio seria usado como escudo por traficantes em confrontos com a polícia, o que foi unanimemente desmentido pelos moradores da região.
— Aqui no Laboriaux nem tem tráfico. Os traficantes ficam em outras partes do morro, não aqui. O que eles (prefeitura e governo estadual) querem é usar essa área, porque a vista daqui é uma das mais bonitas do Rio. Vão colocar um condomínio de luxo aqui. Para eles, isso aqui não é lugar de favela — protesta a moradora do Laboriaux e auxiliar de serviços gerais, Aline do Carmo, de 29 anos, que tem dois filhos de 6 e 8 anos matriculados na Escola Municipal Abelardo Chacrinha Barbosa.
A matéria também acusava o tráfico de organizar um movimento de resistência à intervenção, o que foi desmentido em ofício do Núcleo de Terras e Habitação da Defensoria Pública, entregue à Subprocuradoria de Direitos Humanos e Terceiro Setor do Ministério Público no dia 11 de maio, na tentativa de embargar a demolição da escola.
“Os moradores da Vila Laboriaux estão revoltados com notícias caluniosas veiculadas na imprensa, mais precisamente no jornal O Globo de sábado, 08 de maio de 2010, que indica a vinculação da luta dos moradores pela permanência da Escola com traficantes locais, sendo certo que as mães dos alunos da escola e os moradores é que impediram a tentativa de demolição da escola”
Já em relatório técnico anexado ao ofício, o engenheiro Maurício Campos nega a necessidade de remoção completa da Escola Municipal Abelardo Chacrinha Barbosa por risco de novos deslizamentos.
“A avaliação local, levando em conta a integridade das intervenções de contenção estabilização de encostas existente no entorno imediato da escola, a situação e distância do deslizamento grave que ocorreu nas proximidades e a situação aparente da estrutura da edificação, não apontam para existência de risco imediato, tampouco de condenação definitiva do imóvel.”
A rotina de ataque ao povo pobre
Pavão-Pavãozinho: trator e destruição
No final de abril, um incêndio muito suspeito atingiu os 592 boxes do camelódromo da Central do Brasil, deixando quase mil trabalhadores sem poder trabalhar. A região já estava na mira de Eduardo Paes, que poucos dias antes anunciara a remoção do mercado popular, como parte do projeto de modernização do Centro para a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016, o que revoltou os comerciantes. O curioso é que, enquanto as chamas destruíam o tradicional camelódromo, para desespero de centenas de trabalhadores, o prefeito já anunciava para o monopólio dos meios de comunicação o início das obras no local.
Dez dias depois, alguns camelôs ainda improvisavam barracas no entorno da Central do Brasil, quando os cães de guarda do ‘choque de ordem’ chegaram para atacá-los. Na ocasião, toneladas de mercadorias foram roubadas dos comerciantes, que revoltados iniciaram um protesto às portas da principal estação de trens do Rio de Janeiro.
Central: incêndio criminoso e prejuízo
— É tudo para os ricos e nada para os pobres. Nem trabalhar a gente pode. O incêndio aconteceu no dia que ia ter uma reunião aqui para a gente decidir de que maneira responder o Eduardo Paes. Pois ele queria tirar a gente daqui e tirou. De um jeito ou de outro, ele tirou. A realidade é que, quando ele viu que ia ter resistência, ele preferiu tocar fogo nas nossas barracas. É mais fácil pra ele. Desde que esse prefeito está aí, já perdi mais de dez mil reais de mercadoria. Sempre me achei honesta, mas esse sujeito está colocando a gente como bandidos para a sociedade — disse a comerciante Ana Claudia Duarte, de 54 anos.
— Eu trabalhava aqui há 31 anos e agora estou vendendo cerveja num isopor. Foi difícil conseguir dinheiro e comprar a mercadoria para começar de novo, e mesmo assim, a Guarda Municipal apreendeu tudo essa semana. Como vou sustentar minha família assim? — pergunta outro camelô.
Além disso, a rotina de ataques a moradores de rua, flanelinhas e áreas comerciais nos bairros pobres da cidade continua a todo vapor. No morro dos Macacos e no Pavão-Pavãozinho, tratores do ‘choque de ordem’ destruíram 21 estabelecimentos comerciais. Além disso, 84 moradores de rua foram retirados do Centro e zona Sul e levados para os obscuros abrigos da prefeitura e 28 flanelinhas foram presos.