Nova lei dos despejos é ataque aos direitos do povo

Nova lei dos despejos é ataque aos direitos do povo

No apagar das luzes de 2009 foi promulgada a Lei 12.112, que alterou a de número 8.245, de 1991 (lei dos aluguéis) para subtrair garantias dos inquilinos e facilitar despejos. Aprovada a toque de caixa por duas comissões da Câmara e uma do Senado sem passar pelo plenário de nenhuma das casas, a nova lei permite ao senhorio, desde que abra mão das garantias contratuais, expulsar do imóvel o inquilino que atrasar por uma única vez e em um único dia o pagamento do aluguel ou de algum de seus acessórios (condomínio, IPTU, etc). Nos contratos com garantia, o número de vezes em que o inquilino pode atrasar o aluguel sem ser despejado passa de duas por ano para uma a cada dois anos. Nas locações comerciais, o prazo para saída do inquilino do imóvel foi reduzido de 180 dias contados do fim do processo judicial para 15 ou 30 dias (conforme o caso) a partir da decisão que ordenar o despejo, mesmo que contra ela caiba recurso.

Os efeitos da nova lei — graves, como se nota — já são razoavelmente conhecidos. O que falta, além de combatê-los, é indagar suas causas. Por que os poderes Legislativo e Executivo, exatamente neste momento, resolvem — atropelando todos os trâmites regulares — aprovar uma legislação draconiana sobre um aspecto tão sensível da vida do povo como a moradia? A quem isto beneficiará, e de que maneira?

Em parte, a resposta à segunda pergunta é óbvia: a lei serve aos que vivem da renda imobiliária. Estes, contudo, já eram beneficiados por sua redação anterior. Afinal, se, de um lado, a Lei 8.245 proibiu a famigerada denúncia vazia (expediente pelo qual o proprietário podia retomar o imóvel sem que houvesse atraso no pagamento do aluguel e sem qualquer justificativa), por outro deu aos senhorios a possibilidade de exigir garantias totalmente descabidas. A resposta à primeira questão, menos óbvia, tem a ver justamente com o resultado desse excesso de garantias.

De um gargalo a outro

A moradia foi sempre um dos pontos críticos do capitalismo burocrático brasileiro. Após o golpe de 64, o processo de urbanização já em curso ganha um caráter deliberadamente caótico. Sepultada a proposta de controle dos aluguéis — uma das reformas de base que integravam o programa do governo Jango — , o país torna-se refém de uma especulação imobiliária absolutamente desenfreada. Essa especulação alimentava-se da falta de moradia e do direcionamento de toda a política habitacional das gerências militares — realizada via Banco Nacional da Habitação-BNH — aos extratos médios e superiores da pequena burguesia. A habitação popular tornou-se, assim, um dos maiores gargalos sociais do Brasil; e viver da renda imobiliária tornou-se um negócio rentável e seguro.

Agora, a situação é diferente. A demanda dos setores de renda mais alta por moradia já está suprida. Como fazer obras públicas com dinheiro do BNDES é privilégio reservado apenas a monopólios como a Odebrecht, a única alternativa para a indústria da construção civil é a habitação popular. Daí resulta que o governo tenha escolhido esse setor para injetar recursos e evitar a bancarrota e a estagnação que alguns representantes mais lunáticos da fração compradora chegaram a defender em âmbitos como o Fórum Nacional.

Concebida e praticada no interesse da fração burocrática, essa política tem um efeito colateral incômodo. Primeiro, porque um número expressivo de famílias trabalhadoras vem, efetivamente, conseguindo ter acesso à casa própria. Segundo, porque diminui — em alguns lugares, sensivelmente — a demanda por aluguéis, obrigando os senhorios a reduzirem preços.

Despejo como garantia

A nova lei é uma arma nas mãos dos rentistas de imóveis para restabelecer a situação anterior. Se, por um lado, a Lei 8.245 permitia-lhes exigir as mais descabidas e constrangedoras formas de garantia contratual, por outro é restrito o número de locatários em condições de fornecer tais garantias. Afinal, num país marcado pelo subemprego, mais da metade da população não tem como comprovar renda; e em país nenhum deve ser fácil encontrar quem se disponha a cumprir o papel de fiador, arriscando-se a ter sua casa confiscada em prol do senhorio no caso de inadimplência do inquilino.

Como os trabalhadores que conseguem comprovar renda são exatamente os que estão trocando os aluguéis pelos financiamentos, os locadores vêem-se forçados a adotar uma postura mais flexível com relação à exigência de garantias para evitar que o preço dos aluguéis despenque na mesma proporção da procura da população melhor inserida na economia formal por eles. Como resultado, não apenas o preço das locações residenciais vinha aos poucos diminuindo como pessoas até então relegadas à submoradia passavam a ter a possibilidade de morar — ainda que pagando aluguel — em imóveis um pouco mais decentes. Para combater esse progresso, criou-se a nova lei dos despejos.

Se não o reverte totalmente, ela permite ao senhorio manter a faca no pescoço do inquilino e colocar seu parasitário negócio a salvo do risco que atinge qualquer atividade produtiva. Na falta de locatários em condições de ofertar as iníquas garantias da versão original da Lei 8.245, a garantia passa a ser o despejo — agora sem entraves, ainda que o atraso no pagamento seja de um só dia.

Ao longo das últimas duas décadas, o jornal A Nova Democracia tem se sustentado nos leitores operários, camponeses, estudantes e na intelectualidade progressista. Assim tem mantido inalterada sua linha editorial radicalmente antagônica à imprensa reacionária e vendida aos interesses das classes dominantes e do imperialismo.
Agora, mais do que nunca, AND precisa do seu apoio. Assine o nosso Catarse, de acordo com sua possibilidade, e receba em troca recompensas e vantagens exclusivas.

Quero apoiar mensalmente!

Temas relacionados:

Matérias recentes: