O aboio e os guerreiros do sertão

O aboio e os guerreiros do sertão

Cantador, compositor, tocador de viola e pesquisador da cultura popular brasileira, o alagoano Eliezer Teixeira realiza um trabalho de música popular, tendo por base pesquisas sobre várias manifestações folclóricas, folguedos de vários cantos do país. Nascido e criado no sertão, junta em toda sua pesquisa as raízes culturais que envolve os aboios e a festa de guerreiros, comuns em sua região, divulgando arte popular por onde passa.

— Sou de Mangabeira, bem no sertão nordestino, e só fui conhecer a urbanização, no caso, em Palmeira dos Índios, a cidade mais próxima, por volta dos oito anos de idade. Até então era um garoto sertanejo, cujo universo era unicamente o sertão. Um menino que tinha tudo que queria bem na sua frente: aquela vegetação verdinha quando chovia, uma roça de algodão vasta, uma roça de milho, um bom cavalo, o gado leiteiro — lembra com alegria.

— Costumava pegar as espigas de milho, com aqueles cabelinhos lindos no sol da manhã, e levar de presente para a Maria, filha de um fazendeiro que tinha ao lado. Era aquele amor platônico. Na verdade, posso dizer que namorei todas as meninas ali do entorno, só que nenhuma namorou comigo (risos) — brinca Eliezer.

— Meu pai era seleiro, que no sertão é quem confecciona arreios e selas para animais. Minha casa era frequentada por vaqueiros, aboiadores. Depois meu pai faleceu, a casa foi vendida para um tio, e meu primo continuou fazendo os arreios e celas. Fiquei com ele lá, porque gostava demais do sertão, e todo esse universo do vaqueiro, que na verdade foi o meu primeiro contato com a música, no caso, os aboios — fala.

O aboio é um canto sem palavras, típico do Nordeste, também praticado em outros estados brasileiros. É cantado pelos vaqueiros para conduzirem o gado.

— Era a coisa mais linda quando eles aboiavam. Os vaqueiros do Nordeste não usam berrantes, que são aqueles “caramujos” enormes. Nós usamos aquilo só para chamar algum trabalhador que está na roça, gente para almoçar e coisas assim. O gado é tangido por aboio, e isso é algo da nossa cultura que resiste até hoje na região — conta.

— Além dos aboiadores, outra coisa que marcou a minha infância foi a manifestação dos guerreiros, um folguedo popular, natalino, bem forte no sertão. Os guerreiros circulam do dia 24 de dezembro até 6 de janeiro, e vão passando de casa em casa. É todo um ritual profano/religioso, uma festa do povo — continua.

Com aproximadamente dez anos de idade, Eliezer mudou-se com a família para São Paulo, um universo completamente diferente.

— Não tinha a coalhada de manhã, o inhame, a batata doce, aquela alimentação corriqueira. Chorava todos os dias, doido para voltar para o sertão. Mas o tempo foi passando, e com quatorze anos eu já tinha esquecido um pouco dessa coisa alagoana e, aos poucos, estava me tornando um garoto paulistano — confessa.

  — Comecei a ouvir a jovem guarda, Roberto Carlos, aprendi tocar violão e estava indo nesse embalo. Mas, um dia assistindo um programa de televisão na casa de vizinhos, porque garoto do sertão aqui só tinha televisão na casa de vizinhos, vi uma moça bonita sentada em uma cancela, conhecida aqui como porteira. Ela cantava coisas belíssimas e tocava violão — continua.

A cena despertou Eliezer, que esqueceu todo o resto a sua volta e se concentrou no programa.

— Certa hora a pessoa que a estava entrevistando perguntou o que ela achava do Roberto Carlos. Então pensei ‘puxa, essa moça cantando desse jeito em uma cancela, com esse violão maravilhoso, com essa voz belíssima, e ainda vai falar do meu ídolo’ (risos). Só que para a minha surpresa ela respondeu: ‘Vamos falar de Brasil?’ — conta.

De volta as origens

— Com isso, comecei a perceber o que estava perdendo da minha riqueza de aboiador, dos guerreiros, daquelas cantigas lindas. Vi que estava cantando coisas que não tinha nada a ver com a minha cultura brasileira. E essa moça que me despertou, mais tarde veio a assinar os meus livros e discos. Ela se chama Inezita Barroso — diz com alegria.

— Mais tarde, já adulto, concentrei todas as minhas forças para realizar trabalhos de música brasileira, fazendo pesquisas de campo no Nordeste e outras regiões, como: interior de São Paulo, Minas Gerais, Paraná. Enfim, viajei por várias partes do país com o objetivo de conhecer melhor o folclore, os folguedos populares. Juntei todas essas pesquisas ao que já conhecia, resultando no trabalho que faço hoje — declara.

O primeiro trabalho profissional de Eliezer foi no grupo Bando Flor do Mato, como pesquisador, cantador e tocador.

— Tínhamos uma proposta focada na cultura espontânea da música popular brasileira. Na década de 1990, ainda no Bando, comecei a fazer meu trabalho solo. Até então, paralelo à música, trabalhava como contabilista. Depois de trinta anos de trabalho, em 1997, me aposentei e pude viver para a arte — conta Eliezer Teixeira, que já lançou dois livros e dois CDs solos.

Nos discos de Eliezer Teixeira têm músicas de sua autoria, parcerias, de domínio público e artistas que admira. Normalmente se apresenta em universidades e recitais, levando consigo um grupo teatral que representa aquilo que ele canta: congado, guerreiros, folia de reis, cavalo marinho e tudo mais. Para contatar: http://eliezerteixeira.com.br

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