Eu assumi a Presidência da Comissão de Mortos e Desaparecidos, do Ministério da Justiça, no dia 29 de junho do ano passado e fiquei quatro meses. Não agüentei mais tempo. A comissão é formada por membros do melhor nível. Mas senti que se eu ficasse ali por mais um ano, ou dois, não ia fazer nada de útil para aquelas pessoas, para os moradores, os que foram perseguidos, e que a farsa iria continuar.
Comitiva formada por pesquisadores, familiares de mortos na guerrilha
e a tripulação do C-130, que desembarcou em Marabá, PA,
para a operação de escavação de cemitérios clandestinos
Comitiva formada por pesquisadores, familiares de mortos na guerrilha
e a tripulação do C-130, que desembarcou em Marabá, PA,
para a operação de escavação de cemitérios clandestinos
A limitação estava dentro do próprio governo. Eles retiram os instrumentos, tiram os meios. Um dado objetivo: eu marquei uma reunião de urgência com a comissão porque apareceram uns ossos humanos dentro de umas caixas no armário do meu escritório, sem nada formal anexado, e me causou estranheza. Aquilo tinha vindo do Instituto Médico Legal de Brasília. Eu queria comunicar à comissão e dar um destino. Bom, daí eu marquei a reunião, consegui falar com grande parte dos conselheiros, mas cortaram as passagens de todos. Eu fui avisado pelo contínuo que não ia mais haver reunião, e pensei: "Ah… eu não fico mais aqui não, não sou palhaço".
O Nilmário é um homem que representa uma cena de Direitos Humanos, mas não é efetivo. Porque com aquela comissão, com aquelas pessoas que tem lá, com aqueles funcionários e com alguém com coragem, como era o meu caso, para levar até as últimas conseqüências, você revirava esse país.
O que eu percebo é que tendo esse tipo de postura, o governo cortou os meus pés e mãos, de modo que não pude fazer nada. Primeiro, porque me desautorizou como presidente da Comissão, e mostrou claramente de que lado do piano ele toca. Minha intenção é destruir tudo que sobrou desse entulho militar. Eu percebi rápido que estava fazendo parte de uma farsa, pois estou escolado com o poder. Sempre estive trabalhando contra esse poder.
Em Brasília, a comissão era pequena, com quatro ou cinco funcionários, eu não podia falar nada em segredo com ninguém. Uma vez o Nilmário me disse:
— Senhor Pinaud, eu tenho aqui tantas comissões permanentes, não sei quantas comissões provisórias e, a única que me dá problema é a sua".
E eu disse:
— Eu acho que a minha comissão, a titica da minha comissão, é a única que é independente aqui, por isso é que te dá problema.
É impressionante como as pessoas vieram me procurar, queixando-se do atual governo e de violências inomináveis.
O Francisco Helder, que foi meu secretário executivo, estava na comissão há oito anos e tinha 20 anos de serviço público, mas foi exonerado logo após a minha saída, por uma política administrativa a mais vulgar possível. E isso passou despercebido. O que me ajudou a ficar atento — a perceber mais rapidamente que eu estava, sem querer, participando de uma farsa — foi a perseguição que não era feita a mim, porque a mim não se pode fazer uma perseguição extensiva, já que eu tenho um longo trajeto. Então a forma de perseguição que eles encontraram foi humilhar, ameaçar e levar pânico aos meus funcionários. A minha comissão era uma comissão assustada, e não era o clima que eu queria porque meu clima pessoal é universitário. Mas o Ministério interpretou como se eles fossem, e começaram a fazer um clima de pressão sobre eles. Descontavam salário, etc.
Eu tinha muita vontade de ouvir o pessoal de Xambioá, do Tocantins, do Araguaia, mas eu via dificuldades no deslocamento da Comissão para lá. Se existia dificuldade de reunir a comissão em Brasília, imagine lá. Uma tragédia. Eu não podia mobilizar profissionais de outras áreas. E eu não queria ir lá com estardalhaço de televisão; queria levar gente que sabe, que pensa.
Na outra semana quando fui para minha reunião, naquela salinha tinham mais de 40 pessoas no corredor, parecia Vara de Família. Perguntei:
— Por que vocês vieram aqui?
E eles:
— Viemos conversar com o senhor.
Um homem de 89 anos veio de Tocantins de ônibus para conversar comigo sobre a morte de guerrilheiros.
Então eu coloquei isso para o Nilmário me dar meios de ir lá, para que fretasse um avião. Acho que a minha ida para Brasília reacendeu uma esperança que ficou frustrada, porque, sinceramente, não agüentei. Pessoas do Tortura Nunca Mais pediram para que ficasse, para que eu tentasse fazer alguma coisa.
O parente de um torturado ou de um desaparecido, enfrenta muitas dificuldades. Essas pessoas não têm dinheiro nem para telefonar. Hoje um morador me ligou do Araguaia dizendo que o cartão estava acabando. Respondi que ligasse a cobrar. Ou seja, eles não têm nem dinheiro para comprar um cartão. Eles estão se sentindo desprotegidos. Parece que um helicóptero chegou lá, sobrevoou, pegou uma pessoa e deu um passeio de três dias com ela. Tratava-se de um morador que dispunha de informações. Esse é um clima de regime militar.
Acho que a máquina de repressão da ditadura não foi desmontada. É natural que todo o regime de opressão, e a história do Brasil aponta para isso, deixe uns vestígios, uns resíduos, uns comportamentos na área administrativa, mas isso com o tempo tende a se esvaziar. A sociedade vai tomando suas posições críticas, questionando. Mas aqui noto que ela nem se desmontou.
Acho que o Secretário de Direitos Humanos, Nilmário mantém o que eu chamo de temor reverencial, ou seja, você não vem me fazer uma pergunta porque me reverencia e me teme. Eu tenho a impressão que ele teme as forças hegemônicas da sociedade, que estão dentro do próprio governo.
Os militares e a ABIN* não dão nenhuma informação pedida pela comissão, e nem comparecem. A Lei manda dar, mas eles não dão, e nem justificam a ausência, como esse major Curió, por exemplo. Diante disso eu pensei num estratagema, numa saída que seria uma ação judicial na Justiça Federal que os bons advogados criminais usam, que permitiria você ouvir as pessoas, fazer perícias. Mas para minha surpresa, o Nilmário não quis.
Essas pessoas, como o major Curió, dizem que sabem muito sobre assassinatos, matanças, mas que só vão dizer quando quiserem. Isso é um acinte com o povo.
Nós sabemos que as forças armadas sempre se caracterizaram por uma rigorosa e minuciosa documentação de tudo.
Naquela região do Araguaia de um modo geral ainda estão vivas algumas pessoas que poderão depor, inclusive ex-militares que foram servir o exército. Teve um que era militar da área e precisava falar para poder dormir.
Meu palpite é que na região do Araguaia tem coisas mais sérias, acho que se forem pessoas para lá, com pouca despesa para o Estado, com pessoas categorizadas, haveria um grande avanço. Essas pessoas querem dizer e não querem enganar, não, elas querem se libertar daquilo. É diferente.
Até eu assumir a comissão eu cultivava uma idéia que predominava em toda pessoa comprometida com o movimento social: "Se você atacar o governo Lula a quem você estará servindo?".
Eu me considero desiludido e me equivoquei em aceitar esse cargo de Presidente da Comissão. Achei que pudesse fazer alguma coisa. Eu padeço do que todos os militantes de Direitos Humanos acabam se envolvendo, até nos grupos mais aguerridos, a turma mais politizada e crítica: eu acreditei que pudesse fazer. Tanto, que não ouvi um camarada muito lúcido, que é o Hélio Bicudo, que me disse o seguinte:
— Não se pode defender direitos humanos dentro de um governo. Ele é o maior violador.
O Hélio propõe que a sociedade se organize para essa luta, não fique com expectativas vãs. Eu acho que o general do Gabinete de Assuntos Estratégicos fez uma afirmação de sabor nazista. O Estado para ele é a segurança do poder, não a segurança da nação.
Acredito que o trabalho que deve ser feito pela Comissão vai muito além da identificação dos ossos, porque ainda se pode ouvir essas pessoas. Elas vão dizer a verdade, os guerrilheiros que sobreviveram, são pessoas cuja verdade está estampada no rosto. Se o governo tivesse dignidade, não fosse fazer uma farsa, ele poderia colher isso. Nós somos contemporâneos disso. Isso é memória viva, fonte primária.
Essa declaração de que farão a abertura dos arquivos no tempo que o governo achar que deve fazer foi uma nova farsa. Eu pergunto a você, que tempo é esse? Então eu acho que a única resposta é a seguinte: esse tempo é o tempo histórico, é o tempo da necessidade social que a sociedade tem para se libertar disso, de saber, de conhecer. Ninguém é dono dessa história, deve-se abrir as entranhas do monstro. Esta é uma forma de se criar consciência.
O outro ponto é que ninguém é dono dessa história, ninguém pode ser dono da história. Os romanos diziam assim: nacional é aquele que nasce. Mas não é só isso. Por que nós somos brasileiros? Porque nós temos muita coisa em comum, a nossa identidade. Então, essa memória dos antepassados integra um elemento da nação, e se você tirar isso você tira a memória familiar, a infância de uma pessoa. E é isso que está acontecendo no Brasil.
A máquina da repressão é a mesma e se atualiza cada vez mais. Acho que até onde a gente tem informação histórica internacional, essa repressão é irradiada do USA. Agora, é necessária uma cumplicidade covarde do Estado brasileiro para isso. A rigor, se formos analisar numa hierarquia, eu fui um funcionário acidental de um governo num determinado momento, e causei tanto estrago: Como? E eu nem sou ministro… Mas deve haver uma afinação em todos os pontos.
A pessoa que mais impedia que o processo andasse era o general Félix, a ABIN, o serviço estratégico, que não dava informação nenhuma, não ajudava. Foi um equívoco a minha ida para Brasília. Eles acharam que eu seria um bom presidente, que legitimaria, daria credibilidade à Comissão. Segundo comentários, lá em Brasília, a minha queda foi traçada quando comecei a ouvir os moradores e os ex-militares. Isso causou espanto. Deixei escapar numa entrevista que eu podia levantar muita coisa a mais que o arquivo, se eu ouvisse os moradores, os guerrilheiros que sobraram. Mas podia também ter ouvido os jornalistas que cobriram isso. Eles não falam, tem uma ética jornalística, e não vão revelar as fontes. Mas aqueles que são chamados na justiça estão livres disso, são uma fonte de informação preciosa.
Perguntaram-me o que eu achava do meu substituto. E eu disse: ele é um rapaz sério, correto, bom-caráter, é um militante de direitos humanos. Agora, ele é presidente de uma Comissão de mortos e desaparecidos. Eu só não sei se ele está habilitado a trabalhar com monstros, por que eu não estava. Fracassei, mesmo sendo marinheiro de longo curso. Esses tipos de Comissão são montadas retoricamente para manter uma aparência de que existem e funcionam.
A "máquina" continua funcionando
Criméia Almeida
Acho que a questão já começa com o que se chamou de transição lenta e gradual. Deixam de haver publicamente as prisões, as mortes por tiroteio e passa a haver um aumento dos desaparecidos… Nós deixamos de ser os presos e processados para sermos os desaparecidos. Então, essa transição foi feita com a eliminação de pessoas. Eles limparam para depois transitar. A anistia recíproca foi feita por um general que era o chefe do SNI, e que era o ditador de plantão na época, de modo que ela teve vícios. E o objetivo dela foi muito mais a auto-anistia do que a anistia. Por isso se bate tanto nessa anistia como esquecimento: esquecimento dos crimes deles.
Nós não tivemos no Brasil, diferente de toda a América Latina, pessoas, militares, condenados por esses crimes. Lula insiste em que os crimes até 79 estão anistiados dos dois lados.
Primeiro, o que é crime? Para mim o primeiro crime foi a destituição do governo eleito, de João Goulart. Então, tudo que foi feito anteriormente deve ser pensado dentro desse contexto de usurpação de poder. Por outro lado, a ditadura brasileira procurou ser o máximo legalista. Então ela teve suas leis: seus Atos Institucionais, sua constituição. Ela reformulou as leis da segurança nacional, ela tinha os tribunais militares funcionando para julgar civis. E nessa preocupação legalista, ela criou inclusive a prisão perpétua e a pena de morte. A ditadura não condenou nem executou ninguém legalmente. No entanto, executou muitas pessoas.
A Comissão de Mortos e Desaparecidos provou que muitos casos, informados como mortos em tiroteio, na realidade foram torturados e executados. Que o dito tiroteio ocorria 24, 48 horas após a prisão. A grande fonte de informação que a gente teve foram os laudos de necropsia do Instituto Médico Legal IML, e os arquivos do Departamento de Ordem Política e Social — DOPs, de São Paulo e do Rio de Janeiro, abertos em 1992. Antes, tinham sido abertos os do Paraná, em 1991, e, em 1992, os de Pernambuco…
Existem relatórios, como por exemplo, o da morte do Lamarca… É claro que nenhum desses documentos diz o seguinte: "Nós desaparecemos com fulano, nós matamos, nós torturamos". Mas você consegue perceber nas entrelinhas essas coisas. Existem relatórios, as operações eram assinadas. É claro que nesse arquivo do DOPs tinha um arquivo chamado "colaboradores" e não havia nenhuma informação. Guerrilha do Araguaia: não tinha nenhum dado.
Eles tinham trocas de informações. Por exemplo, no massacre da Lapa, ocorrido em 1976, estava o Curió, que era o mesmo que estava no Araguaia. Os melhores quadros deles eram nacionais. Mas acho que os Estados que tiveram maior destaque na violência foram São Paulo e Rio de Janeiro. Eles fizeram leis e não cumpriram suas próprias leis, porque todos esses poderiam ter sido mortos "legalmente", já que eles tinham leis para isso. Ocorre que eles não tinham idoneidade política e moral para executar essas leis, por causa do fato da própria ascensão deles ao poder.
Com essa anistia de 1979, eles trataram de garantir uma transição, depois que eliminaram um grande número de opositores. Esta matança de 75 e 76 teve o objetivo de aterrorizar civis. Não só quem estava na luta armada, qualquer um. Foi o último ponto para dizer: "Agora vamos fazer um acordo e uma anistia recíproca, porque nós temos poder".
Infelizmente, o que deveria ser oposição política, aceita isso tudo, porque não se questiona mais. Assim, os vivos voltaram à legalidade e os mortos ficaram sem ter quem reclamasse por eles. E os desaparecidos eram pessoas que estavam "foragidas". Nenhum governo civil assumiu essa questão realmente. A gente discutiu muito essa questão da anistia com a abertura dos arquivos, porque nesse processo teve a descoberta da vala de Perus. Até hoje, nós só conseguimos identificar três corpos. Tem essa parte do trabalho dos legistas. O diretor do IML era o mesmo que assinou o laudo do suicídio do Herzog. Ou seja, era uma pessoa que estava comprometida.
Esse tempo todo a gente discutiu a questão dos mortos e desaparecidos. Com a abertura de arquivos nenhum membro vivo da esquerda foi desmoralizado, como tenta nos chantagear hoje o general Félix. Não que não tivessem essas versões de amantes e delações que fossem verdadeiras… Primeiro porque ter amante não é crime e nem é problema de segurança nacional… É lamentável que um país tenha investido dinheiro em investigação de amante, isso mostra o espírito chantagista de um governo ditatorial. Um espírito que persiste hoje na fala do general Félix, que disse não poder abrir arquivos porque vai prejudicar os que eram de esquerda na época.
O general Félix está numa posição que se expõe. No governo Sarney, um torturador foi adido militar do Uruguai. A nota do Exército, que saiu quando foram divulgadas as fotos que não eram do Herzog, em outubro, é uma nota que mostra a existência do esquema repressor da ditadura. Quem foi punido? Ninguém. Quer dizer, o Ministro da Defesa virou o bode expiatório da história. Os militares se auto-anistiaram e ficou por isso mesmo.
Hoje se fala a mentira de que os arquivos foram queimados — podem os papéis terem sido queimados, mas os microfilmes estão guardados. Minas Gerais demonstrou isso. Vamos abrir esses arquivos, porque hoje existe uma sentença, a qual obviamente o governo pode recorrer, e até o final do prazo eu não acredito quando ele diz que não vai recorrer, porque não merece que eu pense isso.
Tem duas maldades grandes nesse decreto. Uma, é que se pode classificar e aí pode ficar como sigilo. Quem decide é o Executivo, nem sequer se consideram os Três Poderes. A outra maldade que se tem notícia é: quem pode pedir as informações sobre os mortos e os desaparecidos são apenas os ascendentes e os descendentes. Os desaparecidos, se vivos estivessem, hoje estariam com 50 e poucos anos. Provavelmente seus ascendentes estão mortos. Na época em que morreram, eles tinham 20 anos, não tinham descendentes. Se não mudar este decreto e colocar os colaterais, ninguém poderá pedir informações sobre eles. Trata-se de uma maldade, intencional mesmo.
Então existe uma sentença para ser cumprida. A sociedade brasileira tem condições de saber se esses arquivos foram abertos ou não.
Mesmo que o governo seja composto por guerrilheiros arrependidos, a sociedade brasileira não aceita mortes, desaparecimentos, ainda mais cometidas pelo Estado, porque ele é responsável pela segurança. E hoje, seqüestros não são meramente crimes no Código Penal, são crimes hediondos. A sociedade não aceita isso.
Nenhum partido levantou essa questão. Todos têm procurado empurrar com a barriga, varrer parte dessa história para debaixo do tapete. Hoje a coisa é mais gritante porque você tem uma sentença judicial e porque a sociedade esperava mais desse governo.
Eu acho que com a guerra do Iraque, com a reeleição do Bush, essa concepção autoritária se fortaleceu. Mas dentro desse contexto nós temos a Argentina, o Chile e a África do Sul tomando atitudes, enquanto o Brasil não tem feito nada, ainda submetido à concepção da ditadura. Quando a gente busca os mortos a gente está buscando o momento histórico em que aquela pessoa morreu. O momento da morte e após a morte. Foram cometidas atrocidades terríveis, como o prender vivo, a tortura e a execução.
Quando eu falo que a sociedade quer, eu estou falando de uma parte da sociedade que estuda história, que pesquisa e que quer abrir os arquivos. E os que não querem abrir arquivos são os que a ele já têm acesso, os que fizeram os arquivos. O mundo não vai acabar porque vão abrir os arquivos. O que não dá é para fazer de conta que não tem nada, que não existe. E esse negócio de que o Exército cortou cabeças e executou pessoas no Araguaia todo mundo sabe. Tentar esconder isso é querer que a gente acredite em "História da Carochinha".
Nós queremos esclarecer essa situação, para os familiares e para as entidades de direitos humanos, que se preocupam realmente com os DH, a tortura tem que ser combatida. Então, quando eu ouvi um secretário dizendo que se deveria regulamentar a tortura…
Num certo sentido quando você vê as descrições das Anistias nos Estados, até parece que há uma regulamentação. Tem tortura que vale mil de indenização, tortura que vale 10, que vale 20… O que é isso? Tortura não dá para cotar… Arbitrariedade é arbitrariedade, não faz diferença se foi "pouquinho", muito ou médio. Tortura é tortura! Aquela tortura perfeita, que não deixou marca, que ninguém viu, o Estado não paga nada por ela. A tortura perfeita não tem ônus, porque ninguém fica sabendo.
A característica do nosso Estado é o autoritarismo. Por isso que eu disse: decreto só prevê que a análise seja feita pelo Executivo, como se esse fosse um problema do governo. Muda o governo e muda o sigilo. Agora, que não seja um problema de governo, que seja uma questão de Estado, que eles não mudam conforme o mandato.
Jamais comprarão o povoVitória Grabois
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Notas da redação:
1 — Advogado, professor da Cândido Mendes, ex-secretário de Segurança do Governo do Estado do Rio de Janeiro, administração Antony Mateus ("Garotinho"). Retirou-se do Governo do Estado em razão da tortura e assassinato do comerciante de nacionalidade chinesa Chan Kin Chang por agentes penitenciários no Presídio Ary Franco, em agosto de 2004, Rio de Janeiro.
2 — ABIN Agência Brasileira de Inteligência, substituta no gerenciamento "civil" do famigerado SNI, criado durante o período militar.
3 — Criméia Almeida. Enfermeira de profissão, ex-guerrilheira do Araguaia e viúva do guerrilheiro André Grabois. Retirou-se da guerrilha quando grávida do seu primeiro filho. Atuante do grupo Tortura nunca mais.
4 — Vitória Grabois. Professora estadual. Filha de uma família de intelectuais brasileiros e de tradicionais revolucionário proletários. Seu pai era o dirigente comunista Maurício Grabois. É atuante do grupo Tortura nunca mais.