Nos últimos meses a economia do país vem registrando inquietações, com fortes pressões no mercado de câmbio e seguidas desvalorizações do Real. O que inicialmente se pretendeu imputar à ascensão do candidato do PT nas pesquisas eleitorais, preparando-se o caminho para futuramente culpar-se um novo governo pela desorganização econômica e social da era Real. Posteriormente falou-se que o "nervosismo do mercado" era provocado pelo clima de incertezas que se sucedeu às descobertas de fraudes contábeis em grandes empresas americanas. E mais recentemente buscou-se no candidato da frente trabalhista, que avançava nas pesquisas, a causa das apreensões na área cambial.
O que surpreende é que muitos ainda não entenderam que os problemas do mercado de câmbio, e todas as dificuldades que os trabalhadores e as empresas vêm enfrentando estão ligados a fatos reais e não a meras expectativas – elevados desequilíbrios no balanço de pagamentos e nas contas do Tesouro, surgidos ainda em 1995, no primeiro ano do Real, e que desde então se repetem religiosamente. Com o que o endividamento externo do país, em dólares, e o endividamento do governo federal tanto em dólares como em moeda nacional, crescem sem cessar, num processo que o Governo nunca conseguiu deter. Essa a questão básica: o programa de estabilização artificial dos preços foi um sucesso político, pois a propaganda oficial o apresentava como plenamente exitoso; mas na verdade foi enganoso já que era viável apenas no curto prazo; e isso simplesmente porque o Plano Real exigia volumes crescentes de dólares, para pagar as compras de produtos estrangeiros importados para segurar os preços no mercado interno, e a casa da moeda do Brasil pelo que se sabe não pode emitir dólares.
Alcançado um ponto de dificil sustentação, com os credores receosos e na defensiva, surge agora o novo acordo com o FMI, e a esperança de que possa funcionar como um antídoto para a fuga de capitais que pressiona o preço do dólar. Uma vã ilusão, pois afinal o Brasil acumulou até agora, no desvario desses oito anos, um déficit externo da ordem de 200 bilhões de dólares – o preço de uma aventura que empobreceu o país, paralisou a economia, fragilizando financeiramente o Brasil perante os credores externos e as instituições financeiras internacionais; como também frente ao próprio governo americano, que hoje mais do que nunca controla as decisões do Fundo.
O anúncio dos novos recursos do FMI tem a intenção de manter uma aparência de normalidade da situação do país até o final do atual governo. E a estranha concordância do Fundo em que o Banco Central dilapide as suas reservas internacionais – raspando o caixa para segurar o preço do dólar, e o cronograma de liberação dos empréstimos, tornam clara a estratégia que orientou a montagem do ardil. Pois sem o cacife de uma boa posição de reservas em dólares, basta uma notícia qualquer sobre a situação do país, plantada por especuladores, e o novo governo, acuado, se verá obrigado a sacar os recursos que o FMI está colocando na janela, submetendo-se então, sem alternativas, ao programa econômico imposto pelo Fundo. Que deverá vir com uma nova exigência, obrigando a rígidas medidas para reequilibrar o Balanço de Pagamentos; o que, no modelo do FMI significa menos salários, mais recessão e mais desemprego. E adeus esperanças de reorientação da política econômica, e de retirada do país da rota de colisão que o modelo de estabilização artificial de preços adotado pela Argentina e pelo Brasil reserva. Sepultando os sonhos do Mercosul e as esperanças de estabilidade política, e inclusive colocando em risco as instituições.
O risco institucional decorre do fato de que, mantidas inalteradas as premissas básicas que hoje orientem a política econômica, a carga tributária continuará aumentando para garantir os chamados superávits primários que cobrem os juros de uma dívida pública crescente, como também os serviços privatizados continuarão a ter aumentos de preços acima da inflação. Com o que os salários, desprotegidos pela remoção da legislação que garantia recomposição anual das perdas inflacionárias, tenderão a continuar recuando, enfraquecendo as empresas e o mercado de trabalho. O que constitui um processo perverso, autodestrutivo, anticapitalista porque inviabiliza novos investimentos, e inclusive tende a comprometer o próprio sistema financeiro.
Alheios à gravidade dos problemas que vem afetando a economia real – o mundo da produção e do emprego, o acordo com o FMI, preocupado apenas com a questão do endividamento, foi, acima de tudo, um golpe de mestre. Procurando internamente moldar, no campo da oposição, um "De La Rua" brasileiro para pagar o mico do descontrole gerado pela política do Real. E ao mesmo tempo buscando salvar a face do FMI, que sempre apoiou sem restrições um programa que desorganizou a economia brasileira e empobreceu os trabalhadores e a classe média em geral, e que teria de ter sido reorientado ainda em 1996, logo após conhecidos os rombos provocados nas contas externas e nas finanças do Tesouro em 1995, primeiro ano do neoliberalismo tucano.
*Dércio Garcia Munhoz é economista. Membro do Conselho Regional de Economia do DF