O caminho colombiano e o caminho holandês

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O caminho colombiano e o caminho holandês

De como nos parecemos cada vez mais com a Colômbia não apenas na violência contra o povo e de como nos encantamos de tempos em tempos com os holandeses

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Sala de emergência, pintura de José Perez

O ativismo das massas populares do final da década de 70 e na década de 80 foi um dos fatores determinantes de mudanças na configuração das políticas sociais que ocorrerem no processo de elaboração da Constituição de 1988. O capítulo das garantias do direito à saúde e da responsabilidade do Estado pela promoção, proteção, tratamento e reabilitação não encontraram, na época, resistências significativas, desde que se mantivessem intactos os interesses da livre-iniciativa na área de saúde e uma estatização dos meios de produção (indústrias de medicamentos de equipamentos biomédicos, serviços privados de saúde) fosse descartada.

A história da implementação do Sistema Único de Saúde, desde essa época repete características de nossa formação histórica: a distância entre "intenção" e gesto que não é diferente da existência de instituições "para inglês ver". A realidade cotidiana da atenção pública à saúde é de duas ordens: algumas pouquíssimas instituições onde a concentração histórica de profissionais altamente qualificados resiste à deterioração gerada pela instabilidade de meios de funcionamento (recursos financeiros, materiais, baixos salários) de acordo com o interesse imediato dos gestores de plantão, e que, de alguma forma, também são importantes para formação profissional e pesquisa clínica de interesse das indústrias multinacionais de medicamentos e equipamentos (Instituto Nacional do Câncer e Instituto Nacional de Traumato-Ortopedia, por exemplo) e onde se espera até anos para ter acesso a uma cirurgia. E uma grande massa de centros de saúde, hospitais, que claudicam para sobreviver, espera-se meses para fazer exames e a qualidade apenas depende da dedicação de profissionais de saúde que permutam uma certa estabilidade no trabalho (difícil de ser obtida no mercado privado) por baixos salários. Vastas zonas do interior do país como na Amazônia e no Nordeste não contam com um médico permanente.

Com a deterioração do Estado, inclusive e especialmente dos serviços financiados pelo seguro social (Instituto Nacional de Previdência Social — INPS) que anteriormente eram considerados padrões de qualidade médica, empurra-se trabalhadores formais e camadas médias da população a procurarem em seguradoras privadas de saúde certa garantia de acesso à atenção à saúde. Nada de novo, trata-se de política estimulada pelo Banco Mundial explicitamente desde 1988 tanto com o objetivo de impedir uma ampliação dos gastos dos Estados, especialmente aqueles onde o imperialismo implantou suas indústrias e impôs um endividamento externo considerável nos anos 70, pois seu compromisso primeiro seria garantir fluxos de recursos financeiros para pagamento da dívida, em grande parte contraída neste processo de industrialização, assim como abrir caminho para a mercadorização ainda maior da saúde, de interesse de instituições financeiras no campo do seguro saúde. Esse último objetivo não foi especificamente dirigido aos países devedores, pois na Europa mudanças nos sistemas estatais de saúde, criados na conjuntura da Guerra Fria, nos quais pressões populares e disputa ideológica com o campo socialista viabilizaram uma determinada composição de setores reformistas e revisionistas com a burguesia nos chamados "Estados de Bem-estar Social". Nos anos 90 e 2000 ampliou-se a participação do capital privado na saúde na Europa, a partir também da deterioração dos sistemas públicos, especialmente a demora no acesso através das listas de espera. Isso se deu tanto pelo aumento da venda de seguros privados de saúde quanto por pagamentos diretos a serviços privados. No entanto, com exceção de alguns países, os esquemas de seguro privado coexistem com os seguros universais atendendo determinados nichos de renda ou de serviços e ainda não alcançam uma cobertura populacional significativa. Nos países onde o seguro privado substitui o seguro social, como a Holanda, que já possuía uma tradição de seguros privados antiga e o seguro compulsório implantado nos anos 60 contava com um teto de renda que respeitava o mercado anteriormente existente para a população mais rica, existe uma padronização dos benefícios cobertos pelos privados. Nos demais, os contratos são livres, a regulação, em geral, contempla apenas aspectos de ordem econômica para garantir que os fundos não se desequilibrem e o cumprimento dos contratos.

Na Holanda, ainda nos anos 60, foi implantado um seguro universal para cobrir despesas consideradas excepcionais, como doenças de longa duração (exemplo, as psiquiátricas) que foi estendido, nos anos 80, para um conjunto significativo de eventos de saúde. Em 1994, propostas de transformá-lo em seguro universal foram derrotadas em prol da consolidação do esquema segmentado anterior.

Em 2006, apesar de resistências oferecidas por pacientes e profissionais de saúde, estabeleceu-se uma reforma, criando um esquema básico universal e obrigatório dando o mesmo estatuto para os fundos de doença e as companhias de seguro competir pelos beneficiários. As empresas estabelecem o valor das contribuições e o Estado paga subsídios àqueles abaixo de um rendimento determinado. Os empregados, além do prêmio, contribuem com 6,5% do salário e os aposentados, 4,4%. Empregadores não pagam nada. Como resultado, houve um significativo aumento dos prêmios que passaram de uma média de 320 euros em 2005 para 1050 euros em 2006, sendo que a contribuição relacionada à renda, que discriminaria melhor o gasto do indivíduo de acordo com a sua capacidade financeira, diminuiu.

Na Colômbia, a reforma foi mais antiga (1991/1993) e apontou na mesma direção: privatização da gestão da saúde da população com um esquema básico de coberturas de saúde e terceirização da gestão para companhias de seguro que competem entre si pelos beneficiários. As contribuições são baseadas no salário sendo que aqui também o empregador aporta e subsídios públicos apenas para aqueles considerados pobres.

Em ambos os casos, possibilitam-se planos com preços e coberturas acima do mínimo que vão garantir, na prática, as diferenças de qualidade e acesso entre as classes sociais a despeito da igualdade formal.

No Brasil, as formas de atuação das empresas que ofereciam seguros saúde, que não estavam em desacordo com a lógica da competição, tinham características bastante prejudiciais aos consumidores: propagandeavam saúde, mas impunham uma série de restrições que deixavam de fora problemas de saúde frequentes como doenças cardíacas que podiam ser consideradas lesões pré-existentes de uma forma que trapaceavam com as possibilidades de informação de quem comprava o seguro; eliminavam unilateralmente da carteira pessoas consideradas de risco. A legislação de 1998, embora de difícil negociação no Congresso Nacional, tentou estabelecer algumas regras que contornassem esses problemas. A criação de uma Agência Reguladora em 2000, retirando do Ministério da Saúde diretamente a responsabilidade de regulamentar e fiscalizar os aspectos assistenciais do seguro saúde, já foi um golpe num princípio caro à ética das profissões da saúde e das próprias diretrizes constitucionais: o cuidado deve ser tecnicamente igual para todos e independente de quem e como se paga. A obrigatoriedade de comprar coberturas completas impede a existência, no país, de uma característica importante dos seguros voluntários suplementares europeus que é a complementariedade com o Estado nos gastos supérfluos ou não cobertos, como quartos particulares. Direciona a uma substituição do Estado. A perspectiva mais recente da ANS considerar seguradoras como gestoras da atenção à saúde responsabilizando-se pro-ativamente por promoção e prevenção à saúde pode aparentar ser uma política bastante progressista que vai contra os interesses das indústrias e do empresariado médico que lucra com a doença. No entanto, ao retirar essas responsabilidades da esfera pública em cada território, única que pode ter uma visão e intervenção mais integral nos determinantes do processo saúde-doença e regular diretamente a qualidade dos prestadores de serviços de saúde, resultará no aumento do poder das empresas seguradoras no sistema como um todo.

O próximo passo é o caminho colombiano (ou holandês): mantemos a saúde como direito universal, mas entregamos a gestão para as seguradoras, pelo menos para a parcela da população que hoje já está por elas contratadas e, posteriormente, subsidiando populações que hoje não tem acesso a elas. As empresas, na atualidade, já têm que prestar cuidados de saúde à semelhança do Sistema Único de Saúde, com algumas poucas exceções (alguns transplantes, doença mental crônica e reabilitação de longa duração). O argumento de que a Agência Reguladora controla e garante direitos se torna falaciosa em face da notória presença, em todas as Diretorias, de representantes do grande capital na saúde. Transformamos hospitais públicos em Fundações que possam prestar serviços às seguradoras privadas. Tudo isso sob a batuta daqueles que se autoproclamam baluartes da reforma sanitária ou então "esquerda da saúde". A presença de representante da Holanda em Seminário promovido pela Agência Reguladora em junho de 2008 seria sugestiva de uma afinidade?

Como resultado, aumento do custo com atenção à saúde para a população e para o Estado que são consequências de um sistema controlado por interesses do grande capital e do capital internacional na saúde. E transformação do cuidado em mercadoria com a corrosão das possibilidades de uma relação ética entre os profissionais de saúde e seus pacientes. E a manutenção de disparidades marcantes entre os ricos e os demais habitantes, cuja possibilidade de acesso aos avanços da ciência depende da renda como é o conhecido exemplo dos USA.

O sistema público e universal de saúde de qualidade pautado pelos interesses nacionais e populares foi o resultado histórico direto ou indireto (no caso das sociais-democracias européias na Guerra Fria) das lutas sociais que num determinado momento permitiram a construção de democracias populares que transitavam para o socialismo. Na situação atual da luta de classes no Brasil, onde o Estado representa os interesses do capital internacional (política social mínima, privatização e internacionalização de áreas de interesse para o capital, como o seguro saúde e a atenção à saúde), o latifúndio de velho e novo tipo e a grande burguesia monopolista, nada leva a crer que possa implementá-lo. Para os sinceros representantes do movimento sanitário e para as lideranças populares que labutam infrutiferamente nos caminhos burocráticos do controle social, passa a hora da reflexão que o caminho para chegar a esse sistema passa por transformações estruturais na economia e na democracia brasileira.

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