O Biodiesel, combustível alternativo ao diesel comum, produzido a partir de óleos vegetais ou gorduras animais, teve sua produção e pesquisa interrompidas no Brasil. Depois de enfrentar a resistência dos grupos monopolistas internacionais da área petrolífera e das grandes empresas automobilísticas instaladas no país, esse projeto — uma possível solução nacional ao problema energético — foi abandonado pelo governo há mais de 15 anos.
Já se vão quase 23 anos desde que a primeira patente para o Biodiesel foi requerida ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), em 1980, sob o registro geral de PI 800795. De lá para cá, é grande a luta de cientistas e pesquisadores brasileiros para desenvolver e popularizar o uso deste combustível natural, renovável e de fácil obtenção. Contra este esforço do pensamento nacional se levantaram (e ainda se levantam) o desprezo do Estado pró-imperialista, o desestímulo financeiro e até mesmo orquestradas campanhas na imprensa dizendo ser ineficaz o Biodiesel.
Descoberto por pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (UFC), este combustível possui similares no mundo inteiro. Diversos países — mesmo vivendo sob a ditadura dos monopólios petrolíferos — já vêm investindo na produção, prevendo sua utilização industrial em larga escala, em anos futuros. USA, Canadá, Alemanha, França, Japão e Austrália, dentre outros, mantêm recursos alocados no desenvolvimento de técnicas relativas aos combustíveis naturais, de olho numa possível e lucrativa nova fonte de lucros.
Lançamento
No dia 1º de outubro de 1980 o engenheiro químico José de Sá Parente anunciou a descoberta do Prodiesel, durante solenidade realizada em Fortaleza, a qual compareceram diversos políticos, militares e empresários. À época, foi um acontecimento nacional. “Lançamos o Prodiesel precedidos por inúmeros testes do produto, feitos com a participação de órgãos como NUTEC (Fundação Núcleo de Tecnologia Industrial), Centro de Tecnologia da UFC, Companhia de Eletricidade do Ceará, Petrobrás e outras”, conta o também engenheiro Expedito Sá Parente em seu livro “Biodiesel — Uma Aventura Tecnológica”.
Foram anos de muita dedicação até o dia em que empresários e políticos viram uma camioneta Toyota (motor OM-314 Mercedes) rodar pelas ruas de Fortaleza fazendo 9,1 km por litro na cidade e 11 km/l na estrada com o novo combustível natural, derivado — à época — do algodão. Isso bastou para que inicialmente os cientistas e entusiastas do projeto granjeassem a simpatia do governo e da população.
Porém, por trás de toda aquela aparente festa havia a preocupação de fabricantes de combustíveis derivados do petróleo — grandes conglomerados financeiros que se beneficiam de toda uma cadeia produtiva que se desenvolve como monopólio internacional. A estes não interessava, como não interessa ainda, a criação de alternativas nacionais ao seu produto, que é objeto, até mesmo, de guerras sangrentas. A partir desse dia, iniciou-se — por vias subterrâneas — a sabotagem do Biodiesel, processo que se repetiria anos depois com o chamado Pró-alcool, também minado por interesses imperialistas associados ao Estado brasileiro.
Mesmo tendo recebido o financiamento do FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos) e o apoio do Ministério da Aeronáutica para a sua fabricação experimental, se podia ver que iniciativa de tão grande monta não estava sendo levada a sério, apesar criação da PROERG (Promotora de Sistemas Energéticos), empresa voltada exclusivamente ao combustível natural.
Os anos de 1981 e 1982 foram de esforço concentrado para a PROERG. Trinta mil litros do Prodiesel foram remetidos aos fabricantes de motores. Centenas de empresas agrícolas solicitaram o produto para movimentar suas frotas e máquinas, chegando até a testar uma variante do combustível feita com sementes de maracujá. Segundo informam seus inventores, o final de 1982 foi particularmente importante, pois até mesmo o querosene vegetal para aviões estava pronto, recebendo o nome de Prosene. Após testes em turbinas, o combustível foi homologado pelo CTA e, no dia 23 de outubro de 1983, uma aeronave decolou de São José dos Campos-SP, para sobrevoar Brasília utilizando o Prosene. Era sua consagração. Seu autor, Sá Parente, recebeu, inclusive, honrosa comenda da Aeronáutica.
Os pesquisadores reconhecem que o desenvolvimento do querosene vegetal de avião foi muito importante para a avaliação do óleo diesel vegetal, principalmente pelo apoio da CTA, provando o rigor tecnológico dos dois produtos. Mas, infelizmente, a ajuda e reconhecimento findaram com a comenda. A Petrobrás, na época alegando a diminuição dos preços do petróleo, se desinteressou das atividades. O governo se retraiu e a PROERG foi desmontada.
As vantagens
Apesar do desinteresse do governo brasileiro e da sabotagem dos conglomerados imperialistas, o Biodiesel é um combustível altamente viável: é renovável, reduz consideravelmente a poluição atmosférica e o efeito estufa. “Se utilizado em larga escala no Brasil, diminuiria as importações de petróleo e geraria renda no meio rural, através de programas integrados de camponeses e o governo”, diz o engenheiro mecânico, ex-funcionário da Petrobrás, João Arquimedes Bastos Pereira. Ele afirma que no semi-árido brasileiro, a mamona e o algodão podem ser plantadas por milhares de famílias, matérias-primas para o combustível natural. Estas plantas, conclui Pereira, se adaptam bem ao clima da área, quente e seco, e não necessitam de investimentos altos.
Estudos atualmente desenvolvidos pela TECBIO (Tecnologia Bioenergética), um dos mais de 20 empreendimentos hoje instalados na Incubadora de Empresas do Parque Tecnológico do NUTEC, PARTEC, no Campus da UFC, garantem que as mais de 2 milhões de famílias camponesas pobres do Nordeste produziriam mamona a 6 milhões de toneladas/ano, o que renderia — em média — 3 bilhões de litros de óleo combustível.
Todas as regiões brasileiras poderiam ser beneficiadas com a produção de oleaginosas. Praticamente em todas as partes do Brasil é possível o cultivo de plantas como mamona, algodão, soja, dendê e babaçu. Outras espécies nativas espalhadas país afora poderiam abastecer pequenas unidades industriais, potenciando a produção energética nacional, especialmente na região norte, onde a produção do babaçu é alta e muito rendosa do ponto de vista do Biodiesel.
“Cerca de 20 bilhões de litros anuais de Biodiesel poderiam ser produzidos a partir das palmeiras do Norte do país”, ainda segundo pesquisas desenvolvidas pela TECBIO. A principal motivação desse empreendimento, sendo usada essa matéria prima, é que o babaçu é um recurso natural já existente e pouco explorado, mas que teria condições de gerar, além do Biodiesel, uma série de outros subprodutos, como o metanol, carvão vegetal, grafite, alcatrão, combustível de fornos e caldeiras, rações, aglomerados para construção civil, etc. Novamente segundo João Arquimedes, “O Brasil, conforme estudo da NBB (National Biodiesel Board, órgão do USA), com o potencial agro-industrial que tem poderia liderar a produção mundial de Biodiesel, substituindo cerca 60% do óleo diesel de origem mineral do mundo.”
Imperialismo sufoca Biodiesel
Se são patentes todas as vantagens da utilização do Biodiesel, por que não estudá-lo, desenvolvê-lo e utilizá-lo em larga escala? O que impede que isto ocorra?
Para o professor João Arquimedes, a questão é política. “Todos os entraves e dificuldades desses anos de luta e para introduzir no mercado o Biodiesel são fruto da política subserviente do poder público, que tem se transformado em rigorosa burocracia a serviço dos interesses imperialistas”, diz.
Outra coisa importante que se relaciona à questão está ligada ao transporte no Brasil. Apesar da enorme costa marítima e da extensa malha fluvial do país, estes modais são sistematicamente negligenciados. Isso acarreta numa utilização bastante grande do óleo diesel, o que faz com que fabricantes e distribuidores do produto manobrem para que essa situação permaneça inalterada. Enquanto os monopólios agirem sobre todos os meios de nossa sociedade, só se faz o jogo dos grandes trusts internacionais.
Na verdade, a produção do biodiesel, pelos estudos dos seus pesquisadores, teria uma meta no Brasil dimensionada com base na substituição das importações de óleo diesel, ou seja, 6 bilhões de litros anuais. Ou mesmo uma produção de 20 bilhões de litros anuais, baseada na potencialidade de culturas como a mamona, soja, amendoim, dendê, babaçu e caroço de algodão.
O Pró-alcool dos anos 80, baseado na cana-de-açúcar e nas usinas produtoras do álcool, só aconteceu por pressões fortes de diversos setores da sociedade brasileira, incluindo aí uma parcela de empresários do ramo automobilístico e usineiros. Mesmo assim, todos conhecem os resultados que a pressão externa causaram. “Quando se fala em beneficiar a produção, dar emprego e renda para o povo, enfrentando os monopólios internacionais, não acontece e não se tem apoio”, conclui enfaticamente o professor Arquimedes.
Negócios com a mamona
Depois de todos esses anos sem receber nenhum incentivo, uma luz surge na escuridão em que foi destinado o programa do Biodiesel no Brasil durante o Governo passado. A TECBIO (Tecnologia Bionergética Ltda.), com o apoio de outras entidades, está negociando com o Governo do Estado do Ceará um convênio que vai — além de resgatar a cultura da mamona no Brasil — criar condições para desenvolver, em larga escala, a produção de biodiesel na região.
A informação é do Professor José Neiva Junior, diretor da empresa, que garante a produção de 10 mil hectares plantados em 2004. O projeto conta, segundo ele, com uma importante parceria feita com o empresário do Rio Grande do Norte, Ivanilson Araújo, da “Santana Semente”, que “assegura a compra de todas as sementes”. A meta é ambiciosa, podendo chegar a 110 mil hectares com uma produção de mil toneladas de óleo, e que vai envolver notadamente três pontos: a agricultura, agroindústria e o uso. Vinte e quatro usinas de beneficiamento, atualmente desativadas em várias regiões do Ceará — depois da quebradeira ocasionada pela administração Tasso Jereissati (PSDB) — deverão ser ativadas nesse projeto denominado de “Agronegócio da Mamona do Estado”.
Cansado de esperar “pela difícil homologação da ANP (Agência Nacional de Petróleo), o grupo hoje acredita que com o novo combustível e o apoio que se deverá ter do governo estadual, o Ceará vai ser pioneiro, com frotas rodando, em breve, com óleo de mamona.
A TECBIO também desenvolve um programa de “Impulsão e Difusão Tecnológica do Biodiesel”, em convênio com várias prefeituras e entidades do Nordeste. Possui unidade piloto de produção, com capacidade para produzir até 500 litros de biodiesel por 12 horas operacionais, em Fortaleza, Teresina, Varginha (Minas Gerais) e no Amazonas. Além desses projetos, a empresa tem planta portátil, com o objetivo de divulgar a tecnologia em congressos, seminários, universidades e parques industriais.