Quando os preços dos alimentos sobem, quem sofre com maior intensidade são os mais pobres, esse é um axioma irrefutável. De fato, a vulnerabilidade se assenta no fato de que a renda dos pobres em grande parte será destinada a cobrir as necessidades alimentares. O escritório regional da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), assinala que esse gasto oscila entre 60 e 70% da renda em alimentos. A situação é ainda pior nos países semicoloniais que importam tanto seus alimentos como hidrocarbonetos.
Não é difícil imaginar as implicações de semelhante gasto. Como os pobres são a maioria no planeta, isso acarreta consequências funestas nos lares de vastas legiões de seres humanos desnutridos ou subnutridos, cenário que cobra o protagonismo da alimentação barata que só serve para enganar a fome.
A América Latina, apesar de ser uma das regiões onde se registra menos inflação nos preços dos alimentos, sofre os embates da atual crise alimentar. De fato, a inflação dos alimentos está acima da inflação geral de preços, como indica a FAO, que ainda destaca que os preços do pão, dos cereais, as massas, óleos, gorduras e açúcares aumentaram de maneira generalizada.
Em janeiro deste ano, a alta dos preços se atenuou no Chile, Honduras e Nicarágua considerando-se os últimos doze meses. Na Bolívia ocorreu o contrário. Por causa das marchas e contramarchas na subida da gasolina no fim de 2010, decretada pelo gerenciamento Evo Morales, os preços dos alimentos dispararam consideravelmente. Em muitos casos, o incremento supera 100%, apesar de o manietado Instituto Nacional de Estatísticas da Bolívia seguir filtrando informação pouco confiável a respeito do monitoramento das variações de preços.
Dados do Banco Mundial projetam que esta alta de preços dos alimentos já fez cerca de 44 milhões de pessoas nos países semicoloniais caírem na pobreza. Desde junho de 2010 os preços começaram a se aproximar dos recordes alcançados em 2008.
Alguns países exportadores de commodities ou matérias-primas, como a Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Peru e Uruguai, receberam mais pela alta nos preços de produtos como ouro, açúcar, cobre, café. Mesmo assim, tal benefício é aproveitado apenas pelas classes dominantes desses países. Uma situação mais aguda é a vivida por múltiplos países da América Central e Caribe, que são absolutamente dependentes de produtos alimentícios e energéticos, entre eles o Haiti, El Salvador e Nicarágua. O Banco Mundial destaca que os alimentos subiram até 30%, enquanto que produtos agrícolas alcançaram um incremento de 65%.
Um dos motivos fundamentais para esse incremento de preços dos produtos agrícolas e alimentícios se deve a que a agricultura mundial agora não está destinada à provisão de alimentos, mas também para suprir as deficiências energéticas do capitalismo mundial. Aqui nos referimos à virada da agricultura, ao açambarcamento de grandes extenções de terra de cultivo para a produção de agrocombustíveis. De fato, tanto o milho e a soja, utilizados para produção de agrocombustíveis, ocupam, desde 2007, 49% da superfície cultivada na América Latina. Também se observa que muitos cultivos como trigo, arroz, sorgo e os feijões são destinados para a produção de etanol, aos quais deve se somar a cana-de-açúcar.
Mesmo assim, deve ser ressaltado que essa virada na produção agrícola também fez com que as forças especulativas capitalistas transformassem os alimentos em geral em commodities,matérias-primas suscetíveis de especulação nas bolsas de valores.
Essa situação incentivou também uma forte promoção de um processo de enfeudamento através da concentração de terras e recursos naturais, ainda mais quando se vem elevando exponencialmente a renda da terra através do encarecimento dos produtos alimentares e agrícolas.
Ante essa nova onda especulativa do capital, programas de luta contra a fome, como “Fome Zero” no Brasil, não são mais que maquiagens assistencialistas frente à ferocidade do capitalismo. Da mesma forma, são inúteis as manipulações cambiais tendentes a desvalorizar o dólar em relação às moedas nacionais latinoamericanas. São apenas paliativos insignificantes à inexorável alta de preços dos alimentos.
Tudo indica que o capital (a máfia) não perdoa. Nem sequer os alimentos, elemento fundamental para a subsistência da humanidade, escapam de sua dinâmica especulativa.