O colapso mundial e o Brasil

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O colapso mundial e o Brasil

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1A vulnerabilidade externa

O Brasil sofre longo processo de subordinação à oligarquia do poder mundial. Ao longo dos últimos 54 anos alguns setores e empresas permaneceram sob controle local ou passaram a este, mas, no conjunto, a desnacionalização, promovida pela política econômica, tornou-se geral.

No artigo  Contas externas vulneráveis, [AND 42, abril de 2008], mostrei a fragilidade estrutural da economia brasileira, acarretada pelo predomínio das empresas transnacionais e que as reservas internacionais decorrem de entradas de capital estrangeiro para cevar-se dos elevados juros e demais benesses, inclusive fiscais.

Em A nova crise do real (nº 46, setembro de 2008), observei: "Para futuro não muito distante gesta-se outra crise do real e mais um desgaste insuportável para a economia brasileira semelhante ao de 1998, quando a taxa dos títulos públicos chegou a 50% aa., sem que isso tenha evitado a desvalorização do real iniciada em 1999." 

Sendo a vulnerabilidade crônica e estrutural, as divisas estão fadadas a sair, engordadas pelos ganhos aqui auferidos, ao se tornar crítico o déficit nas transações correntes com o exterior. Isso aconteceria mesmo sem o impacto da depressão econômica nos EUA e Europa. De qualquer modo, acelerou-se a sangria das reservas, porque o capital se tornou difícil no exterior e por causa da queda dos preços das commodities.

Tudo isso ficou manifesto no resultado negativo de US$ 7,1 bilhões do balanço de pagamentos em novembro de 2008, recorde desde 1999.  A própria balança comercial (exportações menos importações) que vinha tendo grandes saldos, caiu 12,1%, até novembro, em relação a 2007. De 2003 a 2007, ela totalizara superávit de US$ 190,2 bilhões, mas não foi a fonte principal das reservas, porquanto o balanço de transações correntes, do qual a balança comercial faz parte, se limitou, no período, a US$ 28,3 bilhões, sem as transferências unilaterais.

O saldo comercial foi quase que totalmente anulado pelos déficits de serviços e de rendas (juros e lucros), de US$ 162 bilhões. Isso deixa bem claro que, apesar do volume colossal das exportações de recursos minerais e de produtos do agronegócio, as reservas não dão segurança, pois o grosso delas está amarrado a capitais voláteis.

Será o caso de conferir se, como creio, se dará a crise do real, ou se tem razão o dono da política econômica aboletado no Banco Central, o qual se gaba do nível recorde de reservas e assegura que haverá crescimento econômico em 2009. Ele omitiu que o recente aumento das reservas se deve ao adiantamento do Federal Reserve (FED) dos USA (US$ 30 bilhões até abril de 2009). Como observou César Benjamin, o capital de curto prazo entendeu o recado: tem alguns meses para ir embora sem grandes perdas.

2A Falha estrutural

O Brasil já se prejudicou demais por se atar ao sistema mundial de poder e às decisões deste. Agora, o colapso mundial faz pairar perspectiva ainda mais trágica que essa lamentável retrospectiva. Livrar-se da exponenciação dos desequilíbrios e libertar-se dos mecanismos de saqueio só será possível sob novo quadro institucional, que terá de remover as falhas estruturais da economia. A principal consiste no controle dos meios de produção por empresas transnacionais sediadas no exterior.

De 1996 a 2001, as entradas líquidas a esse título superaram US$ 100 bilhões. O IEDI (Instituto de Estudos para Desenvolvimento Industrial) concluiu que o avultado volume de investimento direto estrangeiro resultou no agravamento do déficit externo do País. Em 1995 as empresas estrangeiras respondiam por 31,8% dele, percentual que subiu para 61% em 2000, e responderiam por 67% do aumento da dívida externa no período.

Acrescento: 1) Os ingressos de investimentos estrangeiros diretos foram maiores de 2002 a 2007 (US$ 212,9 bilhões), embora as saídas se tenham elevado ainda mais (US$ 149,7 bilhões), resultando em entradas líquidas de US$ 63,2 bilhões.

2) O grosso dos lucros das transnacionais é remetido ao exterior a outros títulos que a remessa oficial de lucros, e esta cresce vertiginosamente: US$ 16,4 bilhões em 2006; US$ 21,3 bilhões em 2007. A média anual de 1994 a 2003 fora US$ 4,3 bilhões. Em 2008, só de janeiro a setembro, a conta ascende a US$ 27,5 bilhões.

3) O grosso do capital estrangeiro no Brasil provém de recursos ganhos localmente e de subsídios governamentais.

3 A percepção das "elites"

Sem falar dos alinhados ao Império anglo-americano, é preocupante que não avaliem adequadamente a realidade figuras destacadas dentre os não indiferentes à autodeterminação à prosperidade da sociedade nacional.

Em recente seminário patrocinado pelo Governo do Paraná, disse Carlos Lessa: "A crise atual é o resultado de 25 anos de excessos, com a globalização da superestrutura financeira." Mas a origem direta dos recentes excessos remonta a antes de 1960, quando se intensificou o mercado de "eurodólares", a movimentação de ativos financeiros fora do controle dos Estados nacionais, em refúgios fiscais offshore, a maioria em possessões britânicas e holandesas, e em centros europeus como Londres e Zurique. 

Do mesmo modo, as imposições do Império no âmbito da globalização não foram o determinante principal de ter sido o Brasil saqueado nos últimos 18 anos, através das negociatas das privatizações e de outras jogadas contra o País. Durante os 25 anos, de que fala Lessa, grande número de países não sofreu da política de terra arrasada aplicada no Brasil.

Por que? Porque suas estruturas econômicas formadas após a 2ª Guerra Mundial, e aí vão mais de 60 anos, não se basearam em empresas de capital estrangeiro, nem subsidiando essas empresas, como foi no Brasil.

O empresário Eugênio Staub falou do "crescimento brilhante" do Brasil, de 1900 a 1980, "que só não foi melhor, porque a partir de 1980 perdemos o rumo,  quando o Brasil entrou na conversa do Consenso de Washington".

Ora, só entramos nessa conversa, porque, de 1954 em diante, aumentaram as dependências financeira e tecnológica, levando a déficits de transações correntes devidos aos mecanismos das transferências ao exterior. Daí a dívida externa, a alavanca que fez pseudo-governos se curvarem ao Banco Mundial e ao FMI.

4A resposta das "autoridades"

O crédito secou para as atividades produtivas. Empresas nacionais, além dos efeitos da crise, encalacraram-se em operações de derivativos no exterior, induzidas pelo BACEN. 

As autoridades fazem o que deseja quem tem poder. A resposta delas foi liberar R$ 56 bilhões de depósitos compulsórios dos grandes bancos. Estes estão comprando carteiras de crédito de bancos menores e depositam títulos públicos no BACEN, em que auferem juros de 13,75% aa. Até o início de dezembro o governo havia gasto R$ 150 bilhões, a maior parte para "segurar" a taxa de câmbio e financiar swaps cambiais. 

Dércio Munhoz lembra haver R$ 150 bilhões em papel-moeda no Banco Central. Enquanto isso, a economia produtiva fica à míngua. Os bancos públicos financiam montadoras de automóveis e fusões de empresas.


Adriano Benayon é Doutor em Economia. Autor de Globalização versus Desenvolvimento, editora Escrituras. [email protected]

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