O surrealismo que caracteriza todas as situações desse mundo cativo do imperialismo produziu uma de suas piores aberrações no caso das Águas de Illimani, a empresa concessionária de águas de El Alto e La Paz, Bolívia, que tem como sócios principais a Suez e o próprio Banco Mundial — uma corporação financeira internacional. Verificadas divergências entre eles, o banco, como organismo internacional, indicou um órgão da sua estrutura, o Centro Internacional para Arbitragem de Conflitos Relativos a Investimentos — Ciadi para resolvê-las — uma decisão inexplicável.
Dispondo de todas as informações necessárias sobre as necessidades dos países mais explorados do mundo, o Banco Mundial é, atualmente, a única instituição que concede empréstimos a esses países, cativos de capitais acumulados pela mais criminosa política que os magnatas internacionais conseguem praticar em todos os continentes. Roubam, depois emprestam à vítima com juros.
Missão franciscana
Essa instituição alardeia que cumpre uma missão franciscana, mas quem lá decide tudo são os agentes de maior confiança do monopólio do capital financeiro, que controlam todo o World Bank Group, através de seus organismos — como o Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento — Bird, a Associação Internacional para o Desenvolvimento — AID, a Companhia Financeira Internacional — CFI e o Centro Internacional para Arbitragem de Conflitos Relativos a Investimentos — Ciadi.
Na década passada, por exemplo, o BM concedeu aos países do Terceiro Mundo créditos de longo prazo num montante superior a 225 bilhões de dólares. Isso inclui avalizar a criação de infra-estrutura para créditos de investimento. Claro que, a partir daí,os países vítimas tornam-se hospedeiros de determinados empréstimos enfiados goela abaixo.
O conjunto das relações materiais de produção (formas de propriedade dos grandes meios de produção e os laços que essas formas estabelecem no processo social de produção e de distribuição dos bens materiais) constituem a estrutura econômica da sociedade, ou seja, a base, a infra-estrutura da sociedade. Para que haja essa infra-estrutura, é preciso haver forças produtivas (os homens, instrumentos de produção, ofícios, hábitos de trabalho etc) em determinadas condições de desenvolvimento, capazes de organizar a produção social. Os homens só podem produzir socialmente estabelecendo relações econômicas, sociais, de produção. A infra-estrutura é, portanto, o fundamento para se estabelecer a super-estrutura: as idéias políticas, jurídicas, filosóficas, éticas, artísticas etc, da sociedade, bem como as instituições e organizações que correspondem a essas idéias.
Em consequência, a infra-estrutura do país que cai nas garras do BM, ou seja, das maiores quadrilhas que escravizam o mundo, jamais permitirão que as forças produtivas se libertem e que o país “beneficiado” por tais empréstimos se torne independente.
Em alguns casos — como na República do Níger (país do centro-oeste da África, vizinho à Líbia, Argélia, Máli, Nigéria e Chade) — o Banco Mundial também assume (em segunda posição, atrás dos doadores bilaterais) o déficitorçamentário do país tornado miserável de vez. Além disso, “financia”, anualmente, centenas de projetos de “desenvolvimento”, associando-se às empresas, na maioria empreiteiras que vão executá-los como, por exemplo, a AG Concessões, da Andrade Gutierrez, como se pode constatar no sítio da Internet www.agcsa.com.br.
Controle total
O Banco Mundial “financia” o governo boliviano (financia para receber juros para o resto da vida), participa de concessionária (aufere os lucros) e arbitra as divergências (recebe indenizações julgadas pelos seus próprios agentes). O monopólio dos meios de comunicação (vinculado às quadrilhas mundiais da agiotagem) diz que o Banco Mundial existe para ajudar os “países em desenvolvimento” e ser “parceira” na melhoria da vida dos mais pobres. Mas quem se der ao trabalho de analisar o próprio regimento do BM verificará que ele existe para incentivar os monopólios privados, notadamente ianques, cujas negociações financeiras servem apenas para sujeitar as vítimas às condições mais espoliadoras e humilhantes.
O episódio envolvendo a Águas de Ilimani, na Bolívia, deixou evidente que foi fraudulento o processo de concessão dos serviços de distribuição de água, sendo a população mantida na mais absoluta ignorância sobre o que estava acontecendo. Duzentas mil pessoas ficaram de fora do fornecimento de água, por serem pobres que não davam retorno.
Quanto aos investimentos anunciados pelos concessionários eram, na verdade, empréstimos subsidiados e até doações à empresa distribuidora de água. Ela recebeu, do governo boliviano, instalações prontas para a distribuição, mas não pagava nada ao município. As tarifas foram vinculadas ao dólar e, já no início do contrato, foi estabelecido aumento extorsivo no preço do fornecimento de água. O setor público (no final das contas, o povo) passou a pagar altos preços pela água. A ligação de uma residência ao sistema de distribuição, passou a custar — se comparada a “nossa” moeda — o equivalente a 3 mil reais.
As regiões pobres foram mantidas sem medidores, para que os concessionários pudessem cobrar o que apelidaram de “taxa mínima”, mas que correspondia ao volume bem acima do gasto habitual da região. É a sórdida busca do lucro máximo, muito longe do que alegam ser “prestação de serviços”.
Os concessionários não mantinham adequadamente a infra-estrutura e nunca se preocuparam em preservar as águas pluviais. Impuseram o segredo sobre informações. Os municípios ainda tinham que pagar à concessionária a “recuperação de investimento”, ao final do contra to, mesmo com lucro, por acordo, estabelecido de 13%.
Tudo instigado pelo Banco Mundial, que é acionista beneficiário dos lucros sobre a distribuição de um bem que é essencial à vida humana. Mais que uma fraude, um genocídio, porque muita gente morre se não tem acesso a água potável.
Credor preferencial
Na terminologia bancária, o Banco Mundial é conhecido, por toda parte, como o “credor de último recurso” (lender of last resort), aquele que está em posição de impor ao devedor as condições que quiser. O atual presidente do Banco é o ianque Paul Wolfowitz, eleito por unanimidade pela Diretoria Executiva, em 31 de março de 2005.
Um dos maiores assassinos de guerra que o mundo já conheceu, Robert Mc Namara, chegou a ser secretário de Defesa do USA nos tempos da invasão ianque ao Vietnã, foi mais tarde presidente do Banco Mundial. Naquele momento, ele aumentou em cerca de US$ 100 bilhões os “empréstimos” concedidos aos vários mercados nacionais.
O jornalista Jerry Mader, no livro Le Procès de la mondialisation que publicou na França em 2002, acusa, em alguns trechos, o seguinte:
Robert Mc Namara matou mais gente como banqueiro do que nos massacres que comandou no Vietnã, como secretário da Defesa” (…) “Forçou os países do Terceiro Mundo a aceitarem as condições dos empréstimos do Banco Mundial e a transformarem sua economia tradicional com o objetivo de maximizar a especialização econômica e o comércio mundial”. (…) “Atualmente, encontram-se por todo o Terceiro Mundo enormes barragens afundadas na lama, estradas esburacadas que não levam a lugar algum, edifícios de escritórios vazios, florestas e campos devastados e dívidas monstruosas que jamais haverá condições de pagar”. (…) “Por maior que tenha sido a destruição semeada por esse homem no Vietnã, ele se superou durante sua gestão à frente do Banco Mundial.
Mapa da mina
Eis como opera o Banco Mundial:
- Financia empreendimentos dos monopólios mundiais com taxas absurdas de juros.
- Participa dos “consórcios executores” (recebe os mais extorsivos dividendos).
- Não aceita fiscalizações, criando seu próprio sistema contábil.
- Torna-se ele próprio árbitro das divergências.
O episódio envolvendo a Águas de Ilimani, na Bolívia, deixou evidente que os “investimentos” anunciados pelos concessionários eram, na verdade, empréstimos subsidiados, e até doações, feitas pelo próprio governo boliviano que não precisava pedir coisa alguma ao Banco Mundial.
Estratégias análogas acontecem em várias partes do mundo. No Brasil, aquela mesma Suez opera travestida em Águas de Limeira — concessionária em Limeira, estado de São Paulo. Essa empresa está sendo processada pelo Ministério Público numa pauta semelhante à observada em outros locais ( Águas de Limeira : Suez 50%, Odebrecht 50% )
As transnacionais infiltradas sempre obrigam a administração pública a se submeter ao sistema de EBITDA (earnings before interest and taxes, depreciation and amortization). Tradução: rendimentos antes dos juros e dos impostos, da depreciação e da amortização enviando para os acionistas mensalmente, antes de qualquer outro pagamento, o fluxo de caixa da empresa.
Metrô paulista
A propósito: surge no noticiário o problema do metrô, trecho 4, em obras realizadas pelo consórcio Via Amarela — constituído pela Odebrecht, OAS, Queiroz Galvão, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez. O contrato estabelece um sistema turn-key, pelo qual o consórcio é responsável por todas as etapas, inclusive a fiscalização de suas próprias atividades. (?!)
O consórcio, assumindo a privatização do metrô, terá todas as garantias governamentais(!) para obtenção do seu superlucro sobre o movimento de 3 milhões de passageiros/dia. Há concessões que têm lucro estabelecido em contrato garantido pelo governo (Ribeirão Preto). Que tal um faturamento de 6 milhões por dia para alimentar os ávidos acionistas?
Pois esse é o Metrô SP.
Não se trata de fato isolado. Em estradas do interior financiadas pelo BIRD, com empréstimos desnecessários em dólar, uma corporação dessas executa a obra e a outra “fiscaliza”. Isto leva a perguntar, de imediato, se existe governo no Brasil.
Ao que parece, a omissão oficial em São Paulo e em outros locais aparece em muitos dos emaranhados consórcios que traficam no ramo de distribuição de energia, água, comunicação, rodovias. Todos são setores em que o brasileiro está submetido a taxas absurdas. Mas não é só: os trabalhadores antigos são expulsos de seus empregos, passa haver uma terrível redução do quadro de empregados, com correspondente sobrecarga de trabalho para os remanescentes, automatizações e outros artifícios que aumentam a exploração do trabalho, a pretexto de redução de custos (na realidade, aumento criminoso de lucros), com consequente aumento da penúria do brasileiro de uma maneira geral.
É de pasmar. Em todas as concessões a Andrade Gutierrez se faz presente como a subsidiária, havendo apenas três acionistas principais: A.G. SA; Banco Mundial e Fundo Atlântico (o fundo de previdência complementar dos funcionários da Telemar, o que significa que o Banco Mundial também é dono da Telemar.
E não pára nisto. Nas rodovias, onde os caminhoneiros destilam seu ódio aos sucessivos e abusivos pedágios, estão presentes a AG Concessões e o Banco Mundial, com ebitda e outras malandragens que juridicamente têm o nome de lucro.
Afinal, qual a participação do Banco Mundial? Está na AG Concessões — 13,57%; Companhia Paulista de Força e Luz; Consórcio do Metrô Paulista; Ponte S.A. (pela AG); Nova Dutra; Via Lagos; Rodo Norte; Auto Ban; Grupo Light; Rio Minas Energia Participações S.A.); Sanepar (com o grupo Dominó que tem 39,4%); Waterport S.A. Porto de Santos; Telemar (por AG Telecom Participações/ AG); Endesa Brasil (da Ampla e da Coelce);
Todas as informações constam dos relatórios das empresas, mas o que se denuncia é apenas pequena parte do que está acontecendo, uma vez que é muito difícil deslindar o cipoal das ligações, mesmo envolvendo poucas “empresas” que, parceiras do Banco Mundial, estão se apossando e controlando atividades essenciais ao ser humano e à vida do país: energia, água, transporte e comunicação.
Processo semelhante se desenvolve para a cartelização das sementes e produção de alimentos. Porém o monopólio dos meios de comunicação guarda eterno silêncio sobre o caso. Muitas informações são sonegadas e até para órgãos oficiais e ministérios. De repente, o pesquisador se depara com a resposta de que se trata de assunto confidencial. O interesse da Suez na Copasa só foi detectado num relatório da própria Suez no portfólio de investimentos
Além disso, os nomes das empresas mudam, como a Vivendi dona da Nestlé, Perrier, Águas de São Lourenço, Águas de Petrópolis, Laboratório Roche e um sem número de empresas no mundo que em consequência de problemas com seu último presidente passou a ser Veolia. Há muitos arranjos, incorporações e compras que indicam a concentração do controle por poucos.
Presente em todas
Hoje, é muito difícil saber o que realmente está acontecendo porque atrás das posições oficiais há acordos de acionistas que tendem a colocar as grandes corporações em situações muito vantajosas.
Um bom exemplo é a Sanepar. Em 8 de junho de 1998, o estado do Paraná alienou 39,71% das ações ordinárias para a Dominó Holdings, da qual fazem parte a Sanedo, uma empresa dominada pela Vivendi-Veolia, a construtora Andrade Gutierrez, o Banco Opportunity e a Copel participações. Camuflado como Andrade Gutierrez ali está o Banco Mundial!
Mesmo minoritário, o grupo Dominó fez um estranho acordo de acionistas que permitiu deter o comando real da empresa de economia mista (tipo de empresa que o monopólio da imprensa sempre chama de estatal), a partir da indicação dos diretores pelo acionista minoritário.
Somente agora, já no final do primeiro mandato do governador Requião, é que o estado do Paraná conseguiu, na justiça, a nulidade do acordo de acionistas para permitir a retomada da Sanepar.
Subitamente, a Light é comprada pela RME — Rio Minas Energia e Participações S.A., composta pela CEMIG, Andrade Gutierrez Concessões, Pactual Energia e Luce Brasil. E o que acontece?
A CEMIG, dita estatal de energia, destinada a atender um serviço essencial, não tem mais nenhuma postura social, tanto que compra o mega watt por R$ 122, em Furnas, e repassa por R$ 600 para os consumidores residenciais. Ao que tudo indica, houve influência dos acionistas infiltrados pelas corporações financeiras, que a alijaram do seu objetivo original para engajá-la em consórcios e negociações. Nesta operação, o Banco Mundial é sócio da Light sob o manto da AG Concessões.
O quadro surrelista leva a indagar qual a vantagem de transferir os serviços essenciais, que são atribuições do Estado. Qual a razão de a Copasa enviar EBITDA de R$ 400 milhões, em 2003; R$466 milhões, em 2004, e R$ 586, em 2005, ao invés de atender aos mineiros do Brasil?
Os bens municipais têm a guarda dos prefeitos e vereadores, os dos estados têm que receber a vigilância dos governadores e deputados. Nenhum presidente ou o Legislativo pode alienar bens públicos que são da nação e do povo.
Isto é crime de lesa-pátria. Mas para esses, o monopólio da imprensa não pede prisão de segurança máxima, não paparica a ação das milícias, da Força Nacional de Segurança, não pede pena de morte, nem faz a apologia da bala perdida.
Rui Nogueira, médico, pesquisador e escritor Portal : www.nacaodosol.org Endereço eletrônico: [email protected]