O destino dos tributos: lucros dos bancos

O destino dos tributos: lucros dos bancos

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O sr. Lula da Silva declarou que o Brasil não é governado por um alcoólatra. Não se pode saber se isso é verdade sem conhecer os hábitos etílicos dos oligarcas do poder mundial e os de seu preposto no Brasil, oficialmente à frente do Banco Central.

O que está claro são os destaques da economia em 2003, primeiro ano do vice-reinado a cargo do Bank of Boston. O primeiro refere-se à área que lhe é mais cara (e exorbitante para o país): a dos bancos.

Os 25 maiores lucraram oficialmente R$ 16,9 bilhões, 15,3% mais do que em 2002 (6,3%, corrigida a inflação pelo IGP-DI — Índice Geral de Preços-Disponibilidade Interna). Em 2002, os lucros dos bancos já tinham sido recordes: quase o dobro dos de 2001, quando os 10 maiores bancos privados obtiveram lucros 180% superiores aos de 1994, já descontada a inflação. O patrimônio líquido deles aumentou 70%, e a rentabilidade, 64%. Além disso, os impostos pagos por eles diminuíram 50%. Nesse processo, que parece não ter fim, há também a concentração: em 2003, couberam a 10 bancos 83,4% dos lucros arrebatados pelos 25 maiores.

Grandes prejudicados: os assalariados, já assolados pelo afundamento de sua participação na renda nacional (hoje a metade da de 1964).

Um estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) indicou que, em 2002, os bancos pagaram tributos iguais a 16,85% de seus lucros brutos, enquanto a carga tributária do setor produtivo alcançava 34,76%. O Instituto esqueceu de recordar que no “setor produtivo” as megaempresas transnacionais não contribuem para o Erário nem com a metade disso, pois transferem para o exterior, a título de despesas, a maior parte de seus lucros reais, assim ocultados pela contabilidade.

A carga tributária, em constante alta, traduz-se no escorchamento cada vez maior das microempresas e das pequenas e médias. A média anual da taxa paga pelas empresas em 2003 não decresceu em relação à de 2002 (redução desprezível de 0,7 ponto percentual), apesar da Selic (Sistema Especial de Liquidação e Custódia) ter caído 8,5 pontos percentuais, do fim de 2002 ao de 2003.

A análise detalhada dos dados de 2002 confirma a preponderância no lucro dos bancos das operações de tesouraria com títulos públicos. De 2001 para 2002, o resultado obtido com títulos e valores mobiliários por 50 bancos cresceu 69,8%, de R$ 47,7 bilhões para R$ 81,1 bilhões. Em grande parte, isso proveio dos fantásticos rendimentos dos títulos indexados à taxa de câmbio do dólar, que correspondiam a quase 40% do total da dívida mobiliária interna. A valorização do dólar foi 52,5% naquele ano.

Em setembro de 2002, por exemplo, o Banco Central (BC) vendeu contratos cambiais pagando taxas de 60% ao ano além da variação do dólar. Bancos que captam dinheiro no exterior, e o faziam a 4% a 5% aa., abocanharam essa incrível diferença. O mais notável é que, em 2003, a taxa do real se recuperou em 22%, e as instituições bancárias mantiveram lucros elevados, mediante a fixação da Selic em taxa real média, superior à de 2002.

As taxas dos juros públicos acarretam as ainda mais altas, pagas pelo setor privado. Por isso, a segunda maior fonte dos ganhos dos bancos tem sido os empréstimos, apesar de, por causa dos juros proibitivos, o volume do crédito no Brasil ser muito inferior ao que a economia necessita. Em 2002, a diferença média entre a taxa de juros cobrada às empresas e o custo de captação foi 24% aa.. Às pessoas físicas, 56% aa. As receitas de crédito dos 50 maiores bancos aumentaram 38,8%, de R$ 60,85 bilhões para R$ 84,5 bilhões.

O faturamento com as tarifas alcançou R$ 21 bilhões em 2002, quantia 429,3% maior que a auferida em 1994 (R$ 3,8 bilhões). Essa fonte, em 2002, cobriu 90% das despesas de pessoal, que declinaram com auto-matização, bem como com as privatizações de bancos, redundantes em copiosas demissões de bancários.

Ilustrar, com exemplos, o poder político de que desfrutam os bancos ocuparia muitos volumes. Menciono aqui só mais alguns:

1 As tarifas por serviços são fixadas discricionariamente pelos bancos, sob o olhar permissivo da autoridade reguladora, i.e, o Banco Central. A Lei de Defesa do Consumidor (de 1990) prevê que o CADE (Conselho Administrativo de Direito Econômico) assegure os direitos dos consumidores também em relação aos bancos. Ela não está sendo aplicada, e a Febraban (Federação Brasileira dos Bancos) impetrou no STF (Superior Tribunal Federal) Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) dessa Lei. Como a tendência do STF seria a de considerá-la constitucional, o ministro Nelson Jobim solicitou, há anos, vista do processo, e, assim, a ADIN não foi julgada.

2Parecer normativo do então Consultor-Geral da República, Saulo Ramos, pouco após a Constituição de 1988, determinou não fosse considerado auto-aplicável, i.e, sem regulamentação em Lei, o dispositivo da Carta Magna que estabelece o limite de 12% aa. de juros reais. Essa interpretação prevalece até hoje, não obstante, ser o dispositivo claríssimo e objetivo. Ele reza: “Art. 192 § 3.º As taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar.” De resto, 12% aa. reais é um valor altíssimo, só encontrado em economias instáveis e, ainda assim, excepcionalmente.

3A nova Lei das Falências foi aprovada em 2003/2004 por meio das usuais pressões (rolo compressor), as quais obtêm o que quer que seja do Congresso Nacional, principalmente se constar das Cartas de Intenção do ministro da Fazenda e do presidente do Banco Central ao FMI. Essa lei, prometida da Carta de 28 de fevereiro de 2003, favorece impudentemente os bancos. A anterior privilegiava os créditos fiscais e trabalhistas. Agora, estes vão ser limitados a um valor ridículo, facilmente ultrapassável, que fará os bancos passarem à frente dos demais credores. Os devedores ficam sujeitos a punições desmedidas, o que é especialmente danoso à economia do país, porque as empresas nacionais, premidas por juros e impostos intoleráveis, estão sendo levadas, em massa, à concordata ou à falência. Carecem de fundamento as alegações de que a causa dos juros extorsivos cobrados pelos bancos está no alto índice de inadimplência. Na verdade, esse índice decorre do mesmo destrutivo modelo econômico cujos enfants gâtés (filhos mimados) são as “instituições de crédito”.

4Todas as vantagens concedidas aos bancos, supostamente para reduzir os juros, serviram, ao contrário, para que eles as embolsassem. Assim foi com a redução dos depósitos compulsórios no Banco Central, os quais chegaram até a ser remunerados. De 2001 para cá, essas reservas obrigatórias foram abaixadas de 75% para 60%, sem repercussão sobre as taxas de juros. O mesmo se deu com a diminuição do IOF de 15% em 1999 para 1,5% nos últimos anos.

5 O privatizado Banespa, hoje Santander (banco basco, onde há interesses britânicos) gerou lucro de R$ 4,5 bilhões na soma de 2002 e 2003. A R$ 3,00 por dólar, mais de US$ 1,5 bilhão em apenas dois anos. Média de US$ 750 bilhões por ano. Pois bem: no final de 2000, o ministro Carlos Velloso, então presidente do STF, cassou inúmeras liminares concedidas para suspender a privatização do Banespa, eivada de enormes inconstitucionalidades e irregularidades, como diferenças de bilhões de dólares na avaliação do preço mínimo. Esse foi pífio: R$ 1,85 bilhão, ou seja, 1 bilhão a menos que o lucro de 2003. No leilão houve ágio de 281%, mas o corrupto esquema das privatizações concede aos compradores créditos fiscais em quantia equivalente ao ágio.

Qual foi a “razão” alegada pela Advocacia Geral da União e acolhida pelo ministro do STF? Que se não se perpetrasse a negociata, a União perderia o equivalente a US$ 300 milhões por ano, soma estimada dos juros que a União economizaria se usasse o produto da venda para liquidar títulos públicos. O absurdo não pára aí: o Santander não despendeu nem metade do capital que alegadamente ensejaria à União poupar os US$ 300 milhões (de resto, calculados na base das altíssimas e desnecessárias taxas de juros dos títulos públicos). Isso porque os créditos fiscais pregressos do Banespa equivaliam a mais que a metade do preço do controle da instituição.

Por fim, os impressionantes lucros dos maiores bancos podem estar muito subcalculados, porque, especialmente os transnacionais, os reduzem transferindo-os exterior. As transnacionais financeiras absorveram grandes bancos estatais e privados nacionais, despendendo frações minúsculas do patrimônio “adquirido”, ficando, ademais, liberadas de passivos fiscais e trabalhistas que pesavam sobre as instituições desnacionalizadas. Tudo isso sob a proteção do “governo” de 1995 a 2002, por meio do Proer1 (bancos privados) e Proes2 (estatais). Segundo um certo Carlos Eduardo de Freitas, diretor do Banco Central, à época da privatização do Banespa, a União gastou R$ 60 bilhões em ajuda financeira, no âmbito do Proes.

 


1 Proer: Programa de Estimulo à Reestruturação a ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional
2 Proes: Programa de Apoio à Reestruturação e ao Ajuste Fiscal dos Estados *Adriano Benayon é Doutor em Economia pela Universidade de Hamburgo, Alemanha. Autor de Globalização versus Desenvolvimento.

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