Na primeira semana de outubro, um dos maiores bancos estrangeiros que operam no Brasil, o ABN Amro, foi comprado por um grupo de outros bancos internacionais — um espanhol, um belga-holandês e outro escocês. A notícia foi dada em primeira mão pelo porta-voz do grande capital europeu, o jornal Financial Times.
O banco Itaú e o Bradesco, preocupados, não tardaram em anunciar a intenção de adquirir bancos menores do país a fim de manterem suas posições no monopólio bancário que vem batendo recordes de lucros a custa do endividamento do povo brasileiro.
E o povo brasileiro foi o último a saber dessas manobras do capital financeiro, sejam as anunciadas aqui, seja a consumada em outros países por arranjos do capital monopolista.
A administração FMI-PT, comprometida com o poder econômico, não tomou e não tomará qualquer atitude, a exemplo da complacência com a quebra do monopólio estatal do petróleo para entregar as jazidas nacionais a umas poucas petrolíferas estrangeiras — o mesmo foi feito, entre outros exemplos, com o sistema Telebrás. Os órgãos responsáveis pela medidas antimonopólio o são apenas na teoria. Na prática, ou não funcionam, ou são funcionais ao entreguismo.
Todo movimento feito dentro da lógica capitalista para domesticar o poder econômico será sempre, além de marcado pela demagogia, condenado ao fracasso. Caso funcione segundo o esperado pelas classes dominantes, o fará debaixo de corrupção e de instrumentalização à favor do capital monopolista. Numa hipótese ou noutra, será sempre uma trapaça. É o caso das chamadas autoridades anti-truste, que já nascem tortas, assentadas no princípio fraudulento de que a concorrência e o monopólio são excludentes entre si, quando na verdade os monopólios, oligopólios e cartéis foram frutos da acumulação de capital proporcionada exatamente pela livre concorrência, intensificando a exploração da classe trabalhadora e consolidando a opressão do poder econômico.
No Brasil, como em outras nações ofertadas por suas elites à rapinagem imperialista, o que vale para as autoridades anti-truste vale também para as chamadas agências reguladoras dos setores de energia, petróleo e telecomunicações, para ficar em apenas três áreas estratégicas cobiçadas pelo imperialismo. Seja por ação, seja por omissão, elas regulam o país a favor das grandes empresas internacionais.
O Cade, uma fachada
A propaganda imperialista, repercutida por governos subservientes, diz que todo este aparato existe para conter os eventuais "abusos", como se as práticas rotineiras do poder econômico não disseminassem — via de regra — a exploração, a opressão, a concentração de riquezas, o desemprego, a corrupção, a despolitização e o enfraquecimento das instituições públicas.
Foi sob a mentira de que a truculência do poder econômico é um excesso esporádico a ser contido que a administração de Itamar Franco criou em 1994 o Conselho Administrativo de Defesa Econômica, o Cade, que na prática apita apenas em questões relacionadas a bens de consumo, como fusões entre fábricas de cerveja e de pastas de dente, e nunca no que diz respeito a setores estratégicos da economia nacional dominados pelos monopólios imperialistas.
Assim, o Cade é fundado sob o embuste de que resguardar a concorrência de produtos nas prateleiras dos supermercados é o máximo que se pode fazer contra os monopólios e oligopólios que operam no Brasil. A farsa chega mesmo a ser apresentada como uma política pública das mais importantes, se não primordial. A justificativa é velha, tentando fazer crer que mais concorrência é sinônimo de preços baixos e melhor qualidade.
Ainda que isso fosse verdade, e não é, esta conversafiada insulta o povo trabalhador, que de protagonista de longa história de lutas por emancipação passa a ser tratado como uma multidão desorientada cuja única escolha é entre este ou aquele produto, mais ou menos barato.
A lei antitruste brasileira, propondo-se a resguardar a "livre iniciativa" e a "livre concorrência", na prática assegura por omissão as operações de rapinagem do capitalismo monopolista em território nacional, trabalhando contra os interesses do povo brasileiro.
Assim, a breve história do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social está longe de ser o que diz que é, ou seja, a história de um controle democrático das práticas dos grandes conglomerados e corporações. Pelo contrário: o momento é de ofensiva imperialista e de avanço do capital monopolista sobre setores como o sistema bancário, as jazidas de petróleo e o sistema nacional de telecomunicações.
O "Acordo" com o USA
As apreciações sobre os grandes monopólios imperialistas sequer passam pelas agências reguladoras ou por outras instâncias de controle — e de fachada — sob o comando da administração FMI-PT.
Não existe qualquer controle democrático sobre, por exemplo, as decisões dos órgãos antitruste do USA que têm efeitos no Brasil. Para as grandes empresas ianques que mantêm operações em território nacional, o que vale é o princípio da extraterritorialidade das leis anti-monopólio arquitetadas em Washington — princípio que conta com a conivência dos entrepostos locais do USA para que essas empresas possam de fato adotar práticas monopolistas longe de seu território de origem.
Nesse sentido — o da subserviência — foi assinado o "acordo" entre o Brasil e o USA, em outubro de 1999, pelo então ministro da Justiça de Fernando Henrique Cardoso, José Carlos Dias. Acordo que foi aprovado pelo Congresso Nacional em junho de 2002.
O documento fala de "cooperação" entre as chamadas autoridades de defesa da concorrência dos dois países a fim de possibilitar a aplicação de ambas as legislações — a ianque e a brasileira —, mas deliberadamente passa ao largo de dois aspectos cruciais: a inconsistência da legislação antitruste brasileira e a natureza imperialista das decisões antimonopólio das autoridades do USA. Isso significa que é um acordo com discurso igualitário, mas que serve apenas para que os ditames imperialistas atropelem a frágil legislação nacional.
É o que está por trás da letra jurídica do acordo, que na prática compromete eventuais tentativas de regulação independente do Brasil, apesar do discurso de tom democrático:
"Promover a efetiva aplicação de suas leis de concorrência, por meio da cooperação entre suas autoridades de defesa da concorrência; levando em consideração suas estreitas relações econômicas e observando ser a firme e efetiva aplicação de suas leis de concorrência matéria de importância crucial para o funcionamento eficiente dos mercados e para o bem-estar econômico dos cidadãos dos seus respectivos países; reconhecendo que a cooperação e a coordenação nas atividades de aplicação das leis de concorrência podem resultar em um atendimento mais efetivo das respectivas preocupações das Partes, do que o que poderia ser alcançado por meio de ações independentes".
Cláusula de adestramento
Mas o acordo de livre-trânsito para a truculência legal imperialista prevê também, sob a mesma linguagem igualitária, que as faces ocultas das práticas monopolistas de empresas ianques no Brasil deverão permanecer em segredo. Está lá:
"A menos que acordado de forma diferente pelas Partes, cada Parte deverá manter o máximo de confidencialidade possível sobre as informações a ela fornecidas em sigilo pela outra Parte, nos termos deste Acordo. Cada Parte deverá se opor, ao máximo possível e em consistência com as leis daquela Parte, a qualquer pedido, de uma terceira Parte, de fornecimento de tais informações confidenciais".
Há, ainda, uma inacreditável cláusula de adestramento dos funcionários do Cade:
"As Partes concordam que é do interesse recíproco de suas Autoridades de Defesa da Concorrência trabalhar conjuntamente em atividades de cooperação técnica relacionadas à aplicação de suas leis e políticas de concorrência. Essas atividades incluirão, dentro de um quadro razoável de recursos disponíveis dos órgãos de defesa da concorrência: o intercâmbio de informações conforme o Artigo III deste Acordo; o intercâmbio de funcionários dos órgãos de defesa da concorrência para fins de treinamento nos órgãos de defesa da concorrência da outra Parte; a participação do pessoal dos órgãos de defesa da concorrência como conferencistas e consultores em cursos de treinamento sobre leis e políticas de concorrência, organizados ou patrocinados por suas Autoridades de Defesa da Concorrência; e quaisquer outras formas de cooperação técnica que as Autoridades de Defesa da Concorrência das Partes acordarem serem apropriadas para os fins deste Acordo".
Assim a grande burguesia internacional conta com as burguesias locais, que são pedaços dela, para passar por cima dos interesses nacionais e deixar o imperialismo à vontade para se apoderar de setores estratégicos, aprofundando a submissão do povo brasileiro.
O Estado da grande burguesia e dos latifundiários, corrupto e conivente, jamais irá regular ou controlar o capital monopolista. Não pode e não quer. Cabe ao povo dar seguimento ao processo revolucionário em curso e conquistar ele mesmo o controle verdadeiramente democrático, não do capital, que precisa ser derrotado, mas do seu próprio destino.
Da livre concorrência ao monopólio
A ciência oficial procurou aniquilar, por meio da conspiração do silêncio, a obra de Marx, que tinha demonstrado, com uma análise teórica e histórica do capitalismo, que a livre concorrência gera a concentração da produção, e que a referida concentração, num certo grau do seu desenvolvimento, conduz ao monopólio. Agora o monopólio é um fato.
O resumo da história dos monopólios é:
1 Décadas de 1860 e 70, o grau superior, culminante, do desenvolvimento da livre concorrência os monopólios não constituem mais do que germes quase imperceptíveis.
2 Depois da crise de 1873, longo período de desenvolvimento dos cartéis, os quais constituem ainda apenas uma exceção, não são ainda sólidos, representando ainda um fenômeno passageiro.
3 Ascenso de fins do século 19 e crise de 1900-03. Os cartéis passam a ser uma das bases de toda a vida econômica. O capitalismo transformou-se em imperialismo.
Concentram-se frequentemente sete ou oito décimas partes de toda a produção de um determinado ramo industrial… os cartéis estabelecem entre si acordos sobre as condições de venda, os prazos de pagamento, etc. Repartem os mercados de venda. Fixam quantidades de produtos a fabricar. Estabelecem os preços. Distribuem os lucros entre as diferentes empresas, etc.
De modestos intermediários que eram antes, os bancos transformam-se em monopolistas onipotentes, que dispõem de quase todo o capital-dinheiro do conjunto dos capitalistas e pequenos patrões, bem como da maior parte dos meios de produção e das fontes de matérias-primas de um ou de muitos países.
Concentração da produção; monopólios que daí resultam; fusão ou junção dos bancos com a indústria: tal é a história do aparecimento do capital financeiro…
O capital financeiro concentrado em pouquíssimas mãos e gozando do monopólio efetivo obtém um lucro enorme que aumenta sem cessar com a constituição de sociedades, emissão de valores, empréstimos do Estado etc., consolidando a dominação da oligarquia financeira e impondo a toda a sociedade um tributo em proveito dos monopolistas.
O que caracterizava o velho capitalismo, no qual dominava plenamente a livre concorrência, era a exportação de mercadorias. O que caracteriza o capitalismo moderno, no qual impera o monopólio, é a exportação de capital.
A passagem do capitalismo à fase do capitalismo monopolista, ao capital financeiro, se encontra relacionada com a exacerbação da luta pela partilha do mundo.
Quanto mais desenvolvido está o capitalismo, quanto mais sensível se torna a insuficiência de matérias-primas, quanto mais dura é a concorrência e a procura de fontes de matérias-primas em todo o mundo, tanto mais encarniçada é a luta pela aquisição de colônias… os interesses da exportação de capitais levam do mesmo modo à conquista de colônias, pois no mercado colonial é mais fácil (e por vezes só nele é possível), utilizando meios monopolistas, suprimir o concorrente, garantir encomendas, consolidar as 'relações' necessárias etc.
Os capitalistas não partilham o mundo levados por uma particular perversidade, mas porque o grau de concentração a que se chegou os obriga a seguir esse caminho para obterem lucros; e repartem-no 'segundo o capital', 'segundo a força'; qualquer outro processo de partilha é impossível no sistema de produção mercantil e no capitalismo.
O imperialismo é a época do capital financeiro e dos monopólios, que trazem consigo, em toda a parte, a tendência para a dominação, e não para a liberdade. A reação em toda a linha, seja qual for o regime político… intensifica também particularmente a opressão nacional e a tendência para as anexações, isto é, para a violação da independência nacional.
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(Trechos extraídos de Imperialismo, Etapa Superior do Capitalismo — V.I.Lenin — 1916)