O embuste do “capitalismo popular”

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O embuste do “capitalismo popular”

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http://jornalzo.com.br/and/wp-content/uploads/https://anovademocracia.com.br/46/16b.jpgLuiz Inácio no Brasil, Hugo Chávez na Venezuela, o casal Kirchner na Argentina, Evo Morales na Bolívia, Tabaré Vázquez no Uruguai, Michele Bachelet no Chile, Rafael Corrêa no Equador e, agora, Fernando Lugo no Paraguai. Segundo a teoria furada da "onda vermelha", todos eles teriam, pela força do voto popular, sucedido os governos ditos "neoliberais" como o de Fernando Henrique Cardoso e companhia, e conduziriam as massas latino-americanas à soberania de fato, tanto sobre seu território, quanto sobre seu próprio destino.

Mas tudo não passa de uma grande farsa. A América Latina está hoje sob administrações que agravaram a situação de entreguismo, apostaram na despolitização e confirmaram o aval para a corrida imperialista na região. São pouco mais de meia dúzia de bravateiros oportunistas mancomunados com as classes dominantes de seus países e compromissados não com os povos daqui, mas sim com os monopólios internacionais.

Recentemente o presidente do Equador, Rafael Corrêa, chegou mesmo a falar em "capitalismo popular". Luiz Inácio ainda não chegou a tanto, com todas as letras, mas quer dizer algo do tipo quando fala coisas como "não dar o peixe, mas sim ensinar a pescar". O "ensinar a pescar" do presidente brasileiro significa criar as condições para que os pobres tirem o máximo de proveito que seja possível da bonança econômica que o governo criou para o grande capital nacional e internacional.

Estes demagogos sabem muito bem o tamanho do embuste que pretendem vender aos povos latino-americanos. "Capitalismo popular" foi, por exemplo, o nome pelo qual Margareth Thatcher chamou seu programa de privatizações em massa na Inglaterra dos anos 1980. A "dama de ferro" vendeu praticamente todos os serviços públicos à exploração do capital, transferindo para o patronato britânico o controle de empresas do patrimônio público nacional, e inaugurando, junto com o ianque Ronald Reagan, uma tendência que se alastrou pelas administrações burguesas dos países de todo o mundo.

Na época, parte dos ativos das empresas até então públicas foi vendida à população na forma de ações pulverizadas, que não prestavam para nada em termos de poder de decisão sobre os rumos dos setores estratégicos do país ou de políticas voltadas para o bem estar das massas. Os papéis serviram apenas para acrescentar alguns caraminguás à renda de uma pequena parcela do povo. É disto que se trata, é a isto que se chama de "capitalismo popular", apesar das promessas de maravilhas mil, condenadas à certeza de que não podem ser cumpridas.

Volta e meia a conversa fiada do "capitalismo popular" é requentada pelos oportunistas de plantão. Nos discursos dos evangelistas da concórdia entre oprimidos e opressores, esta idéia gasta pode atender pelo nome de "justiça social", "participação nos lucros", "imposto sobre grandes fortunas", "taxa Tobin", etc.

A farsa costuma também ser ventilada por aí na forma de inúmeros fundos nacionais ou internacionais criados invariavelmente sob o signo da demagogia: "Fundo Internacional contra a Fome", "Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza", ou o recém criado "Fundo Bem Comum", de apoio a desempregados com mais de 40 anos — idéia da Associação Cristã de Empresários e Gestores que levaria o prêmio de Demagogia Corporativa do Ano, caso a honraria existisse.

Prestidigitação de quinta

O chamado para uma corrida às bolsas de valores é um estratagema ao qual as elites e seus capachos costumam recorrer para tentar fazer da classe média um verdadeiro moleque de recados de sua mentira-mor: a de que o capitalismo está aí para fazer a festa de todos.

Já para as classes populares, muitas vezes a profilaxia receitada para sanar a miséria é recomendar que se tornem "empresários" também, disponibilizando linhas de micro-crédito e aulas de empreendedorismo para os mais pobres. A idéia é que, com sua padaria ou mercadinho, alguns poucos prosperem em meio à degradação reinante nas periferias das grandes cidades, e que os muitos outros tenham no horizonte o sonho de um dia também eles alcançarem aquilo que, dentro do capitalismo, no limite só pode ser considerado auto-exploração.

Se não por isso, basta uma piscadela mal compreendida nos mercados financeiros do outro lado do mundo para que a padaria e o mercadinho sub-capitalizados voem pelos ares sob a ameaça da inflação e da recessão.

A lenga-lenga do "capitalismo popular" faz lembrar uma fábula do escritor alemão oitocentista Gottfried August Bürger, chamada De como o Barão de Münchhausen salva-se a si mesmo e a seu cavalo puxando-se pela trança do cabelo para fora do lamaçal.

Diz a fábula:

"De outra feita eu quis pular sobre um lamaçal, que de primeiro não me pareceu tão largo. No meio do salto, no entanto, me dei conta de seu verdadeiro tamanho. Suspenso no ar, me virei, e voltei para donde saíra, a fim de tomar maior impulso. Entretanto, voltei a pular muito pouco pela segunda vez e caí no lamaçal, afundando até o pescoço, não muito distante da margem oposta. Eu estaria irremediavelmente perdido naquela situação, não tivesse a força do meu próprio braço me agarrando pela minha própria trança e me puxado, junto com meu cavalo, que abracei com força entre meus joelhos, para fora dali."

Como o mentiroso Barão, os arautos da salvação capitalista dos povos oprimidos pela força do próprio capital apregoam por aí o impossível de realizar. Como Münchhausens atolados em sua própria subserviência de gerentes paus-mandados, e afundando até o pescoço no pântano da crise do sistema financeiro global, tentam enrolar o povo, anunciando que podem gerir os interesses dos monopólios em prol das massas.

Em suma, garantem que são capazes de transformar exploração em liberdade, opressão em emancipação, tudo sem a necessidade de organização das classes populares e de um vigoroso processo revolucionário. Tudo sem precisar que se ponha abaixo as instituições capitalistas, ou que se derrote de vez as classes dominantes.

Não. Por trás das bravatas sem fim e das tentativas de despolitização das massas, o que a turma do Luiz Inácio e do Rafael Corrêa vende é a ilusão dos milagres, dos passes de mágica que poderiam ser feitos pela via fraudulenta da colaboração de classes.

Enfim, o que enganosamente os analistas burgueses chamam por "viragem à esquerda" na Amé rica Latina nada mais é, em última instância, que a tentativa desesperada das frações burocráticas da grande burguesia local retomando o controle e hegemonia perdida no velho Estado para reestruturá-lo via "reformas" e impulsionar o capitalismo burocrático em sua crise de decomposição.

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