O espantalho do “escola sem partido” (continuação)

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O espantalho do “escola sem partido” (continuação)

Cavar mais fundo as trincheiras

O tema do reacionário projeto “escola sem partido” segue mobilizando as opiniões e na medida em que cresce o apoio a esse absurdo, no conjunto bem maior de divulgação de ideias retrógradas, aumenta também a consciência de que a resistência a ele envolve também a luta contra essas ideias, bem como contra o velho Estado, independente de quem presida suas instituições.

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Histórico protesto dos professores que terminou em confronto com a PM no Paraná em 2015

O artigo anterior, O espantalho do “escola sem partido” (AND 175),abordou, principalmente, a maneira como o oportunismo eleitoreiro encara o combate ao projeto, com o velho e ensebado reformismo de sempre, quando não defende a atual educação pública como algo democrático. De qualquer forma, apresentou de maneira apressada alguns aspectos mais gerais sobre o “escola sem partido”, bem como quanto a sua relação com o atual contexto político.

Escalada fascista

Como movimento, o “Escola sem partido” aparece em 2004, na esteira do triunfo eleitoral do PT, já se articulando em torno da luta contra a doutrinação “de esquerda” nas escolas. Seu proponente é o advogado Miguel Nagib, que nada conhece sobre educação e aparenta ter uma interpretação sui generis da própria constituição, uma vez que a pretexto de defendê-la, suprime conceitos justamente referentes à liberdade de ensinar e o pluralismo de concepções pedagógicas.

Trata-se de algo que, independente de tornar-se lei ou não, já estende suas garras sobre a prática docente, através de intimidações, denúncias públicas, notificações extrajudiciais a professores, e mesmo já foram revelados casos de professores advertidos ou mesmo demitidos por supostamente praticar a “doutrinação” em sala de aula.

E engana-se quem pensa que a sanha dessa gente se dirige apenas para a educação pública. Em 2007, o movimento “escola sem partido” comprou uma briga com o sistema COC de ensino, acerca de seu material didático que abordava temáticas sobre escravidão e desigualdade. A coisa vai pelos tribunais desde então.

Em 2014, com a gerência PT já com sinais evidentes de falência, é que a família Bolsonaro encomendou à Nagib a confecção de um anteprojeto de lei que foi apresentado, ipsis literis, na Assembleia Legislativa e na Câmara Municipal do Rio. Depois se espalhou por legislativos estaduais e municipais, chegando, com o mesmo texto, à Câmara dos deputados e ao Senado Federal.

Naquele momento, os entusiastas do “Escola sem partido” já haviam se integrado, junto ao que há de mais retrógrado na sociedade brasileira, aos protestos contra a gerência petista, ajudando a compor o caldo de cultura que favoreceu a fração das classes dominantes que logrou derrubar Dilma Rousseff.

Instrução x educação

Não raro, era possível identificar nas manifestações verde e amarelas pessoas segurando a imagem da capa do livro “Professor não é educador”, de um também obscuro filósofo “Armindo Nogueira”, que por algumas declarações, muito ao gosto de sua clientela, constrói um muro entre educação e instrução pública. O fato é que, por mais ridículas que sejam tais assertivas, não se pode subestimar o poder que elas têm de aglutinar uma gama de pessoas que não fazem mais que ver no “comunismo do PT” o motivo dos problemas nacionais.

No gerenciamento Temer, além de outras medidas antipovo que tramitam a toque de caixa, julgam também os defensores do “escola sem partido” que terão rédea solta para aprovação de seus intentos  nacionalmente.

Ademais de objetivar atacar a organização independente dos professores e estudantes, pretende golpear ainda mais profundamente. Como precisamente apontou o Movimento Estudantil Popular Revolucionário (MEPR) em seu documento Escola sem partido ou escola do partido único das classes dominantes?, a censura dos conteúdos programáticos e o maior encabrestamento da liberdade de ensinar é um ataque furibundo dos inimigos do povo ao pensamento livre, ao exercício da profissão docente e à liberdade de crítica.

Ainda que precarizada e brutalmente atacada pelas classes dominantes, a escola pública brasileira é uma importante arena da luta de classes. Apesar de ser um aparelho ideológico do Estado, as contradições de classe na escola pública brasileira têm se manifestado de forma cada vez mais agudas e radicalizadas, vide as recentes greves de trabalhadores em educação no Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, etc., e as ocupações estudantis nas escolas em diversas partes do país.

Lutar contra o “Escola sem partido” não é defender a educação pública atual, mas implica não ceder direitos e exigir outros, ampliando a democracia nas escolas através de organizações combativas que reúnam professores, funcionários, estudantes e o entorno escolar. E passa, necessariamente, por lutar por uma nova sociedade, em que a instrução pública sirva de fato às classes trabalhadoras e a essa transformação.

Como não fazer

A propósito da denúncia da atuação do oportunismo eleitoreiro no combate ao “Escola sem partido”, temos o exemplo do projeto 6005, de autoria do deputado pelo PSOL, Jean Wyllys, e apresentado no dia 16 de agosto com o nome de “Escola livre”.

Não passaria de piada de mau gosto se o projeto “Escola livre” parodiasse apenas o nome do “Escola sem partido”. Mas não, vai além, copiando sua estrutura e mantendo inclusive a previsão de mecanismos de denúncia anônima a educadores que não cumpram a lei e a afixação de cartazes com o conteúdo da lei nas salas de aula. Ou seja, carrega o mesmo punitivismo.

E achando o máximo essa iniciativa, o PSOL já tratou de disseminá-la pelo país, sempre reativamente à apresentação do “Escola sem partido”.

Nesse particular, além de ceder a iniciativa à direita mais idiota, o oportunismo ainda se julga malandro suficiente para, em resposta, ironizar. O resultado é que acaba reforçando a proposta mais retrógrada.

Como resistir

Em artigo para o movimento ‘Professores contra o escola sem partido’ que critica o projeto do PSOL, Renata Aquino e Diogo Salles dão o tom:

Para nós do Professores contra o Escola Sem Partido (PCESP) é especialmente preocupante uma luta contra o “escola sem partido” — o projeto de lei e o movimento homônimo, que se promovem mutuamente — que não aconteça pela base, a partir do chão da escola, a partir do debate direto entre todos os membros das comunidades escolares. Em nosso tempo de atuação o que reafirmamos repetidamente ao ponto do cansaço é que o “escola sem partido” NÃO precisa virar lei para ser efetivo. Por que? Porque é um movimento antigo, capilarizado, que tem conseguido difundir suas ideias absurdas sobre a dinâmica escolar ao ponto de já agir contra professores através de intimidação e assédio, notificações extrajudiciais e afins; e que tem conseguido ainda mais vitórias no sentido de criar um clima de medo e repressão a professores que falem de gênero, por exemplo, pauta misógina que o ESP assumiu desde a segunda metade do ano passado1.

Neste sentido, o que buscamos enquanto PCESP é através de um debate contínuo e de bom nível — bem informado, politizado, honesto, ético — trazer para nós, educadores, profissionais da educação, pesquisadores e afins, uma discussão e um engajamento no assunto que produza no futuro uma mentalidade mais esclarecida sobre o que é educar, e como este é um ato indissociável da dimensão política dos seres humanos em sociedade. Não cremos que seja efetivo derrotar o ESP no legislativo, se é que isto é possível. Cabe a nós ajudar a criar um mundo onde uma inciativa de censura à educação como o “programa escola sem partido” não nos tome o tempo de discutir problemas sérios de verdade.

1 – Foi na segunda metade de 2015 que o ESP absorveu o combate à “ideologia de gênero” [sic], criando o atual art. 3º do anteprojeto federal que também está presente nas outras versões (estadual e municipal) disponíveis no site.

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