O esporte pode tudo

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O esporte pode tudo

http://jornalzo.com.br/and/wp-content/uploads/77/04b-2e9.jpgHá muito esta problemática me acompanha. O esporte pode tudo, mesmo? Acho que há mais de dez anos já discutia o tema com meus alunos e orientandos. O processo de desideologização que o mundo moderno (pós) vem passando não deixou de contaminar a historiografia atual, aí incluindo os historiadores da Educação Física e do Esporte.

Nem sequer conseguimos entender nosso próprio corpo, por intermédio do qual se manifestam as práticas esportivas. Em uma perspectiva materialista vulgar, somos aquilo que comemos. Por mais simplificada que seja esta imagem do ser humano, ainda encontramos seus defensores, especialmente entre aqueles que querem nos vender algum tipo de alimento miraculoso. Podemos, em uma perspectiva oposta, entender o ser humano e seu corpo como produto de suas determinações, sejam elas de ordem cultural, biológica, social e, principalmente, econômica.

Estranho o estranhamento que o esporte é capaz de causar. Diz-se tudo de bom sobre ele. Afasta das drogas, é eficaz no processo de ressocialização, é prática democrática, proporciona saúde, combate à violência, reintegra deficientes físicos, e tal e coisa.

Não é de hoje que se idealiza esta prática social. No mundo ocidental, pelo menos desde a Antiguidade grega. Os tão louvados Jogos Olímpicos são um belo exemplo. Romantizados, são sempre apreciados por seus valores positivos. Não se percebe, entre outros, seu caráter altamente discriminatório. As mulheres e os escravos não tinham sequer acesso aos estádios onde se desenrolavam as provas atléticas.

Posteriormente, na Roma Antiga, em seu declínio imperial, utilizava as atividades físicas para o já citado estranhamento, que nada mais é do que a alienação. Nada acontecia sem que os interesses da classe dominante fossem atendidos. No feudalismo, trabalho físico sistemático, só para os cavaleiros medievais, semi-analfabetos e situados no mais baixo clero da nobreza. Eles faziam o serviço de segurança dos senhores feudais. É claro que pesquisadores também registram centenas de jogos praticados nos feudos. Com isso os conservadores insinuam, de alguma forma, existirem momentos de felicidade. Que coisa!

Na chamada Idade Moderna consolida-se uma classe que vinha sendo gestada desde meados da Idade Média: a burguesia. Isso acontece entre 1789 e 1848. Neste ano, Marx e Engels publicam o panfleto mais importante que já se produziu na História: o Manifesto Comunista. Foi o marco teórico para o aprofundamento da luta revolucionária. O desenvolvimento das forças produtivas aguça as contradições do Capitalismo, mas também ajuda a produzir consenso em torno das ideias da classe dominante. Trabalhadores alfabetizados têm melhores condições de se organizarem na luta, mas ao mesmo tempo ficam mais suscetíveis à propaganda burguesa.

A produção de consenso em torno das ideias dominantes dá-se em todos os espaços sociais. A Escola é um desses espaços. Destaco Helvétius, que no bojo da Revolução burguesa afirmou que a Educação pode tudo. A prática esportiva enquanto uma vivência educacional está circunscrita a um determinado momento histórico que estabelece limites diante dos quais nenhum fenômeno está imune. São as chamadas determinações históricas. O entendimento do esporte enquanto fenômeno social não pode considerá-lo como parte de uma realidade, desvinculada do todo social.

O esporte não é o responsável pelas grandes mazelas sociais. Não foi a vitória brasileira na Copa de Mundo de 1970 que ratificou a ditadura militar em que estávamos atolados. Mas fez parte do processo de produção de consenso em torno da ideia de que vivíamos um momento glorioso de nossa História.

Nos dias de hoje, existem as contradições inerentes à prática esportiva. O esporte não é o responsável pela saúde da população. Ao Estado cabe esta tarefa. Mas a prática de atividades físicas participa do processo, Mas de qual forma? Treinando meninos desde os dez anos para irem para a Europa e ficar ricos jogando bola? Quantos brasileiros atingem este ponto? E mais. A que custo estes garotos ficam mais fortes para melhor desempenharem suas atividades atléticas? Músculos, articulações e tendões destroçados, tudo em nome do lucro, que é a lógica do capitalismo. Isso dá saúde? Não, mas alimenta projetos que buscam talentos. As escolas e escolinhas esportivas são as maiores vítimas. Ou melhor, as crianças são as maiores vítimas.

Poucos têm tempo para práticas esportivas. Quando isso acontece, não há transporte para a escola mais próxima. Estamos falando daqueles que têm emprego. Para os desempregados e subempregados, não resta muita coisa. Será que a prática do esporte ajuda? Os reacionários afirmam que eles ainda podem jogar uma “peladinha” no final de semana…

As políticas públicas são um instrumento para projetar que tipo de homem uma determinada sociedade precisa. A educação é uma prática social, o que faz com que ultrapasse os muros da escola, “invadindo” todos os espaços sociais. A luta de classes está presente em todos estes espaços, o que torna a ação do professor da mais alta responsabilidade. Daí a importância da relação prática/teoria/prática, de modo a podermos desenvolver objetivamente uma práxis pedagógica. Saúde, educação, esporte, emprego e tudo o mais que atendam a demandas sociais. Só podemos entendê-las enquanto políticas públicas integradas. Visto no conjunto de bens produzidos socialmente, o esporte ainda está longe de atender as demandas do coletivo. Isso porque este Estado que aí está é burguês, só atendendo a interesses da classe dominante e a uma determinada faixa (pequena) das chamadas classes médias. A grande massa fica esperando uma ou outra iniciativa de caráter assistencialista.

Não acredito que a sociedade organizada em moldes capitalistas possa resolver os problemas que enfrentamos. Os ideólogos do capital dizem que chegamos ao fim da linha. Não é verdade. O socialismo, sem dúvida, aponta para a proposta mais generosa que o homem já concebeu: o Comunismo. Uma sociedade sem classes. A teoria já existe há muito, é a marxista-leninista.

No que toca à educação e, particularmente, à Educação Física, temos a tarefa de esclarecer e promover ações que elevem o patamar de consciência de nossos alunos, no caso da sala/quadra de aula. Necessário se faz mostrar que é possível ser diferente. A ideologia liberal (capitalista) diz que transformamos a sociedade via educação. Não é verdade. Mas o processo pedagógico participa do processo de transformação social, por intermédio de uma luta contra-ideológica. Estou a falar de valores. Em uma quadra de aula, por exemplo, observamos a exacerbação do individualismo e da competitividade, característica do universo burguês. Porque não trabalharmos a colaboração e a cooperação?

Acredito que a prática de atividades físicas pode ser benéfica, dependendo de seus fins. Reitero que, superado o capitalismo, o esporte pode ocupar um lugar de destaque social. Todos terão oportunidade de praticá-lo, sem interesses comerciais e/ou assistencialistas.

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*Vítor Marinho é licenciado e mestre em Educação Física e doutor em Educação Brasileira. É autor, entre outros, do livro O esporte pode tudo.

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