O eterno canto rebelde do comunista Raposo

O eterno canto rebelde do comunista Raposo

No dia 10 de novembro de 2009 o povo brasileiro sofreu uma grande perda com o falecimento de um de seus mais valorosos filhos, um dos mais abnegados combatentes da classe operária e do socialismo, o companheiro Manoel Coelho Raposo.

Há cerca de 20 anos, Raposo lutava contra um enfisema pulmonar e, nos últimos dois anos, tivera seu quadro bastante agravado levando-o a sucessivas internações. A última delas ocorreu no dia 29 de outubro na UTI do hospital de Messejana de onde, infelizmente, não mais saiu com vida. Naquela manhã de terça-feira, após uma parada respiratória, faleceu aos 76 anos de idade. Raposo nasceu no dia 24 de abril de 1933, na cidade de Crateús, sertão do Ceará, era o terceiro de uma família de 8 filhos.

Trajetória de um militante comunista

Manoel Coelho Raposo foi poeta, revolucionário e comerciante. Nestes “caminhos paralelos” e complementares, em sua própria definição, é seguramente a veia revolucionária a que fala mais alto. Como comunista, a trajetória de Raposo é cheia de revezes, de altos e baixos, mas sempre marcada, desde o início, pela defesa intransigente dos princípios revolucionários.

Raposo ingressa no Partido Comunista do Brasil em 1952, quando se muda para Fortaleza. Logo, começa a trabalhar no jornal do partido no Ceará, O Democrata. Diante dos ataques de Nikita Kruchov à Stalin no XX Congresso do PCUS, em 1956, desde as páginas do periódico comunista cearense, Raposo irá defender a figura e papel histórico do Marechal do Exército Vermelho. No entanto, as posições revisionistas foram tomando conta da direção do PCB predominando em seu seio uma linha reformista e legalista.

Neste momento, Raposo, embora permanecesse ligado ao PCB, já guardava certo distanciamento. Em 1964, logo após o golpe militar de 1º de abril, foi preso e encarcerado no 23º Batalhão de Caçadores, onde passou 33 dias. Dentro da prisão, Raposo compôs um de seus mais célebres poemas, “Treme o lado direito da rua”.

No início da década de 1980, Raposo rompe definitivamente com o PCB acompanhando o posicionamento autocrítico de Luís Carlos Prestes. Edita um milhão de cópias da sua Carta de Autocrítica e, entusiasmado, retoma seu trabalho de propagandista da revolução. No entanto, como o processo autocrítico de Prestes tinha suas limitações, Raposo, apesar de sempre ter guardado enorme estima pelo “Velho”, em uma Carta aberta a Prestes o critica por não assumir a responsabilidade de reorganização do partido comunista.

Nos anos de 1990, diante do colapso da URSS social-imperialista, dos incontáveis ataques ao socialismo, à ditadura do proletariado, às figuras de Lenin e Stalin, Raposo mais uma vez se levanta em defesa do comunismo. Em 1993, lança o livro “Stalinismo”, onde reafirma o combate as posições traidoras do XX Congresso do PCUS e procura fazer uma defesa sistemática do pensamento de Lenin e Stalin.

Dez anos após o lançamento de “Stalinismo”, Raposo dá um novo salto em sua militância revolucionária. Em 2004, assume o maoísmo defendendo-o como uma nova terceira e superior etapa de desenvolvimento da ideologia do proletariado, o marxismo, concebendo-o como marxismo-leninismo-maoísmo. Este seu posicionamento ficou registrado em sua “Carta de afastamento do PCR”. Neste mesmo documento, resgatando a “Carta de 12 Pontos aos comunistas revolucionários”, de 1966, da autoria de Amaro Luiz de Carvalho, o Capivara e Manoel Lisboa, Raposo sustenta a guerra popular prolongada e a estratégia do cerco da cidade pelo campo como caminho da revolução brasileira.

Nesta última fase de sua militância, se vincula ao Jornal A Nova Democracia , compondo em 2009 seu Conselho Editorial e de maneira entusiasta assumiu sua distribuição no Ceará.

Os funerais de Raposo, no dia seguinte de seu falecimento, foi realizado na funerária Alvorada. Foi um ato político com pronunciamentos de amigos e companheiros, declamação de poemas e com o canto da Internacional e outras canções revolucionárias como a legendária canção dos partizans italianos Bella Ciao. Seu corpo foi cremado e as cinzas, como era de sua vontade, entregue aos índios Tapebas, os quais realizaram uma cerimônia em sua homenagem no dia 21 de novembro.


Pajé lança as cinzas de Raposo sobre a Lagoa dos Tapebas

Raposo agora é terra Tapeba

…prefiro-me cremado e minhas cinzas espalhadas pelos campos
no abraço amigo ao ritmo do Toré dos valentes índios Tapeba”


Irmãos e filhos do poeta são homenageados pelo povo tapeba

Manoel Raposo deixou escrita a sua vontade no poema “Quando eu morrer”. E, assim foi feito. No último dia 21 de novembro, familiares, amigos, companheiros e camaradas de Raposo foram recebidos pelo povo Tapeba na comunidade Lagoa I, área conquistada com muita luta e que ele apoiou com a dedicação e a firmeza de sempre.

A família trouxe a urna com suas cinzas e um vídeo no qual puderam ser vistas fotos que retrataram grande parte da vida do poeta e do revolucionário, ao som de canções suas com Cacau da Bahia e Bernardo Neto. Seus companheiros e camaradas trouxeram painéis com grandes fotos de Marx, Engels, Lenin, Stalin e Mao Tsetung para testemunharem o ingresso do destemido comunista na História.

O Ato solene foi aberto pelo professor indígena Adelson, uma das lideranças daquele povo, chamando o cantor Bernardo Neto, que prestou sua homenagem cantando uma canção de Raposo. Em seguida os índios presentearam os filhos e irmãos de Raposo com peças de   artesanato simbolizando suas boas-vindas e sua amizade aos familiares daquele que foi o grande amigo do povo Tapeba. Em nome da família, o professor José Antônio Raposo agradeceu as homenagens e o acolhimento das cinzas de seu irmão pelos Tapeba. Lembrando o poeta e revolucionário Agostinho Neto, José Antônio afirmou que a luta de Raposo era justa e pura porque ele trazia dentro de si a pureza e o senso de justiça.

O Advogado José de Brito usou da palavra para dar o depoimento daquele que, talvez, até mais que seus familiares, acompanhou os passos de Raposo por toda a sua existência. Em seguida foi a vez de um representante da Liga dos Camponeses Pobres do Nordeste destacar o apoio decisivo de Raposo à luta pela Revolução Agrária.

Falando em nome do Conselho Editorial e de todos que fazem o Jornal A Nova Democracia o professor Fausto Arruda destacou a perda para a causa do proletariado e do campesinato que representou o desaparecimento de seu companheiro de Conselho e fez um paralelo entre a linha editorial do jornal sintetizada na luta por uma nova democracia, consubstanciada na luta por uma nova política, uma nova economia e uma nova cultura, com a prática política de Raposo, cuja ação concreta abrangia a transformação da sociedade nestes três aspectos.

Concluídas as saudações, os dois jovens que faziam a guarda de honra à urna com as cinzas entregam-na ao Pajé José Tatu e todos se dirigiram ao terreiro sagrado onde foi plantada uma muda de cajueiro, como marco vivo, junto com parte das cinzas, ao mesmo tempo em que o Pajé iniciava as orações, os índios serviam uma porção de jurema, uma bebida apropriada para estes momentos.  

O terreiro dos Pau Branco, com sua bela lagoa, é outro lugar sagrado dos Tapebas e foi para lá que o Pajé convidou todos os presentes para assistirem à cerimônia final, na qual as cinzas de Raposo foram espalhadas, num espetáculo que emocionou a todos que assistiam o vento deitar sobre o tranquilo espelho d’água cada partícula das cinzas do intrépido guerreiro.

Uma vida em vários tempos


Na Praça do Ferreira, CE, Raposo dirige a brigada de venda de A Nova Democracia

Desde quando o jovem Manoel ajudava missa na igreja do Crato-CE e à noite escutava pelo rádio o desenvolvimento da II Grande Guerra Mundial, vibrando com as vitórias do Exército Vermelho, até a sua morte no dia 10 de novembro último operaram-se muitas transformações na vida deste sertanejo até tornar-se um cidadão do mundo. Raposo conheceu praticamente tudo que o indivíduo pode experimentar em sua existência, “nada que é humano lhe foi estranho”. O advogado José de Brito, comunista de longa data, foi testemunha e, por que não dizer, o responsável por muitas destas transformações. AND entrevistou José de Brito por ocasião da cerimônia indígena que recebeu as cinzas de Raposo.

AND: Como se deu sua aproximação com Raposo?

Este relacionamento e amizade pessoal a princípio foi meio conflituoso, com debates de temas religiosos que desaguavam, inevitável e invariavelmente, em política e ideologia. Inteligente e arguto, Raposo logo assimilou as idéias socialistas aceitando-as e, delas, tornando-se ardoroso e convicto propagandista. Destes princípios marxistas nunca se afastou ou desviou-se um milímetro sequer. Já em 1951 nossa relação foi se aprofundando a partir da deflagração no Crato da campanha em prol da redução da jornada de trabalho, na época chamada “Semana Inglesa”, que apoiei, incondicionalmente, ao lado de José de Paula Bantim e Alencar Furtado. Raposo, comerciário e em fase de transição ideológica a ela adere sem vacilações.

Demitido em função deste posicionamento, partiu para Fortaleza, onde começa sua gloriosa prática de ativista comunista e renomado intelectual. Confesso envaidecido que fui o responsável por esta sua radical guinada á esquerda. Ele mesmo registrou este episódio em seu último livro, Caminhos Paralelos.

AND: E os primeiros passos de Raposo como comunista?

Raposo em Fortaleza filiou-se ao PCB e passou a frequentar, assiduamente, o jornal comunista O Democrata. Passou a vendê-lo e os demais periódicos da imprensa comunista, como A Classe Operária, Voz Operária e a revista Problemas . Simultaneamente, vendia livros marxistas e romances soviéticos de agradável leitura. Conquistou deste modo a intelectualidade progressista, possibilitando sua extraordinária e rápida ascensão comercial, embora não fosse sua principal intenção enriquecer ou tornar-se um burguês. Tornou-se um dos mais bem sucedidos empresários cearenses no ramo de livraria, sem contudo alterar ou desviar seu modo de pensar marxista.


Na movimentada feira do livro

AND: Como começou a Feira do Livro?

Bom, ao vê-lo para lá e para cá com pilhas de livros debaixo do braço, então lhe sugeri: “Raposo, quando residi em Natal, em 1954, vi uma carrocinha em que se vendiam livros e revistas”. Imediatamente, Raposo mandou confeccioná-la tal e qual a desenhei. Foi um sucesso enorme por ser uma novidade em Fortaleza. Pouco depois Raposo consegue um alvará para construir sua célebre Guarita na Praça do Ferreira. Daí para a instalação da Feira do Livro foi um pulo.

AND: Como você resumiria a atividade revolucionária de Raposo?

É difícil sintetizar sua atividade revolucionária. Mas, podemos dizer que Raposo não atacou dragões nem moinhos de ventos, e sim a voracidade cruel do capitalismo, como autêntico revolucionário que tinha os pés no chão e a cabeça plenamente consciente das injustiças sociais. A partir de sua chegada a Fortaleza e mesmo após a implantação do regime militar, Raposo exerceu intensa atividade política, falando, discursando, escrevendo livros, editando panfletos, pichando paredes com palavras de ordem revolucionárias, sendo em consequência, permanente vigiado pelos órgãos de segurança. Além de editar a revista de cultura O Saco, que, inclusive, teve repercussão internacional. Posteriormente, funda e edita o periódico O Popular e também imprime e distribui para todo o Brasil o jornal cubano Granma Internacional.

Nas duas últimas décadas lutou pela autodeterminação das nações indígenas e particularmente pela imediata demarcação das terras do povo Tapeba. No último período de sua vida lutava tenazmente pela reconstituição do Partido Comunista do Brasil, como um autêntico partido revolucionário do proletariado, e por uma revolução agrária diferente desta enganosa reforma agrária, que no essencial não passa de um corrupto negócio agrário para enriquecer os latifundiários. Neste aspecto sua luta representava a adesão e a aplicação do pensamento do camarada Mao Tsetung.

Ao longo das últimas duas décadas, o jornal A Nova Democracia tem se sustentado nos leitores operários, camponeses, estudantes e na intelectualidade progressista. Assim tem mantido inalterada sua linha editorial radicalmente antagônica à imprensa reacionária e vendida aos interesses das classes dominantes e do imperialismo.
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