O genoma do fascismo sofisticado

O genoma do fascismo sofisticado

As falsificações sobre superioridade e inferioridade entre os homens remontam aos primórdios do divórcio entre o trabalho manual e intelectual, do surgimento das classes e, portanto, da luta entre elas. No século XVIII, os monarcas, considerados representantes das divindades na terra, asseguravam seus privilégios por hereditariedade — descendiam de uma linhagem nobre. Mas, de um instante para o outro, desmoronaram a própria monarquia e se fez em pedaços a auréola das relações de produção feudal. A burguesia rasgou uma a uma todas essas procurações divinas, todas as explicações religiosas que constituíam a força jurídica do feudalismo, suas Ordens, condição social etc., com as quais ocultavam as classes, a política, a filosofia.

Mas, por ser uma classe que vive da exploração dos trabalhadores, tão logo tomou o poder, a burguesia tratou de sedimentar a sua base econômica e a correspondente superestrutura que socorresse as novas relações de produção. Assim, restaurou o charlatanismo religioso, recolhendo cada pedaço da teologia que lançara ao vento, e recompôs o rebotalho anticientífico segundo as novas necessidades, como as antigas falácias sobre a desigualdade biológica e intelectual entre os homens.

O determinismo geográfico — um dos falseamentos retomados pela burguesia, já às portas da última etapa do capitalismo — evoluiu e se cristalizou mais tarde na corrente nazista do imperialismo.

O determinismo genético, igualmente fatalista, passou a divulgar histericamente o embuste dos tais genes da violência, do alcoolismo, da depressão feminina e o que mais desejar, como recurso capaz de explicar ou mesmo prever todo o histórico de uma pessoa. Obviamente, as classes privilegiadas e alinhadas à política imperialista terão os genes de paladinos da justiça, enquanto as demais ficam com a tendência genética de ditadores, de bandidos, portadores do perigoso gene do “terrorismo”, etc. É o comportamento típico dos potentados decadentes que perderam qualquer caráter progressista e, consequentemente, a capacidade de fazer ciência.

A fraude da “raça pura” está longe de ser uma criação de bandidos que se escondiam sob a nacionalidade alemã na vigência do III Reich. A sofisticada argumentação das academias sobre “raça pura” e geo-política recebem grande reforços ainda na ante-sala da passagem do capitalismo para a fase imperialista. Mais tarde, para levá-la à prática, nos moldes “arianos” do século XX, os nazistas eliminaram fisicamente comunistas e democratas, parcelas avançadas dos intelectuais e trabalhadores científicos, depois, quaisquer opositores ao regime, chegando a vez dos judeus e, finalmente, escravizou nações inteiras na Europa para sustentar o “milagre alemão”. Sua maior vítima, entretanto, foram os povos da URSS, com 20 milhões de mortos, afora um imenso contingente de cidadãos ali capturados e arrastados ao trabalho forçado.

O que o nazismo consagrou como “ciência”, com espantosa monstruosidade, foram as doutrinas de dominação há muito vigentes no USA, na antiga Rússia czarista, na Inglaterra e na própria Alemanha, concentrando-as, nacionalizando-as e dando-lhes um acabamento, através de órgãos como o Instituto de Munique, até que o expansionismo e o racismo viraram lei, consequência do processo de partilha do mundo pelas grandes corporações.

A “superioridade ariana” consagrou até mesmo a ética dos alemães selecionados que podiam e deveriam procriar com várias mulheres, também “arianas”, nos países ocupados pelas forças nazistas. Os filhos destes acasalamentos eram criados em orfanatos próprios para o fim a que se destinavam: preencher o espaço ocupado por cada untermenschen (subumano) na Alemanha. 

O imperialismo é insano

Entre as mais recentes invencionices vendidas como ciência, encontram-se as que deram suporte ao nazismo, em particular a eugenia e a forma atual do determinismo neurogenético, aplicados no campo da engenharia genética e da eugenética.

Ultimamente vem surgindo uma polêmica em torno do determinismo neurogenético e temas afins. Não faltam cientistas bem intencionados tentando se impor ao turbilhão de teses reacionárias, maquiadas e vendidas como ciência. Porém, as críticas, de forma geral, atingem apenas a periferia do problema.

No que se refere à genética, eugenia e temas relacionados, tomemos os artigos A pertubadora ascenção do determinismo neurogenético (de Steven Rose, Ciência Hoje Vol. 21 p. 126) e na edição eletrônica feita por equipo Nizcor, Derechos Human Rights, da conferência proferida por Voltaire Sciling, em agosto de 2000.

É certo que tais teorias proliferaram quando as potências imperialistas preparavam a Segunda Guerra, mas voltam à baila porque preparam uma terceira guerra. Ainda assim, não basta estabelecer uma relação entre a insanidade do fascismo dos anos 40 do século XX, mas entendê-la como fascismo hoje, bem mais sofisticado e violento. E por mais famoso o autor e renomada a instituição que aborda esses temas, propagar tais teorias não significa fazer ciência, mas, em bom e claro português, promover o charlatanismo a serviço da opressão dos povos.

A indumentária anticientífica

Se as causas da guerra são bem claras, as sucessivas partilhas do mundo pelas potências imperialistas e o obscurantismo serão a sua justificativa. Durante muito tempo era atribuída a uma loucura de Hitler o desejo de dominar o mundo. Seguindo o raciocínio neurogenético, pode se alegar a presença de um gene ditador no führer. Mas, e os nazistas, como justificavam a guerra?

Da mesma forma, com intensa campanha de propaganda, teses pseudocientíficas assinadas por “conceituados doutores”, vão tomando corpo e convencendo — ou se impondo — sobre outros cientistas, políticos e a população em geral. A eugenia no campo das ciências naturais e a filosofia de Nietzsche são exemplos disso.

O advento da teoria da evolução, de Wallace e Darwin, abriu espaço para o surgimento da eugenia, o estudo do melhoramento “genético” da espécie humana. Francis Galton, parente de Darwin, foi um de seus precursores e inventor do termo eugenia. Defendia que a cultura e o conhecimento eram resultado da transmissão genética e não dos fatores histórico-sociais. Em 1883 publicou o livro A hereditariedade do gênio, onde após “profunda” investigação do histórico familiar de homens considerados geniais, e outros afamados cientistas, demonstrou que todos descendiam de boa hereditariedade. Já em 1926, após introduzir a cadeira de eugenia na Universidade de Londres e criar a Sociedade Inglesa de Eugenia, passou a pregar a superioridade germânica sobre os demais integrantes da “raça branca”.

As teses da seleção natural influenciaram também o pensamento social e político da época. Surgiu o chamado social-darwinismo, apregoando que a democracia igualava os lobos aos cordeiros e, à maneira de Nietzsche, no fundo praticava-se uma injustiça ao prejudicar os eleitores naturalmente superiores. Preconizava-se ainda a seleção de quem deveria se reproduzir ou não, objetivando o melhoramento da espécie.

Como matérias auxiliares, a antropometria e a frenologia ajudam a estudar as dimensões do crânio, do lóbulo das orelhas ou do nariz, o que, para os imperialistas e seus “cientistas”, possibilita verificar estes traços como indicadores da degenerescência biológica. Quando Hitler visitou a irmã de Nietzsche em Weimar, no ano de 1932, esta o presenteou com a bengala do filósofo, representando para ela a transferência de uma gloriosa missão, do teórico para o prático. E assim foi feito.

Com a ascensão dos nazistas, a eugenia virou lei. Tratava-se de fixar quem deveria pertencer à comunidade racial, eliminando-se elementos indesejáveis, ou impedindo que se reproduzissem. Para tal fim, utilizou-se a esterilização, a eutanásia e o extermínio.

O mesmo contrabando

Após a guerra houve um notável aprimoramento da técnica, possibilitando veículos mais confortáveis e velozes, viagens no espaço próximo, computadores com crescente capacidade de memória, logicamente, máquinas e sistemas que acentuam a exploração do trabalho, a criação de armas cada vez mais sofisticadas, tanto para o extermínio de populações inteiras como para o trabalho policial, etc., etc. Pode-se agora afirmar com certeza quem é o pai de uma criança, e a mãe, antes óbvia, tornou-se incerta (com o advento da “barriga de aluguel”) e necessita dos mesmos exames comprobatórios.

Na essência, a burguesia tem se esforçado ao máximo para deter o avanço das forças produtivas, particularmente, o domínio da ciência pelas massas. Tanto que, no USA, substituiu-se o estudo do evolucionismo pelo criacionismo e é surpreendente o crescimento do misticismo. Proliferam seitas e cada vez mais os estudos, ditos científicos, se vêem atados pelos interesses imperialistas. Estão aí a desnecessária dependência do petróleo, o comércio inescrupuloso da saúde e o determinismo neurogenético, onde mais uma vez se busca não o conhecimento, mas uma justificativa para a dominação.

No USA convencionou-se chamar a década de 90 como a Década do cérebro, em meio a um assombroso alarde sobre os esforços para entender o funcionamento do cérebro humano. Grandes avanços foram dados no mapeamento do DNA (sigla em inglês do ácido desoxirribonucléico — ADN), molécula básica do código genético. Foram investidos US$ 3 bilhões no projeto transnacional Genoma Humano, também acompanhado por intensa campanha publicitária. Mas não esclarecem, no entanto, que mapear as sequências é uma coisa, e identificar exatamente o papel das bandas do ADN é outra muito diferente.

Junto com a enxurrada de dados sobre o ADN e o funcionamento do cérebro, engendraram-se a expectativa e mesmo o clamor de que a neurociência está prestes a desvendar os problemas do cérebro. A síntese que Steven Rose chama de neurogenética se propõe a identificar os genes que afetam o cérebro e o comportamento, atribuir-lhes poder causal e modificá-los. Com isso, pode-se supor possível acabar com a violência, a depressão, a esquizofrenia. Nenhuma palavra mais é pronunciada, mas nas entrelinhas está escrito, em letras maiúsculas, pôr fim à resistência do povo.

Torna-se possível, com o manto do avanço científico, lançar mão de drogas incapacitantes para ressuscitar a lobotomia. Ao considerarem as mazelas e os sofrimentos, particularmente das classes oprimidas, como problemas médico-biológicos, pode-se justificar tratá-los cirúrgica ou farmacologicamente, dopando populações inteiras (à maneira do que descreve o livro Admirável mundo novo, de Aldous Huxley) ou, como fizeram com os soldados ianques no Vietnã, excitando tropas inteiras.

Não se trata de desprezar a existência de doenças cerebrais, genéticas ou de qualquer outra forma, tampouco negar terapias compatíveis e avançadas, mas de determinar qual a razão principal por trás da barulheira feita em torno do assunto. Não se trata de revelar “equívocos” e suas consequências, mas de denunciar a articulação imperialista voltada contra os povos.

Primeiro, embrulha-se num mesmo pacote todo o tipo de violência, deformando o próprio enunciado de forma permanente e crescente até transformá-lo em pânico: “A violência é a criminalidade”, “A criminalidade é a violência maior”. Nunca a exploração do homem pelo homem, a transferência de tributos e sítios inteiros de matéria-prima de um país para a metrópole, a destruição da vida material dos povos, a opressão nacional — que, inclusive, promovem a criminalidade — são considerados como violência. Simultaneamente, tem-se a guerra imperialista: a invasão do Iraque, a resistência daquele povo, a revolução peruana e o assassinato de presos de guerra naquele país, as atrocidades cometidas em Guantânamo, e particularmente, os crimes comuns. É feito então grande alarde em torno da questão. Seguem-se campanhas pela paz, pelo desarmamento do povo e a propaganda de que tudo isso nada tem a ver com problemas sociais, mas com a constituição biológica dos indivíduos, possível de ser curada pelos métodos citados acima.

O problema reside no aspecto subjetivo, na organização ideológica e política da sociedade, onde as classes dominantes se utilizam dos Galtons modernos para tentar reduzir todos os problemas a sequências de ADN, que podem ser manipuladas. É o recurso que encontram para — entre outras atitudes, como guerras e golpes de Estado — tentar retardar o inevitável fim do imperialismo. Somente uma classe revolucionária pode libertar a ciência das amarras que a prendem, somente uma cultura científica — e principalmente de massas — pode garantir que o avanço do conhecimento da natureza e da técnica sirva ao progresso, e não à opressão.

Reducionismo

Somente o reducionista mais ingênuo, ou um fascista convicto e sincero, explicaria a guerra do Iraque acusando problemas mentais em Saddam Hussein, e que tais problemas pudessem ser tratados por doses cavalares de tranquilizantes — mesmo porque neste caso as bombas são mais eficientes. Mas o episódio de sua prisão apresentando-o completamente dopado, mostra do que esta gente é capaz. E se o reducionismo dos deterministas neurogenéticos não chega a este extremo, passa muito perto. Seus mais abnegados defensores afirmam que o social pode ter seu papel, mas o principal é o biológico.

O determinismo neurogenético tenta reduzir os complexos processos sociais a efeitos “causados por”, “explicados por”, “ou nada além de” programas biológicos com base no cérebro ou nos genes, o que não chega a ser surpreendente para uma classe que procura explicar a história como uma sucessão de eventos causados por meia dúzia de atores notáveis. Não se trata de tentar reduzir o problema, controlar as variáveis para analisá-lo e ir ampliando esta análise até se ter uma melhor compreensão do todo, mas, ao contrário, a redução é utilizada por eles como a própria síntese, capaz de explicar tudo. Para tal objetivo, não são necessários bilhões de dólares gastos em pseudociência: a religião é suficiente na redução de todo e qualquer evento à vontade divina.

O problema reside em saber em que nível de organização da matéria se encontram as explicações para a concentração de riqueza e a distribuição de miséria, a opressão de todo o Terceiro Mundo por um punhado de potências imperialistas e que a disputa entre elas por este domínio e toda a violência gerada neste contexto se explicam pelo capitalismo em sua fase superior, o imperialismo, ou por sequências particulares de nucleotídeos. Ou seja, em que nível de organização da matéria deve-se procurar a resposta: no DNA ou no estado da sociedade.

Um exemplo interessante é o de cães da raça Pitt Bull, selecionados geneticamente para serem ferozes. Se criados com carinho, em geral ficam mansos e dóceis. Mas em seres humanos o determinismo neurogenético tenta contrabandear a tese de que na presença dos tais genes violentos sua manifestação é inevitável e independente do contexto social que a cerque.

Da teoria à prática

O debate sobre a violência precedeu a atual histeria em torno do tema e também a procura por suas causas no indivíduo. Já na virada do século XIX os seguidores de Cesare Lombroso afirmavam que a fisionomia permitia descobrir a criminalidade. Terá Celso Pita a cara de ladrão? Na década de 70 afirmou-se que não era a aparência, mas os cromossomos que determinavam a criminalidade.

Assim, tenta-se explicar tudo pela história pessoal do indivíduo: filho de pais separados, violentos, pouca disciplina nas escolas, etc. No USA, mesmo este tipo de explicação vem sendo substituída pelo determinismo genético.

Em 1992, no USA, Frederick Goodwin, então diretor do Instituto Nacional de Saúde Mental, propôs o programa Iniciativa Federal sobre a Violência, expondo com toda a clareza o raciocínio do determinismo neurogenético. O estudo deveria ser realizado com 100 mil crianças negras para investigar os fatores genéticos ou congênitos que as predispunham para o comportamento violento ou anti-social, uma vez que, segundo o autor, a violência crescia particularmente entre os negros, que herdavam um coquetel de predisposições genéticas para o diabetes, a hipertensão e a violência. Apesar de ter sido acusado de fascismo e ter deixado o Instituto, uma versão modificada de sua proposta foi implementada em Chigago, para a qual gastaram US$ 400 milhões.

Pouco tempo antes, Richard Herrnstin e J.Q. Wilson sugeriram em seu livro O crime e a natureza humana, que o crime seria prerrogativa dos pobres e dos negros devido às falhas nas suas constituições biológicas. Como a intenção destes estudos é a de manter e aumentar a dominação sobre os povos, o objeto de investigação é sempre as classes oprimidas. Ninguém estudou a hereditariedade para os crimes perpetrados por todos os assíduos frequentadores da Casa Branca. No caso doméstico, o mesmo procedimento para o juiz Nicolau dos Santos, pelo desvio de verbas. Ninguém afirma, ao relatar os costumeiros escândalos que envolvem ACM, que desde menino ele tinha em sua fisionomia a predisposição para a vida de crimes.

Algum tempo depois, Heirrstein, desta vez em co-autoria com C. Murray, publicou o livro The bell curve, (A curva do sino ou A curva normal), produzido em Harvard, uma das principais universidades do USA. Ambos buscaram a sistematização dos estudos sobre Quociente de Intelectualidade (QI), um requentamento de teses reacionárias já descartadas anteriormente e, mais uma vez, tratadas como descobertas científicas. Este trabalho decorre da fraude cometida pelo psicólogo inglês Cyril Burt, idealizador dos testes de QI em medidas fixas de inteligência.

Para compor sua fraude, Burt deturpou o trabalho do fisiologista e psicólogo francês Alfred Binet (1905), que procurou determinar a idade mental de uma criança delimitando o estágio e a sua capacidade mental, a fim de promover seu desenvolvimento. O cientista francês considerava a inteligência como multifacética e mutável com a vivência e todas as oportunidades para desenvolvê-la. Por toda sua vida profissional foi muito bem sucedido ao auxiliar crianças com idade mental atrasada.

Deste importante trabalho surgiu a falsificação de Brut e algumas outras. Por exemplo, em 1916 a equipe de Lewis Terman, da Universidade de Stanford, criou uma escala que “comprovava” terem os negros, indo-espanhóis e mexicanos, um QI baixo por motivos raciais, e que estas crianças deveriam ser separadas em turmas especiais e preparadas apenas para o trabalho braçal.

A falsificação de Brut foi mais sofisticada e duradoura, sendo seu autor considerado, por muito tempo, 1909 a 1971, o pai do QI e proeminente psicólogo escolar. Embora desde o início dos anos 70 houvesse desconfianças sobre a fraude, somente em 1979 foi desmascarado, quando publicada sua biografia. Não existe nenhuma documentação de seus estudos, roteiros, cadernos de anotações, fichas. Nada sobre os 53 pares de gêmeos univitelinos criados em separado demonstrando o determinismo genético da inteligência, nem tão pouco dos 40 mil pares de pais e filhos estudados.

Premissa para o determinismo

O reducionismo vai embrulhando fenômenos de natureza diferente, tirando-os do contexto, buscando aparentar convergência para um ponto ou que divirjam a partir dele, culminado assim no determinismo mecanicista e metafísico. A coisificação dos fenômenos, a aglomeração arbitrária, a estatística como ordenadora do mundo e não como ferramenta para tomada de certas decisões, são alguns instrumentos para compor o embrulho determinista.

A reificação (coisificação) trata um processo dinâmico, ou vários deles, como um fenômeno estático. A inteligência deixa de ser algo que se desenvolve ao longo da vida do indivíduo e da sociedade e é tratada de forma fixa, medida na forma de QI, que passa a ser estudada em separado do sistema que a gerou. O mesmo pode ser feito com o “espírito de liderança”, a violência, ou qualquer característica criada ou inventada.

O passo seguinte é “juntar alhos e bugalhos”, aglomerando o que se coisificou arbitrariamente: as bombas sobre Bagdá, as ações da resistência, as guerras injustas e as justas, um assalto, um espancamento de uma mulher ou o ato de atear fogo em um índio dormindo em praça pública. Tudo é violência (e a mesma violência), apresentada como uma propriedade unitária dos indivíduos, onde os mesmos mecanismos biológicos estivessem envolvidos ou guardassem com eles relação causal.

Por exemplo, um trabalho muito citado na década de 90, de autoria de Hans Brunner e associados, descreve o caso de oito homens de uma família morando em lugares diferentes do país e distribuídos ao longo de três gerações que cometeram: tentativa de estupro, explosões agressivas, incêndio proposital e exibicionismo. Brunner e seus comparsas descrevem todos estes comportamentos, isolados de seu contexto, como casos de agressão atribuindo-lhes uma mutação de ponto no gene que codifica uma enzima cerebral relacionada à neurotransmissão.

Após a coisificação e a aglomeração quantifica-se a característica em questão, dando-se mais um nó no embrulho. O QI é um exemplo disto, mas pode-se, sob este método, medir a agressividade, o altruísmo e por aí vai, tudo apontando para o determinismo genético.

Existe ainda a possibilidade de se tomar o efeito pela causa, intencionalmente ou não. Adrian Rose afirma ser capaz de detectar redução na atividade neural do córtex de assassinos e, pela varredura do cérebro, determinar com 80% a chance de uma pessoa ser um assassino violento. É certo que, em um embate extremo, uma pessoa manifeste grande mudança nos hormônios. É possível que em alguém que passe muitas vezes por este tipo de embate, tais mudanças tenham se tornado permanentes, estando a relação causal invertida. Seria como dizer que pessoas com problemas na coluna têm a tendência de se converter em estivadores.

Sabe-se que defeitos em um único gene podem causar disfunções graves da mente e do cérebro. A doença de Huntington, que progride para o colapso neurológico, é um exemplo, entre outras doenças raras. Ocorre, no entanto, o exagero desta possibilidade para genes com efeitos pequenos ou tão variáveis, que se tornam impossíveis de prever. No caso da doença de Alzheimer, apenas em pequena percentagem pode-se falar em hereditariedade, mas foi alardeada em toda a imprensa a descoberta de marcadores genéticos como causa da depressão maníaca e da esquizofrenia, que após os “quinze minutos de fama” saiu silenciosamente dos noticiários.

Não se pode sequer falar em genes para olhos azuis ou castanhos, quanto mais em genes para aspectos complexos, influenciados, ou mesmo determinadas pela história individual e social. Mas, profissionais famosos na área (já que não se pode chamá-los de cientistas), afirmam ser possível determinar todos os aspectos do comportamento pelo estudo dos genes, reduzindo assim todas as contradições da sociedade e da natureza à interação entre moléculas de ADN. No futuro, da mesma forma que o ADN tomou o lugar da vontade divina, a interação entre átomos poderá tomar o seu e será possível “explicar” o universo.

Por mais que se dêem voltas, inventem justificativas ou sofistiquem-se as explicações, o problema é bastante simples: uma classe reacionária, carcomida e moribunda, mas detentora dos meios de produção, propagandeia algumas descobertas intentando atar a ciência com uma camisa de força que a ajude a se manter no poder. Quando se critica o nazismo, a eugenia e o determinismo neurogenético em geral, as críticas se limitam a mostrar os horrores do extermínio promovido, ou a se realizarem, para se chegar a uma super-raça. Esquece-se, no entanto que o lobo não vive sem o cordeiro. Por mais que o despreze, necessita de sua carne, do seu sangue para sobreviver. Ou seja, uma super-raça precisa de uma sub-raça, deformada ou dopada que a sustente. O extermínio, como na Segunda Guerra, é apenas a primeira parte do processo, onde se espalha o terror, se quebra a resistência para impor a dominação.

Ao longo das últimas duas décadas, o jornal A Nova Democracia tem se sustentado nos leitores operários, camponeses, estudantes e na intelectualidade progressista. Assim tem mantido inalterada sua linha editorial radicalmente antagônica à imprensa reacionária e vendida aos interesses das classes dominantes e do imperialismo.
Agora, mais do que nunca, AND precisa do seu apoio. Assine o nosso Catarse, de acordo com sua possibilidade, e receba em troca recompensas e vantagens exclusivas.

Quero apoiar mensalmente!

Temas relacionados:

Matérias recentes: