O cenário político oficial do país, sob a nova gerência, segue seu curso de sempre, imerso na politicalha do toma lá dá cá. Desta vez, no mundo de negócios de todo tipo e após a anistia e acobertamento dos crimes de Fernando Henrique Cardoso, destacam-se o encobrimento das investigações do caso ACM, distribuição de cargos a vários partidos e favores a políticos. No imediato, tudo isto se destina à aprovação do pacote de reformas enviadas ao Congresso pelo presidente da República. Por outro lado, o grande interesse e empenho com que os monopólios dos meios de comunicação têm se manifestado e batalhado pela aprovação na íntegra e no prazo mais imediato possível do pacote de reformas, é por si só revelador do seu caráter reacionário e antipovo.
Entretanto, não será tarefa tão fácil de se levar a termo. Vivemos um período de crise profunda, ainda que, a exemplo dos últimos governos, o bombardeio publicitário sobre os indicadores econômicos e sociais maquiados tente fazer crer que tudo vai bem. Mas, é exatamente em função de tal crise que não será tão fácil e ligeira a aprovação no Congresso do pacotaço que o governo de Cardoso não pôde realizar. Consequentemente, e ao contrário da desbragada propaganda oficial, já suscita uma grande inquietação e o sacudir de mobilizações populares, ainda que sob a camisa-de-força das centrais sindicais pelegas e organizações sociais governistas.
Da parte do governo e de seus patrocinadores — as classes dominantes reacionárias e seus meios de comunicação sob os ditames do capital financeiro internacional — tratam-se de “reformas” decisivas para colocar o país em condições de retomar o crescimento, eterno conto do “desenvolvimento com justiça social”. Este discurso podre e repetido à exaustão há décadas, desde os chamados “governos do povo” de Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e João Goulart, pelo regime militar fascista, por Sarney, Collor e Cardoso, aparece bem ensaiado pelos novos desbocados de nossa “esquerda”. Sem muita animação e sem qualquer vergonha na cara os chefes petistas e demais asseclas, já com cacoetes de gente da “alta”, enchem a boca para repetir que estão realizando uma revolução social, que estão mudando o Brasil, que a política não é mais a mesma no país, que privilégios não serão mais tolerados, que aos desamparados é chegada sua vez. Enfim, querem com isso afirmar que seu governo consolida a democracia no país e para tal, as reformas em tela são sua garantia e desenvolvimento. Seria mera comédia se não fosse tão trágico para o povo e a Nação.
A República de Sarney: um fato interessante e esclarecedor
Mas, remontemos a alguns meses, precisamente no dia 17 de fevereiro, sessão solene de abertura da nova legislatura, na qual compareceu o senhor Luiz Inácio para levar a mensagem presidencial sobre o “estado geral da Nação”. Nela destacou enfaticamente o papel do Congresso Nacional na condução da vida política do país. Recepcionado pelo presidente da sessão que num discurso quase sem confetes e bastante curto — que não mereceu nenhuma atenção da imprensa e de seus atentos analistas —, o senador José Sarney fez uma flamante saudação ao presidente da República, destacando: “A eleição de V. Exa. representa um momento histórico na vida política do Brasil.” Ressaltou pausadamente que “ela não é somente uma mudança de pessoas, mas o fim de um ciclo republicano.” Pareceria apenas praxe dos discursos oficiais dessas solenidades não fossem tão cristalinas as expressões da oratória alinhavada com escrita tão concisa do Presidente do Senado, político tradicional, ex-presidente da República e alto dirigente político das classes dominantes reacionárias deste país que tem sido peça chave em dois momentos importantes: o fim do gerenciamento militar e o início do gerenciamento petista. É extremamente significativo, diríamos mesmo emblemático, o fato da exposição sintética no discurso do senador sobre a história republicana brasileira, feita para lastrear sua afirmação de que o novo governo marcava o fim de um “ciclo republicano”. Vale mesmo transcrever aqui o núcleo desse pronunciamento. E a importância disso se dá pelo fato da fala de um alto representante das classes dominantes há décadas vinculado às mais altas esferas de poder, patentear a consciência que tais classes, particularmente a fração que o mesmo representa. Seguindo em sua assertiva sobre a história republicana nacional, assim delineou:
“A República nasceu, como tantas vezes constatado, sem jacobinos e sem povo. Liberal nas concepções e nas leis, tornou-se uma peça de ficção entre o país legal e o país real. Com a Revolução de 30, ampliou-se o pacto republicano, para incorporar uma ampla reforma, grandes mudanças nas estruturas políticas, a conquista do voto feminino, a moralidade do processo eleitoral e a participação de segmentos afastados das decisões nacionais, principalmente trabalhadores e amplos setores do moderno capitalismo representados no setor industrial e financeiro. Em breve malograram-se esses objetivos, no fascismo do Estado Novo e no corporativismo de um trabalhismo tutelado pelo Estado. A questão social, num e noutro momento, não foi equacionada e permaneceu responsável, ao longo do tempo, por grandes e insuperáveis injustiças sociais. Com a constituição de 46, mais uma vez amplia-se o pacto republicano com a participação de setores ideológicos, principalmente os segmentos de esquerda, incorporados ao debate político depois da Segunda Guerra Mundial. Vivemos algumas décadas submetidos a crises institucionais profundas, marcadamente influenciadas pela Guerra Fria, que trouxe para o nosso País a confrontação ideológica e hiatos de autoritarismos. Na redemocratização estabelecemos um novo pacto, com a Constituição de 88, cheia de defeitos, mas que na área de direitos sociais foi responsável por notável avanço. Com a vitória de V. Exa. amplia-se ainda mais o pacto republicano de inclusão do povo, dos trabalhadores das cidades e dos campos. Enfim um presidente representativo de camadas e reivindicações de setores até agora não incorporados ao processo de decisão nacional. O Brasil apresenta-se ao mundo como uma grande democracia, com um presidente portador de uma biografia que honra o País pelo exemplo de sua mobilidade social, das oportunidades e uma sociedade verdadeiramente democrática. Estamos prontos para este grande passo. Para o grande pacto social proposto por V. Exa.”1
A República Democrática constituiu-se
num dos maiores passos da humanidade
na história de sua emancipação
Impossível de não se compreender o pronunciamento de Sarney. O que representou seu pronunciamento além do papel de afiançar perante as instituições do Estado a aliança política que conduziu Luiz Inácio à presidência da República? Categoricamente afirmou que a República democrática, tarefa pendente pela inexistência de uma revolução democrática conclusa no país, acabara agora de ser cabalmente estabelecida, com o advento do novo governo e as reformas que preconiza, o que chamou de “o grande pacto social”. Em sua concisão, o discurso de Sarney abarca 113 anos de luta de classes, de grandes embates populares sob o tacão de um Estado burocrático-latifundiário truculento, nascido da herança apodrecida do Estado colonial e escravocrata português, e semifeudal-semicolonial inglês. Ao contrário de nossos acadêmicos e marxólogos e de nossa esquerda legal, o pensamento do senador reconhece que somente agora se estaria processando uma revolução burguesa no país, fato que na opinião dos primeiros há décadas já se teria consumado.
Como se vê o senador expõe uma concepção da República que em seu surgimento não passara de peça de ficção, mas que ao longo do acontecer político nacional “ampliou-se o pacto republicano”, até completar-se nos dias atuais uma verdadeira República, “uma grande democracia”. Então, aqui, com o advento do governo do senhor Luiz Inácio e aprovação das reformas que pretende, o senador e nossos acadêmicos e “revolucionários no poder” passam a coincidir, em geral, sobre uma história brasileira e sua República Democrática já estabelecida. Mas, de fato e não em palavras, o que pode caracterizar-se como República Democrática? Responder a esta questão nos conduz a ver, em primeiro lugar, as diferenças entre uma autêntica e verdadeira República Democrática e a República de Sarney e seus acólitos, e em segundo, situar em traços gerais as tarefas que podem conduzir ao estabelecimento no país a República Democrática de fato.
O surgimento da República Democrática
Como universalmente ficou reconhecido, a República Democrática, como fenômeno histórico, constituiu-se com seu advento num dos maiores passos na história da humanidade em prol de sua emancipação. “Dado ao grande progresso econômico que se atingiu, particularmente na Europa no século XVIII, foi que a democracia deu seu primeiro grande salto com o advento das revoluções burguesas que instauraram a República democrática. Esta foi a via por excelência, mais fecunda, portanto clássica, pela qual a burguesia através da violência revolucionária demoliu a velha e caduca ordem feudal, liquidando suas instituições, completando a transformação que na base da sociedade já amadurecera. Libertando e revolucionando assim, ainda mais, as forças produtivas, impulsionando a produção em saltos como nenhuma época até então.”2 A República democrática representou então a condensação de todo aquele grande salto que se operava na sociedade e lançou as relações sociais a patamares jamais atingidos, consolidando com isto o domínio político da burguesia, o Estado Nacional e os direitos e liberdades democráticas.
A burguesia, enquanto classe histórica, manifestava assim toda sua força revolucionária. Porém, como afirmavam Marx e Engels, a burguesia só podia existir com a condição de revolucionar incessantemente os meios de produção e por consequência, as relações sociais de produção. Isto distinguia o capitalismo de todas as épocas, “por uma situação de subversão continuada, por um abalo permanente e falta de segurança.”3 Com a grande indústria surgira o proletariado e rapidamente o revelava como o produto mais novo e genuíno da época do capitalismo, portanto da história universal. A burguesia revelava assim sua natureza dual, era revolucionária e impiedosamente demoliu toda a velha ordem com suas revoluções e ao mesmo tempo mantinha seu domínio como força exploradora, reacionária. Dado ao seu caráter de classe exploradora, mal ela consolidava o seu poder político e suas instituições, achava-se em confronto aberto com o proletariado, que já a acossava devido ao grau de exploração sobre o qual se assentava sua existência e poder. Já em 1871, a burguesia européia tremia frente aos acontecimentos da Comuna de Paris.
O expressivo alargamento das liberdades políticas ingressou, para sempre na história, a crescente participação das massas de uma forma ou de outra na vida nacional. “A república democrática e o sufrágio universal constituíram um grande progresso em relação ao feudalismo, permitiram ao proletariado atingir o grau de união, de coesão, que é hoje o seu, formar organizações disciplinadas que travam uma luta sistemática contra o capital.”4 Tendo à sua frente o proletariado cada vez mais organizado, as massas populares exploradas e oprimidas, aprendiam rápido que eram elas as mais interessadas na democracia, no seu desenvolvimento e aprofundamento, na transformação de sua qualidade, democracia de palavras, cada vez mais em democracia de fato, política, econômica e social. Portanto, a república democrática surgida pela via revolucionária, foi se consolidando nesses países capitalistas adiantados, não no sentido da ampliação das liberdades, mas através do esmagamento e repressão sistemática do movimento operário e popular, combinado com ações de cooptação das direções de suas organizações sindicais e criação de partidos operários burgueses. Revelava-se então, cada vez mais, a contradição da burguesia com o sentido geral da democracia, buscando restringi-la ao máximo a uma forma de república democrática vazia de conteúdo.
Revolução mexicana — 1910 — uma das maiores guerras revolucionárias que não alcançou seus objetivos por falta de uma direção justa
A República Democrática e a época do imperialismo
Ao final do século XIX, os grandes progressos econômicos liberados pelo modo de produção capitalista baseado na livre concorrência conduziram inevitavelmente aos monopólios e à sua transformação por completo no próprio sistema de monopólios. O capitalismo havia passado a uma segunda e superior etapa de seu desenvolvimento, como bem o definiu Lênin, como fase particular que é capitalismo monopolista, é capitalismo parasitário e em decomposição, e é capitalismo agonizante.5 Intrinsecamente o capital está marcado pelo surgimento do capital financeiro originado da fusão do capital bancário com o capital industrial, e pelo seu predomínio.
O regime de monopólios e domínio do capital financeiro, condicionado pelo relativo atraso do desenvolvimento da agricultura conduziu à exportação de capitais e à política colonialista moderna. Esse fenômeno marca o fim do ciclo revolucionário da burguesia enquanto classe, passando a predominar absolutamente o seu caráter reacionário. O imperialismo, condensação do capitalismo monopolista, é uma tendência para a violência e a reação; ele não quer a liberdade, senão a opressão, e necessita dela na sua forma mais ampla, crescente e ilimitada. Daí que a guerra de rapina sobre as nações atrasadas e a guerra de partilha do mundo entre as maiores potências imperialistas passam a formar parte das leis gerais de seu desenvolvimento.
O surgimento do imperialismo, além de representar uma escalada nunca vista na história de agressão sistemática e por todos os meios sobre os países atrasados e seus povos — o que assegurou ao capital monopolista e financeiro auferir lucros astronômicos — afetou diretamente a democracia nos países desenvolvidos. Resultou no aparecimento do oportunismo no seio do movimento operário e popular como elemento inevitável da época do imperialismo. Os gigantescos lucros do capital conduzem à formação de uma aristocracia na classe operária, uma camada aburguesada que com salários bem acima das grandes massas, é a base segura para a colaboração de classes. Surge uma aliança de parte da classe operária com a burguesia de seu país que espolia nações e povos inteiros.
Os sindicatos são transformados em meros apêndices do Estado, conformam-se partidos operários burgueses (a grande maioria dos partidos operários marxistas denominados por social-democracia), estagna-se por completo a luta pela transformação e aprofundamento da democracia. Enfim, tal situação conduziu à inevitável cisão do socialismo, como afirmou Lênin, como uma condição imprescindível da luta operária, que para aprofundar a democracia via revolução socialista impunha como necessidade absoluta dar combate ao oportunismo de forma inseparável do combate à burguesia, ao imperialismo.
Ainda que temporária, a vitória do oportunismo por longos períodos tem resultado ser de extrema importância para a dominação imperialista e negação da democracia. A vitória do oportunismo nos países capitalistas desenvolvidos significa a não existência ou existência débil de verdadeiros partidos revolucionários do proletariado e, por conseguinte a estagnação e apodrecimento da democracia. Tal situação tem permitido à burguesia imperialista levantar a bandeira da democracia para destruir a democracia. Atualmente, ninguém mais que um personagem tão sinistro como George Bush, que comanda uma nova onda de invasões e genocídios em todo mundo, é expressão máxima dessa democracia.
A Democracia nos países dominados pelo imperialismo
Os países, que à época da passagem do capitalismo à sua fase monopolista não haviam logrado a destruição completa das formas pré-capitalistas — até porque serviram, de uma forma ou de outra de suporte para a acumulação feita através do saque e pirataria, para aqueles que obtiveram maior progresso econômico, o que foi determinante para as revoluções burguesas — passaram à condição de presas fáceis do novo colonialismo capitalista imperialista. À exportação de mercadorias, que submetia esses países à condição de colônia e semicolônia, meros fornecedores de matéria prima, adicionou-se a exportação de capitais. Este processo fez com que o capital financeiro engendrasse nos países atrasados um tipo de capitalismo burocrático impulsionado a partir, não da destruição das bases caducas que entravavam seu desenvolvimento, mas ao contrário, se apoiando sobre estas bases feudais e semi-feudais para projetar sua acumulação de capital com base no lucro máximo.
Esse fato demarcava uma diferença qualitativa do papel da burguesia da fase anterior, de livre concorrência, em que ela atuara de forma revolucionária para destruir no fundamental as formas pré-capitalistas de relações de propriedade e de produção. Demonstrava assim o seu caráter absolutamente reacionário, da fase monopolista, na qual regida pela lei da busca do lucro máximo e não mais do lucro em geral, não atua na destruição das bases caducas existentes nos países que passam a dominar e repartir entre as demais potências, senão se fundindo com elas, se apoiando nelas. À burguesia imperialista não interessa o revolucionamento destas bases e derrocamento das classes que as correspondem, e sim sua conservação, manutenção e sustentação política.
À burguesia imperialista não interessa
o derrocamento das classes,
e sim sua conservação e sustentação política
As revoluções de independência dos países atrasados transformaram-se então numa situação que ameaçava diretamente a estabilidade do poder dos monopólios das potências, bem como da sua acumulação. Passaram a alvos da agressão brutal e sistemática por parte das potências imperialistas. Diferentes processos na Ásia, a partir da primeira década do século XX, confirmaram por completo a falência da burguesia enquanto classe revolucionária. Marcavam o fim da época das revoluções democráticas burguesas, da revolução burguesa mundial, ao entrar o capitalismo na fase monopolista e imperialista. Tanto na Turquia, Irã, Índia e China, os processos encabeçados pela burguesia nativa não associada ao imperialismo haviam desatado um grande abalo para todo sistema colonialista imperialista, mas fracassavam enquanto suas direções se mantiveram sob a liderança burguesa.
Isto comprovava que o capitalismo burocrático e atrasado engendrado nestes países pelo capital financeiro se conformava basicamente, através de sua dominação, na aliança da grande burguesia (compradora e burocrática propriamente dito) com o sistema latifundiário. Estas classes reacionárias e serviçais do imperialismo exploram e oprimem operários, camponeses, a pequena burguesia, bem como a média burguesia, esta autenticamente burguesia nacional. No entanto, devido às próprias debilidades desta burguesia nacional, economicamente submetida ao regime de monopólios estrangeiros e nacionais que resultava politicamente em contradições com este sistema, ela temia as massas populares, por estas serem parte das quais explorava diretamente. Este caráter duplo da burguesia nacional (média burguesia), a fazia essencialmente vacilante e inconsequente, na luta contra o sistema de dominação imposto pelo imperialismo.
Onde essa burguesia tentou conduzir processos revolucionários fracassou, regra geral, via capitulação. A experiência da Revolução Chinesa comprovou também que somente quando o proletariado, através de seu partido revolucionário, o Partido Comunista, tomou a direção da revolução democrática antiimperialista é que foi possível o seu triunfo, ainda que ao longo de mais de 20 anos de luta armada. A instauração da República na China em 1910, através do processo encabeçado pelo Kuomitang do doutor Sun Yatsem, apesar de seu caráter progressista não passou de ser uma República somente de palavras. De fato, a República só se concretizou na China como um todo em 1949. Assim se passou com Coréia, Vietnã e outros países dominados pelo imperialismo.
Há que se tomar em alta conta que a restauração capitalista nos países socialistas, principalmente na URSS (a partir de 1956) e China (1976). Desaparecendo assim o campo socialista, a democracia sofreu uma grande derrota, não somente naqueles países, bem como em todo o mundo.
No período histórico mais recente podemos verificar o mesmo, desde os processos que se deram na África aos atuais no Leste Europeu, Oriente Médio e América Latina. O que se passou com os processos de Argélia, Líbia e outros? Estagnaram e definharam-se. Dentre outras dificuldades, a independência e recuperação do território da Palestina pelo seu heróico e bravo povo destaca-se o problema da direção burguesa da OLP de Arafat. Como também as direções políticas assentadas no islamismo ou outras religiões não podem resolver corretamente a luta de libertação, dado ao seu caráter de classe conservador, semifeudal ou burguês-burocrático. A relativa facilidade com que as potências imperialistas retalharam a Federação Iugoslava tem sua causa, principalmente, na direção burguesa de Milosevic.
Ainda que Saddam Husseim tenha demonstrado uma grande disposição antiimperialista, o caráter de classe do Estado iraquiano sob seu regime era burguês. Dado as contradições das amplas massas do povo iraquiano com o governo, mesmo elas identificando na sua posição antiimperialista a defesa da soberania nacional, não podiam confiar por completo em sua direção. Isto praticamente impede a unidade de todo o povo na defesa da pátria agredida, ademais dos problemas da condução da resistência, dado que o poder não está nas massas e sim num Estado de classes exploradoras. A existência de Estados dessa natureza nos países que são alvos imediatos da agressão e partilha imperialista, tem permitido à reação mundial desencadear sua atual ofensiva. Em todos os países hoje agredidos e ocupados militarmente pelo imperialismo, a resistência nacional tem seu desenvolvimento, crescimento e triunfo condicionados na construção de uma frente única antiimperialista dirigida pela vanguarda proletária, ainda que isto só seja possível a longo prazo.
A Velha e Nova Democracia
Em verdade, o que temos nos países dominados pelo imperialismo, que na sua grande maioria são chamados de regimes democráticos não passam de grosseiras caricaturas do que seria uma República democrática. A República democrática, regra geral, só pôde ser estabelecida através de processo revolucionário em que se liquidou não somente as instituições caducas, mas que aniquilou as bases materiais que as sustentavam, sendo elas o sistema de grandes propriedades fundiárias e as relações feudais. Isto no caso dos países onde se processaram as revoluções democráticas burguesas e que tiveram seu auge no século XVIII. No caso dos países dominados já pelo imperialismo, processos que se deram ao longo do século XX, liquidaram toda a base latifundiária e a dominação estrangeira imperialista. Aí, a República democrática também se instalou via revolucionária e como República popular. E isto só se realizou sob a condução de uma frente única dirigida pelo proletariado. Esta é a experiência histórica concreta. O resto é pura mistificação da reação burguesa, capitulação e oportunismo criminoso.
Como pode existir uma República democrática de fato em países subjugados pelo imperialismo, governados de fora, através de governos lacaios ou capituladores que se agacham diante dos imperialistas e mantêm as massas na fome e miséria, camponeses sem terra, trabalhadores miseráveis ou desempregados, onde direitos mínimos e elementares sequer são respeitados? Que República democrática pode existir onde as classes de grandes burgueses e latifundiários serviçais do imperialismo são quem manda e desmanda, em que seu aparelho de Estado é uma maquinaria burocrática em decomposição, alimentada na corrupção desenfreada, voltada a reprimir de forma sistemática qualquer manifestação autêntica das massas exploradas e oprimidas? Como pode existir uma República democrática centrada num velho Estado burocrático, onde reina a corrupção, que se arrasta de crise em crise em sua decomposição?
A República e a Democracia no Brasil
O que é a República no Brasil? A República, como caracterizou seu surgimento o senhor Sarney, “sem jacobinos e sem povo”, muito ao contrário de como sintetizou sua história, seguiu como surgiu; nunca teve povo, nunca passou de uma caricatura de República. Que mudanças ocorreram ao longo destes 113 anos de sua proclamação? Nada essencialmente que não fosse migalhas de direitos para dar-lhe a fachada de República de palavras. Embora o povo brasileiro tenha lutado sempre, tenha empenhado enormes sacrifícios e que muito sangue tenha sido derramado em prol da sua transformação em uma República democrática de fato, ainda não resultou vitorioso seus intentos. O que o senhor Sarney denomina de ampliação do “pacto republicano” e que representa sua consciência de classe dominante, não é mais que a desfaçatez de justificar e defender a manutenção do Estado de classes reacionárias das quais é legítimo representante. No Brasil, o desenvolvimento econômico, social e político tem sido marcado por uma luta entre dois caminhos, de uma forma mais definida, desde o início do século XX. Contra o caminho burocrático, que prosseguia como desenvolvimento direto do velho sistema colonial em decomposição expresso no estabelecimento de uma República de fachada, surge o caminho democrático revolucionário.
Sem querer desprezar as gestações republicanas das últimas décadas do século XIX, será centralmente com os movimentos denominados por Tenentismo que as aspirações democráticas revolucionárias burguesas se expressarão. Anteriormente e paralelamente a ele se insurgiram movimentos massivos, particularmente de camponeses, que por suas limitações regionais e localizadas, bem como do caráter eclético de suas direções, serão aplastados e varridos a ferro e fogo pelas forças do Estado monárquico-oligárquico e logo pelo Estado republicano-oligárquico recém instalado. O Tenentismo e seu desenvolvimento na Coluna Prestes expressavam, ainda que num nível de consciência limitado, as aspirações democráticas burguesas no país, o nascimento do caminho democrático em luta contra o caminho burocrático da República dos Senhores de Terra, das oligarquias rurais. O fracasso destes movimentos deveu-se, essencialmente, ao caráter de classe de sua direção, que não tinha nas massas trabalhadoras da cidade e do campo sua base fundamental, que não via que sua libertação da opressão latifundiária semifeudal-burocrática e a independência nacional eram parte de um mesmo e único processo emancipatório e libertador das forças produtivas no país. Ou seja, pelo fato de não ter uma direção de classe proletária, sofria duma debilidade insuperável de vacilação e inconsequência frente ao poder das classes dominantes locais e do imperialismo.
Nosso povo é exatamente resultado da fusão
de raças esmagadas na opressão incessante
Foi somente com o surgimento do Partido Comunista do Brasil em 1922, em que pese todas suas limitações, que se criaram as condições para que o caminho democrático pudesse ser vertebrado e dotar-se de uma direção de classe proletária. O Tenentismo e a Coluna Prestes, derrotados temporariamente, vão se dividir basicamente em duas alas: uma direita que vai unir-se na Aliança Liberal de Getúlio Vargas que se desfecha no Movimento de 30 e uma ala esquerda que vai unir-se com o Partido Comunista na Aliança Nacional Libertadora e desemboca no Levante de 35. Em 1930 não tivemos revolução alguma senão a traição de todo ideário mais genuíno do Tenentismo, a sua negação e a comprovação da falência histórica da direção burguesa na luta democrática na época do imperialismo. Getúlio Vargas demonstrou, por todos meios, que sua chegada ao poder significou apenas um giro de forças dentro do bloco de classes dominantes. Tendo antes a hegemonia das oligarquias rurais e a burguesia compradora, o poder do Estado passa ao mando de uma emergente grande burguesia burocrática que necessita do controle do aparelho de Estado para alavancar seu capital.
Não existe aí uma burguesia nacional e sim uma grande burguesia que serve ao imperialismo para impulsionar o caminho burocrático. A quem a chamada “revolução de 30” reprimiu? Afora uma meia dúzia de coronéis feudais do nordeste, a repressão baixou sobre a classe operária e sobre o movimento democrático de forma geral. O giro de hegemonia no bloco de classes dominantes atadas e serviçais do imperialismo representa uma nova reestruturação do velho Estado burocrático-latifundiário. A recomposição com as oligarquias cafeeiras foi automática e a política do café ato contínuo da linha governista. Para dar base e legitimidade ao seu governo que enfrenta várias contestações, mas principalmente o movimento revolucionário armado de 35 e ordenar o impulsionamento do capitalismo burocrático, a política getulista se conforma num tipo de populismo. Combinando a emissão de uma legislação trabalhista inspirada na “Carta del Lavoro” de Mussolini com o desmantelamento dos sindicatos classistas e criação do “sindicalismo de Estado” interviu profundamente no movimento operário e manteve intacto o sistema latifundiário semifeudal. Com o Estado Novo revelou toda sua essência, inclusive se aliando ao imperialismo mais reacionário da época, o nazi-fascismo alemão.
Os processos seguintes nada foram senão o de acomodação de forças internas das classes dominantes, disputas entre frações, mas sempre a serviço do imperialismo, que com a Segunda Guerra Mundial, passou à hegemonia ianque. Porém, com o fim da Segunda Guerra e triunfo da revolução Chinesa em 1949, em nível mundial, entrou-se num novo período da história caracterizado pelo equilíbrio de forças entre o socialismo e o imperialismo, entre o proletariado e a burguesia, entre revolução e contra-revolução. Como reflexo no país dessa nova correlação de forças, uma grande oportunidade para o desenvolvimento do caminho democrático fora perdida com o reformismo das ilusões constitucionais que adoecia a direção do Partido Comunista. Neste momento se criaram enormes possibilidades, com as quais se poderia ter desencadeado o processo de transformação da República de palavras em República de fato. Embora tenha triunfado nas eleições para a Assembléia Nacional Constituinte de 1946, o Partido Comunista foi brutalmente golpeado e varrido da legalidade em menos de dois anos.
Ainda que tenha buscado recuperar-se de tais ilusões, tinha limitações ideológicas importantes que o impedira de constituir-se em verdadeiro partido revolucionário do proletariado e direção correta do caminho democrático. Era incapaz de diferenciar corretamente as frações burguesas e sempre tomava a grande burguesia burocrática como autêntica burguesia nacional. Uma linha correta não conduziria a alianças com a grande burguesia que representava Getúlio Vargas e na relação correta com a média burguesia teria que se basear na política de unidade e luta ao mesmo tempo. Erroneamente a direção caía no oportunismo de tomar grande burguesia por burguesia nacional e se unindo a ela colocava o movimento operário e popular a seu reboque. Assim, as direções oportunistas sempre serviram à fração burocrática da grande burguesia no poder em sua pugna com a fração compradora, esta descaradamente pró-ianque. Tal problema teórico não sendo plenamente resolvido debilitava por completo o caminho democrático em seu desenvolvimento.
Mesmo nos momentos em que o Partido Comunista se armou com uma linha política revolucionária, tal como no início dos anos 30 e com o processo de 1962 do PC do B, sua culminação em derrota, respectivamente, do Levante de 35 e da Guerrilha do Araguaia, conduziram à capitulação e ao oportunismo. A solução incorreta deste problema teórico deriva-se inevitavelmente numa política oportunista. A experiência concreta tem demonstrado que este tem sido um dos elementos fundamentais de entrave no movimento revolucionário brasileiro, manifestando-se tanto como oportunismo de direita quanto do de “esquerda”. O desenvolvimento de todo o movimento radical do socialismo pequeno-burguês que dá origem ao PT, no curso dos últimos vinte anos só o confirma. Enquanto as direções do oportunismo de direita, chocando com o oportunismo de “esquerda” (PT), e que se acha invariavelmente a reboque da fração burocrática da burguesia deslocada do centro do poder, pouco a pouco ambos vão se aglutinando até chegar à conformação da frente “popular” eleitoreira oportunista, unindo-se todos numa frente única com a burguesia burocrática e triunfar nas eleições de 2002.
No mundo todo, povos se levantam contra o imperialismo ianque
Desenvolvimento e crise do capitalismo burocrático
Um período de grandes conflitos interimperialistas e mundiais — as duas grandes guerras — e entre elas a grande depressão iniciada em 1929, obrigou e ao mesmo tempo possibilitou ao país desenvolver determinados setores industriais. Logo após a Segunda Guerra, a nova correlação de forças em nível mundial de equilíbrio entre o campo imperialista e socialista, permitiu à burguesia burocrática, sempre servindo ao imperialismo, desenvolver-se, impulsionando o populismo, o “desenvolvimentismo”. Num e noutro momento adotou-se a política de “substituição de importações”, que sob a máscara de “nacionalismo”, promoveu-se o processo acelerado de abertura ao capital estrangeiro, principalmente o ianque. Este fenômeno é que vai explicar o grau relativo de acentuadas relações capitalistas que se desenvolvem, centradas na expansão de estruturas burocráticas estatais e na instalação massiva de unidades fabris transnacionais, puxadas pelas montadoras automobilísticas, forçando um modelo de desenvolvimento, que aprofunda a dependência nacional, acentua as diferenças regionais e acelera o êxodo rural em proporções gigantescas, alargando a miséria para milhões de brasileiros. Submetendo ainda mais a Nação ao jugo do imperialismo isto se processa apoiando-se na base podre das relações de propriedade e produção semifeudais subjacentes, mantendo-as, ampliando-as. O monopólio e concentração da propriedade da terra no país e as arcaicas relações que abriga em seu interior, das quais se nutre, só vieram intensificando ao longo do século passado, tendo as relações semifeudais relativamente reduzidas nas últimas décadas.
O golpe militar de 64 culmina os planos de anos seguidos em que a burguesia compradora pugnava e conspirava pelo controle do aparelho estatal. No entanto, o golpe militar engendrado pelas agências ianques não lhe confere a posição ambicionada. Diferentemente, o golpe militar servirá exatamente para que a burguesia burocrática recobre forças, que vinha perdendo para setores reformistas e “nacionalistas”, nas crises políticas de anos anteriores. O golpe visa fundamentalmente deter o ímpeto ascendente do movimento de massas, de caráter reformista (reformas de base), particularmente para aplastar o movimento camponês, que se transformara em ameaça concreta eminente ao passar ao terreno da luta armada. A contra-revolução armada no poder toma, em poucos anos, a forma de terrorismo de Estado e vai por partes, seletivamente aniquilar quase por completo o movimento revolucionário.
O regime militar logra derrotar a resistência popular, agindo rápido, aproveitando o período de boom econômico, o “milagre brasileiro” (69/74) e realizará, nos anos seguintes de esgotamento do “milagre”, seu recuo (transição lenta, gradual e segura do general Geisel). Transita assim gradualmente para o regime liberal-democrático. A crise econômica com altas taxas inflacionárias, de colossal endividamento externo e mantendo os trabalhadores sob o mais sistemático arrocho salarial, no quadro de aplastamento do movimento revolucionário criou novas condições para o fortalecimento do oportunismo. Tal situação dará a direção política para a transição ao regime liberal-democrático às frações mais conservadoras da burguesia nacional, espremida até o limite, em composição com a burguesia burocrática. A chamada Nova República de Tancredo Neves e José Sarney servirá à reciclagem no poder de Estado das classes dominantes, sob hegemonia da burguesia burocrática que viverá, após a superação da crise política de transição, o início de sua decadência política em meio de nova e crescente crise econômica e financeira mundial.
A ofensiva geral da contra-revolução mundial, que se desencadeia nos anos de 1980 e tem seu auge nos anos de 1990, é comandada no plano econômico pela política denominada a propósito de “neoliberal”, com reestruturação e formação de grandes blocos econômicos. Na mais agressiva ação dos monopólios e do imperialismo sobre os países dominados, em tempo de paz, imporá as políticas de levar a termo a desnacionalização completa, anulação da soberania, liberalização comercial e miséria levada ao extremo para as massas populares da cidade e do campo. Nestas condições em que se desenvolve a crise geral do capitalismo, para levar a cabo as exigências do imperialismo no país, ninguém melhor que a burguesia compradora no comando do aparelho de Estado, pois ela ganha relevo com a política aguda de destruição de forças produtivas nacionais. Portanto, com Collor de Melo, dá-se início, mas é com Fernando Henrique Cardoso, que se dará a aplicação da quinta estratégia imperialismo ianque sobre o país, para levar a fundo o seu controle e exploração sobre a Nação, suas riquezas, suas matérias-primas, mercado e força de trabalho. Tudo como necessidade objetiva de um imperialismo em decomposição no crescente confronto interimperialista.
O desenvolvimento do capitalismo burocrático no Brasil, em meio de pugnas das frações burguesas e latifundiárias, particularmente entre a burguesia burocrática e a burguesia compradora, gerando seguidas crises políticas e institucionais, sustentou-se através de três grandes planos: 1) com Getúlio Vargas que lança as bases de industrialização, impulsionando-a com o populismo; 2) com Juscelino Kubitschek com seu “Plano de Metas” impulsionado com o “desenvolvimentismo” que acelera o controle direto da economia pelo capital monopolista estrangeiro, principalmente ianque; e 3) com o gerenciamento militar, através do golpe de 64, em que se aprofundam as relações de submissão ao imperialismo, principalmente ianque, acentua-se a expulsão do campesinato do campo e a dominação da cidade sobre o campo. Nele impulsiona o “ufanismo nacional”, alavanca o capital monopolista estatal, mas também privado com base no plano de grandes obras de infraestrutura, planos habitacionais, reserva de mercado e impulso de uma nova grande burguesia agrária baseada no latifúndio e na monocultura para exportação, tudo combinado com elevado endividamento externo. A expressão mais condensada deste processo se dá com seus I e II Plano Nacional de Desenvolvimento.
A crise dos anos de 1980, o fim do gerenciamento militar com transição segura para as classes dominantes, coincide com o início da ofensiva geral contra-revolucionária mundial do imperialismo para fazer frente à sua crise geral, impõe novas e pesadas exigências que potencializa no país a crise completa do capitalismo burocrático. Os últimos doze anos de gerência da fração compradora da grande burguesia cumpriu a tarefa de levar essa crise a fundo.
Toda essa crise que se aprofunda no país, resultante do desenvolvimento do capitalismo burocrático, que não liquidou as bases arcaicas e podres herdadas da formação secular escravista-feudal-colonial e semifeudal-semicolonial-burocrática, exatamente porque é produto delas, tem agravadas todas as contradições fundamentais, condicionada pela profunda e crescente crise de todo o sistema capitalista mundial. A voracidade com que o imperialismo avança sobre nosso país afunda-o terrivelmente nas condições semicoloniais em que está submetido, destrói em escala forças produtivas, esmaga o proletariado acorrentado nos salários vis, produz um exército colossal de miseráveis sem trabalho e sem nada, devasta os campos lançando milhões de famílias camponesas na mais indescritível ruína, eleva a delinquência e criminalidade a níveis extremos. A crise do capitalismo burocrático é a maturação completa para a superação deste estado de coisas, é o amadurecimento das condições objetivas que favorece de forma gigantesca à causa do proletariado e das massas populares, enfim ao mais pleno desenvolvimento e realização do caminho democrático: a revolução democrática.
A voracidade com que o imperialismo avança sobre nosso país
afunda-o nas condições coloniais a que está submetido
Nas recentes condições de nosso país e internacionais, na atualidade, a crise do capitalismo burocrático é a base formidável em que desenvolve uma situação revolucionária. Nela, não só os de baixo, cada vez mais não aceitam seguir vivendo como antes, mas também os de cima, que há muito necessitam de novos e mais novíssimos planos para seguir governando, não podem seguir governando como antes. Necessitam de sucessivos ajustes, reformas gerais, mais que isto, de nova reestruturação do Estado para seguir governando. O que tem significado os oito anos do gerenciamento de Fernando Henrique Cardoso e suas reformas capengas, governo sustentado numa colossal publicidade? E que caminho segue o atual governo petista, senão o mesmo?
A sociedade brasileira tem se arrastado numa prolongada gestação do caminho democrático que tem sido sistematicamente interrompido. Alguma revolução triunfou em nosso país? Não, nenhuma. Isto não significa que o nosso povo jamais tenha lutado. Muito ao contrário, nossa história está feita de heróicas lutas de resistência de nosso povo. Desde a resistência aos portugueses oposta pelos indígenas, a luta contra a escravidão dos negros, pela independência do jugo português e pela república democrática e contra o imperialismo, em todas elas as massas de nosso povo têm se levantado com valentia. Esta é a história real de nosso povo e Nação cuja formação ainda não se completou. Seguem pendentes a independência nacional e a democracia, donde a questão agrária-camponesa é basilar. Nosso povo é exatamente resultado da fusão de raças esmagadas na opressão incessante. Em todos os levantamentos, até então, nosso povo tem sido aplastado a ferro e fogo pela ação inclemente e genocida das classes dominantes, que nos últimos cem anos acobertam sua violência reacionária com sua República de ficção. Sem revolução democrática não pode haver República alguma que não seja mera caricatura de república democrática.
As reformas petistas e a revolução democrática
É preciso ressaltar que nos deparamos hoje com algo realmente inusitado: enquanto a chamada “esquerda” no poder arma as mais sinistras alianças para aprovar no Congresso reformas que lesam brutal e covardemente as massas trabalhadoras e os aposentados e pensionistas a classe operária dos países imperialistas entram em luta cada vez mais radicalizada contra as tentativas de retirar-lhes direitos. Depois de 50 anos eclodiu-se uma greve geral na Áustria contra reformas previdenciárias, o mesmo ocorre na França. Na Itália e Espanha os movimentos grevistas gerais se generalizam contra as reformas antitrabalhistas. E nossos eminentes representantes do governo do Partido dos Trabalhadores cacarejam sobre a justeza e necessidade de tais reformas.
Além do significado prático imediato, cujo impacto sobre a vida do povo brasileiro empurra a situação social num plano inclinado para o caos feito de desemprego, miséria, fome, doenças e criminalidade a níveis explosivos, as “reformas” do governo petista compõe também um quadro da estratégia de manutenção do poder das classes dominantes reacionárias. Isto se dá na medida em que elas buscam, atendendo aos interesses do capital financeiro em primeiro lugar e das demais classes, suas serviçais, dar funcionalidade e operacionalidade ao velho e podre Estado burguês-latifundiário, questão central e vital para a manutenção e sobrevida de todo esse sistema em decomposição.
Não passam do mais crasso oportunismo as posições de quem advoga disputar o governo com a burguesia. Esta tem sido exatamente a marca do oportunismo no movimento popular brasileiro ao longo de décadas. Assim passaram-se os anos com as direções oportunistas tentando ganhar para esquerda os governos de Getúlio Vargas, de Juscelino, de Jango terminando tudo em derrotas contundentes para as massas e para o caminho democrático. Passado o gerenciamento militar, o mesmo se tentou com o governo de Sarney. O caminho democrático só pode se desenvolver de forma independente, como política do proletariado, baseado na aliança operário-camponesa para construir uma mais ampla frente única que inclua a pequena-burguesia e setores da média burguesia. O caminho democrático só é possível de se desenvolver e se realizar plenamente pela via da democracia revolucionária que não tem nenhuma identidade com este velho e podre Estado em decomposição. Ao contrário, ele só pode ser concretizado via a destruição deste velho Estado e na construção de um novo que seja expressão de uma verdadeira e autêntica República Democrática sustentada diretamente nas massas trabalhadoras.
Dado às condições de ofensiva geral contra-revolucionária mundial encabeçada pelo imperialismo ianque e como parte dela no país o triunfo eleitoral do oportunismo, o caminho democrático ainda encontra-se na defensiva. Após ter sofrido duros golpes durante o gerenciamento militar, não pôde desenvolver-se estorvado pela existência do radicalismo pequeno-burguês dos anos 80, que do oportunismo de “esquerda” derivou-se em oportunismo de direita, desembocando no seu triunfo eleitoral de 2002. No entanto, as bases que determinam a atual ofensiva contra-revolucionária geral no mundo e no país, é a formidável crise de todo o sistema capitalista que ameaça desbordar. Tais bases são ao mesmo tempo, no decorrer dos próximos anos, as condições objetivas que empurrarão cada vez mais as massas para luta e criam grandes possibilidades e perspectivas para o caminho democrático desenvolver-se.
No país cresce sem cessar o movimento camponês e a luta em seu interior entre seguir o oportunismo ou o caminho revolucionário. As massas populares urbanas vão recompondo suas organizações e generalizam suas lutas em defesa de seus direitos. No movimento estudantil e sindical se abrirão inevitavelmente ferrenhas lutas políticas contra o oportunismo, em particular por causa direta da política econômica pró-imperialista e suas reformas. Será do seio das lutas mais radicalizadas e autenticamente classistas contra todo este estado de coisas e por um novo poder que se forjará a direção proletária capaz de retomar o caminho democrático e levá-lo ao seu triunfo, o que não tem a menor possibilidade de ocorrer da noite para o dia e exigirá muitos anos. De forma geral, a crise do Estado em decomposição, a continuidade nos fatos da sua relação com a sociedade, a manutenção da politicalha de sempre, da corrupção e violência contra o povo como uma frustração sobre as promessas de esperanças do atual governo, lançarão por terra as últimas ilusões sobre a farsa que representa todo o sistema legal dessa velha república da fome e miséria.
O caminho democrático e seu programa geral
O caminho democrático avançará sem dúvidas e em meio de mil e uma dificuldades e grandes desafios. A luta pela construção da Frente Única Revolucionária depende para seu pleno desenvolvimento de uma direção revolucionária proletária, capaz de aplicar uma linha justa e correta para seu estabelecimento e desenvolvimento. A frente única de classes revolucionárias abarca o conjunto das massas populares, maioria esmagadora da população formada por operários, trabalhadores urbanos em geral, camponeses e assalariados do campo, servidores públicos, estudantes e intelectuais, pequena burguesia, pequenos e médios proprietários do campo e da cidade. Tal direção deve partir da concepção da luta por todos os meios guiados por um programa cujos eixos gerais podem assim ser definidos:
1estabelecimento da República Popular do Brasil em todo o país, como frente de classes revolucionárias, baseado na aliança operário-camponesa, sob hegemonia do proletariado e direção de seu partido revolucionário. República Popular de Nova Democracia apoiada nas massas armadas e organizadas na Assembléia Nacional do Poder Popular;
2 varrer a dominação imperialista, principalmente ianque e todas as demais que oprimem nosso povo e saqueiam a Nação, confiscando todas as transnacionais — empresas e bancos -, e cancelar a dívida externa;
3 confiscar e nacionalizar todo o capital burocrático estatal e privado, todas suas propriedades, patrimônios e todo tipo de grande capital e grande propriedade;
4 destruição de todo o sistema latifundiário e confisco de todas suas terras e propriedades, entregando-as aos camponeses sem terra ou com pouca terra, segundo critérios do programa agrário que define as parcelas por região do país, todo apoio creditício e estímulo à uma crescente e massiva cooperação, concluindo a revolução agrária;
5 respeitar e assegurar a propriedade da burguesia nacional (média burguesia), na cidade e no campo;
6 cancelar todos os acordos internacionais lesivos ao país e o povo e estabelecer uma nova política de relações internacionais, baseada no direito de igualdade das nações e povos e no internacionalismo proletário;
7 promoção de uma nova democracia, nova economia, nova cultura, que integre a economia nacional e a desenvolva reconhecendo as grandes diferenças e problemas regionais; estabilize as condições de vida das amplas massas populares do campo e da cidade com emprego para todos, grandes planos de habitação, saneamento e erradicação de doenças, tudo centrado na elevação cultural das massas, através da mobilização e educação vinculadas à prática social da luta pela produção, luta de classes e investigação científica, guiadas pela ideologia científica do proletariado, para destruir a cultura imperialista e levar a cabo a conformação nacional;
8 defender e consolidar os direitos e conquistas do proletariado, das massas populares e das minorias indígenas, assegurando real igualdade de direitos às mulheres numa Declaração Geral dos Direitos do Povo. Respeitar a liberdade de consciência religiosa, em toda a sua amplitude, de crer e não crer;
9 mobilizar permanentemente as massas populares sob direção do proletariado para concluir a revolução democrática e passar ininterruptamente à revolução socialista, desenvolvendo nela sucessivas revoluções culturais proletárias;
10 como parte da revolução mundial apoiar enérgica e decididamente a luta do proletariado internacional, das nações oprimidas e dos povos de todo o mundo, combatendo sem tréguas o imperialismo, o oportunismo e toda a reação mundial.
Este programa deve ser compreendido como objetivos a serem perseguidos e realizados ao longo do processo revolucionário democrático e completados cabalmente com o triunfo total da revolução. Para levar adiante a luta guiada por tal programa deve-se destacar um programa de luta imediato como programa agrário revolucionário e de defesa dos direitos do povo, programa democrático e antiimperialista.
Conclui-se, pois, que a República Democrática no Brasil só poderá se estabelecer de fato enquanto República Popular, república de nova democracia, cuja sustentação, consolidação e desenvolvimento só poderão ser assegurados com a passagem imediata e ininterrupta à construção socialista.
1 Pronunciamento do presidente do Senado, senador José Sarney na sessão solene de abertura da nova legislatura — Anais do Senado, 17 de fevereiro de 2003
2 Democracia popular e nova Democracia — Fausto Arruda — Veja em A Nova Democracia 3,5,6 e 7
3 Marx e Engels — Manifesto do Partido Comunista
4 Lenin — Sobre o Estado
5 Lenin — Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo