Como já afirmamos, os cientistas menos lambe-botas padeceram nas mãos (ops… nas patas) dos ratos ianques.
Reconstituição do rosto de Luzia
Parece ter sido o caso do brasileiro-húngaro Mihály Bányai, que na década de 1960 veio morar em Lagoa Santa e aproveitou para fazer pesquisas nas grutas, como arqueólogo amador. Num livro que escreveu na década de 1990 (Minhas Pesquisas Arqueológicas na Região de Lagoa Santa, Ed. Symbiose, Budapest, 1997) ele conta as dificuldades que enfrentou, obrigando-o a ter que criar um museu, em 1972, para poder guardar e expor o acervo que coletou.
Agora é conhecido como Museu da Lapinha ou “Museu do castelinho”, visto que foi implantado em Lagoa Santa numa construção em forma de castelo, fato que muita gente não entendeu já que seu conteúdo não tem a ver com a monarquia europeia ou tema correlato.
Hoje é uma entidade particular administrada pela família de Bányai, principalmente por sua filha historiadora. No livro, o sr. Mihály se queixa do tratamento invejoso que recebeu por parte de alguns cientistas mineiros.
Escreveu ele: “Agora (em 1995), depois de 23 anos, durante os quais o museu teve uma carreira de luminosidade estrelar, a inveja pegou fogo novamente. Essas intrigas insidiosas, que visam minar o crédito do museu, partem dos círculos arqueológicos da Universidade, de Belo Horizonte”. E prossegue: “A base das acusações é uma referência permanente à importância (da falta) de qualidade científica do trabalho, que influencia negativamente os que entendem pouco do assunto”.
Seriam fãs dos “Mickeys” os círculos arqueológicos da capital mineira? Não se sabe ao certo. Certeza mesmo, para valer, existe num outro caso. Sabe-se que pertencem à turma roedora aqueles que avançaram contra Walter Neves, quando ele era do Museu Goeldi do Pará (hoje ele atua na USP), porque ousou afirmar que Luzia era a mais velha humana das Américas.
Ah, pra quê!
Pipocaram dentadas, desferidas principalmente pela ala mais tradicionalista (leia-se mais imperialista) da Arqueologia do USA. Os “Mickeys” falaram que Luzia era uma aberração, uma exceção e não a regra. Disseram que Neves estava errado, que o correto era o modelo deles, conhecido como “Clovis-Primeiro”, baseado em pontas de lança de 11.500 anos escavadas no Novo México, e não em existência de esqueletos humanos.
Então tá.
Os dentuços autoritários, num outro caso, tentaram roer a corda também de Niède Guidon, mas ela os identificou claramente, tirou-os do escuro confortável e não deixou a agressão ser relegada ao silêncio.
A arqueóloga Niède, brasileira-francesa, há muito tempo se dedica a pesquisas na Serra da Capivara, no Piauí. Ela andou descobrindo indícios de que seres humanos podem ter habitado aquele estado brasileiro há cerca de 40-60 mil anos, portanto, bem antes do “Clovis-Primeiro” dos ianques.
Pra quê! Partiram para cima dela do mesmo modo como fizeram com Neves.
Apresentando os atacantes de maneira bem nítida, afirmou Niède à imprensa: “Os conhecimentos sobre a pré-história da Europa e da África mudaram, e muito [com o correr do tempo]. A cada ano [que passa] há novos recuos [nas datações] sobre o aparecimento do gênero Homo [no planeta]. [O curioso] é que somente a teoria americana [USA] sobre o povoamento das Américas não pode ser tocada. [Os “Mickeys” não permitem isso, inclusive seus fãs brasileiros]. Em alguns artigos acadêmicos recentes – continuou a arqueóloga – a submissão é tal que somente o que é feito pelos americanos [USA] pode ser considerado [como verdade]”.
Um dos resultados dessas incursões da ratalhada é que a importância dos achados de Lagoa Santa é pouco conhecida no Brasil e também nas Minas Gerais (observadas as devidas diferenças, seria quase como verificar que os egípcios pouco conhecem as pirâmides…).
Quando eu (Rosana) falei, em BH, que iria a Lagoa Santa buscar dados para uma reportagem, diversos mineiros estranharam. Não entendiam a razão do meu interesse.
Estela de Almeida, uma jovem de BH graduada em universidade, confirmou o problema numa rápida entrevista ao AND: “Ao fazer uma breve reflexão sobre o desconhecimento de Luzia, mal que aflige grande parte da população mineira, pude chegar a algumas conclusões. Primeiramente tentei buscar na memória dos tempos escolares… mas nenhuma recordação me veio à mente. Na condição de professora posso confirmar a hipótese de que muito pouco ou quase nada há nos livros didáticos (estaduais) sobre esse assunto. Dentro da grade do curso de História da PUC-Minas, onde graduei-me, não havia uma disciplina sequer cuja abordagem fosse a pré-história brasileira [e os achados de Lagoa Santa]”.
Parte da culpa pelo desconhecimento é da alienação provocada pelo sistema de ensino brasileiro, dominado pela visão da burguesia e do imperialismo. Sem ser divulgado adequadamente e sem fazer parte do currículo escolar em MG, o assunto Lagoa Santa não desperta autoestima, orgulho, conhecimento-informação, vontade de preservar/cuidar do acervo, nada disso. O mesmo já aconteceu com os sambaquis e artes rupestres do estado de Santa Catarina, por exemplo. Enfim, cá no Brasil a coisa tem ocorrido bem do jeito que os ratos gostam.
É interessante lembrar que Lund, embora hoje seja homenageado em Lagoa Santa pelo setor turístico, já foi tido como doido em MG. Isso conforme um dos livros sobre sua biografia, escrito pelo também dinamarquês Henrik Stangerup (Lagoa Santa – Vidas e Ossadas. RJ, Editorial Nórdica, 1983). Sim pois, por que alguém iria passar a vida procurando osso em caverna? Só pode ser tantã, uai!
Mais um desserviço contra o acervo de Lagoa Santa e o patrimônio do povo foi cometido por outros aliados dos “Mickeys”. Tratou-se da demolição de várias grutas, por parte das fábricas de cimento de MG (alta burguesia) para a obtenção de cal. Houve destruição de vestígios pré-históricos e acabou-se também com qualquer chance de se obter novos achados.
A denúncia foi publicada no livro Arqueologia da Região de Lagoa Santa, de HV Walter (RJ, Sedegra, 1958). O autor não cita os nomes dos roedores explosivos, mas entre as companhias que atuavam no setor estavam a Ciminas (hoje Holtercim Brasil), Votorantim, Cauê (grupo Camargo Corrêa), Lafarge, Borges, Cimento Itaú, Matsulfur, Concretex e Paraíso.