O imperialismo francês caminha para a sepultura

O imperialismo francês caminha para a sepultura

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Ilustração: Alex Soares

No caso do Iraque, as “dissidentes” França, Federação Russa e Alemanha se comportaram exatamente da maneira como deveriam, e o fizeram, através dos seus impecáveis representantes, os presidentes Jacques Chirac, Vladmir Putin e o chanceler Gerhard Schöreder.

Após esbanjarem brabeza gerencial para imediata acomodação das ordens recebidas, França e Alemanha — com duas burguesias ressuscitadas pelo imperialismo ianque, adesistas de primeiro momento do Plano Marshall (a partir de 1945) — não criaram qualquer tipo de obstáculo para evitar o massacre, simplesmente porque não têm como mudar de banco, ao menos até o momento. Nem mesmo a figura vampiresca de Putin, um egresso da gendarmaria social-imperialista, induziria a máfia dirigente da Federação Russa a violar a obediência devida de burguesia emergente, cuja trajetória e benefícios concedidos pelas madrastas mais ricas a impede de tornar-se uma adotiva desnaturada.

Mas os despojos são imprescindíveis

Eis que na anarquia concorrencial a “distribuição proporcional” da rapina também não satisfaz a todo o sistema imperialista. O futuro é incerto. O sócio maior promete arrastar os demais a novas aventuras — embora já não pareça tão poderoso — e só as revoluções vão enfraquecê-lo de vez.

Tony, por exemplo, filho pródigo e mais jovem da velha cafetina (a cultura colonial) britânica — quem mais auxiliou Sam nesse último latrocínio — não obteve tanto e para onde vai não consegue esconder sua cara boba e estúpida sempre que suas mentiras chegam ao conhecimento público. Os “falcões” não se mostram tão enfáticos na defesa de Blair. Certo, o desmascaramento (repetido a cada instante) da mais covarde agressão que um país sofreu nos últimos tempos é o que menos importa. Tanto que os tribunais internacionais acabam de condenar os criminosos de guerra contra o Iraque com a mais pesada pena: isenção válida por um ano, independente de quantas atrocidades venham cometer. O USA não ratificou o Tratado de Roma e, portanto, não reconhece o Tribunal Penal Internacional (da ONU), assim como desconsidera totalmente o da Bélgica. Isso foi tido em alta conta. O suficiente para que os processos que incriminam os Robocós ianques e o centurião Tommy Franks fossem arquivados.

Acontece que as coisas transcorreram como planejado. Mas, de imediato, uma tal Bechtel, a principal empreiteira ianque, tudo absorve. O apetite do USA é cada vez mais voraz e quase nada deixa para os restantes, que também dependem da predação para sobreviver. A guerra interimperialista é inevitável, mas as contradições se acirram através de ações rápidas sobre os territórios em disputa, não se limitando a firmar acordos e a promover negociações.

Como conservar os direitos do imperialismo francês

Inegável, o velho Estado francês forneceu uma imensa e variada ajuda destinada a facilitar o caminho do USA para Bagdá até o último instante, quando se tornou inútil prolongar a farsa de discordar do massacre. Chirac foi o chefe de Estado estrangeiro que mais vergonhosamente traiu os iraquianos.

Quais, no entanto, são os verdadeiros planos daquele Estado decadente? Chirac confessou, após a reunião denominada “Diálogo Ampliado — Cúpula de Evian“, em 1º de junho deste ano, que o G-8 não se satisfazia em apenas coordenar as reuniões de chefes de Estado e de governo das mais importantes colônias, porque não basta assegurar a tradicional política das potências.

Quando o G-8 toma a gestão dos negócios deve conceder a palavra aos demais, diz Chirac, “para que todos os representantes sejam ouvidos e respeitados”. Ao reunir 21 chefes de Estado e de governo, de maneira a não criar “legitimidade particular”, o G-8 passou a colocar em disponibilidade de discussão “80% da riqueza mundial em termos de produto interno bruto ou do comércio internacional”. O emprego dessa política significou conceder a palavra aos gerentes semicoloniais para que expusessem, com abundância de detalhes, toda a potencialidade desses países, aprofundar os relatórios que evidenciam as perspectivas da exploração e espoliação semicolonial e colonial, inclusive no que se refere às partes até então desprezadas dessas riquezas — expediente que não aparecia nas reuniões muito enquadradas. Nisso residem as deferências com que agraciam, agora, os “chefes de Estado”.

Um imenso programa de desenvolvimento, o Nepad (Nova Parceria para o Desenvolvimento da África), foi lançado pela França com êxito, evitando impactos contestatórios de maior projeção, como os similares Nafta, Mercosul, Alca, etc. E é certo que isso inclui o chamado Oriente Médio — uma compartimentação da tão explorada e saqueada África, à serviço da geografia do imperialismo na exploração dos povos árabes.

Admite a impudência de Chirac, “a África é a parte do mundo mais confrontada aos maiores problemas”. Mas, sobretudo, é o continente onde a França mantém colônias e semicolônias, ou fatias de países que os imperialistas disputam entre si, movendo a “guerra suja” contra a qual os povos respondem com a luta de libertação nacional.

Lula lá? “Ou lalá…”

Para nosotros, os da América proletária — já que o USA não pode administrar sozinho o mundo inteiro, sequer sua retaguarda estratégica -, é concedida a graça de programas de dominação semelhantes ao do Nepad, financiadas e geridas pela União Européia (e os “sócios” nacionais), hospedeira tolerada pelo USA, porque, de uma forma ou de outra, ele se encontra presente no capital europeu.

Chirac afirma que a passagem da política assistencialista para uma política de parceria1 pressupõe continuidade, no que encontraram a boa mecânica: a gestão de representantes pessoais. O representante francês, o governador2 do Nepad pela França, é Michel Candessus, ex-governador do Banco da França e ex-diretor-geral do FMI. Há representantes pessoais (governadores) para governar programas de desenvolvimento em cada colônia, revela Chirac.

Quando o operário padrão do Banco Mundial supõe existir “uma riqueza mundial que se desenvolve consideravelmente graças à globalização”, e, ainda, que é necessário, de uma maneira ou de outra, “encontrar o meio de recuperar uma parte dessa riqueza” (?), o patrão francês responde bem-humorado: “Ele tem razão, sou totalmente favorável a isso. O problema é encontrar a boa mecânica”(!), foi o que afirmou Chirac no mencionado encontro de Evian.

Prontamente, qualquer conservador reconhece a intenção do imperialismo francês. Não causa constrangimento aos oportunistas entendê-la.

No dia seguinte ao encontro de Evian, proferindo um discurso na Aliança Francesa de São Paulo, o secretário de Estado para as Relações Exteriores da França, Renaud Muselier fez recordar o período relativamente longo em que o capital europeu deixou de ser preponderante na América Latina, e que seu retorno triunfal a este continente aconteceu quando foi chamado a intermediar conflitos entre organizações guerrilheiras, estranhamente propícias às negociações de paz, e as gerências militares latinas.

Muselier nomeia as conversações de paz de San José, 1984, “ancestral do diálogo político com o Grupo do Rio”, em 1990. Poderia citar Chiapas, o Fórum de São Paulo, e tantas outras mais recentes promoções pacifistas e capitulacionistas que enriqueceriam sua exposição. Além disso, esquece de mencionar a repentina retirada de apoio da UE a Fidel, tão logo o tigre voltou seu olhar ameaçador em direção a Cuba. Tampouco descreve as doações do patrimônio das nações, criminosamente perpetradas pelas diferentes gerências na América Latina, como o livre trânsito de “cientistas” franceses para espionar a Amazônia, facilitando as “pesquisas” das suas ONGs e laboratórios; as concessões para especulação imobiliária em áreas nobres; franquia de impostos em vários ramos de empreendimentos, principalmente na indústria, etc. Admite Renaud, o governo francês (com suas estatais e corporações particulares) participou ativamente da desnacionalização das empresas de economia mista (“estatais”) latino-americanas.

Entre os dentes do Mercosul

A aparência de que o Mercosul não se envolve com a Alca e que as relações com a UE permitem diminuir os prejuízos da administração made in USA estabelecendo uma “globalização mais humana”, se mantém na única condição de que sejam usados os óculos do semicolonialismo. O Brasil é utilizado no Mercosul para destruir de vez a economia dos países vizinhos — que o diga o povo trabalhador do Uruguai -, e as relações estruturadas com as hienas que compõem a UE não mudam o monólogo imperialista.

Preocupada em afirmar-se nos conjuntos regionais, a UE consegue revelar o óbvio: os antigos endereços das poderosas corporações, e que o Mercosul, a Comunidade Andina das Nações e o mercado centro-americano são dirigidos pela coalizão imperialista com funções pré-estabelecidas. Este mês, a III Comissão Geral Franco-Brasileira “confirmará o engajamento da França no Brasil”, com programas de “cooperação”, “desenvolvimento sustentável”, acordos bilaterais e trilaterais.

O capital europeu, que depois de tantos anos provou não trazer nenhum benefício para o povo, criará um círculo virtuoso de crescimento aliado ao “sucesso das reformas empreendidas pelo Brasil”, promete o diplomata. Tudo garantido pela “visão análoga do mundo”, o apego da burguesia burocrática francesa ao desenvolvimento, à democracia e ao “Estado de Direito” através da “globalização da solidariedade”, incluídos desafios na “luta contra o terrorismo”, o “integrismo”, a criminalidade internacional — sem macular a democracia, o meio ambiente… e todo o discurso preferido dos ianques -, conforme explicado no encontro da Cúpula do Grupo do Rio, em maio, ao ficar estabelecido o “Consenzo de Cuzco“(?).

Mas se a África, para o imperialismo, é um lugar emblemático, a Amazônia também o é. O (mesmo) sistema de governo de traição nacional, a pretexto de garantir um “meio ambiente” excepcional, recentemente ofereceu o recém-criado parque natural de Tumucumaque (Amapá, 3,8 milhões de hectares, maior que Sergipe e Alagoas juntos) — com apoio do Banco Mundial, do Fundo Mundial para o Meio Ambiente (GEF) e US$ 1 milhão da WWF -, para juntar-se ao projeto do outro lado da fronteira (2 a 3 milhões de hectares da Guiana “francesa”3, cobertos por florestas virgens), e “constituir a maior reserva de biodiversidade do mundo”. E, unicamente pelo fato do povo daquela Guiana jamais ter o seu direito à independência reconhecido, “a França também é amazônica”, exclama o bem-intencionado Renaud. Para unir os dois territórios já foi marcado um encontro emblemático numa esquina do Oiapoque entre os representantes do Brasil e da França, quando darão início à construção da ponte que une os projetos “transfronteiriços”.

Renaud Muselier conclui reafirmando propósitos de paz — o que significa que a guerra, em breve, irá se alastrar também por este continente. É sintomático que os chefes de Estado do Grupo do Rio tenham solicitado da ONU seus bons ofícios para que haja, “por parte das guerrilhas colombianas, um acordo de suspensão completa das hostilidades” a fim de alcançar uma solução pacífica e definitiva. En passant, o governo francês responsabiliza o Brasil como interlocutor essencial da Europa na região.


1 Parceria — A expressão recorda um dos artifícios mais utilizados nas relações de exploração no campo (a meia, a terça, etc.). Há quase duas décadas serve para designar um desses contratos que aprofundam a exploração do trabalho nas fábricas e acentuam a circulação de capital. A expressão se insere no glossário da “religião do trabalho”, elaborado pelos sacerdotes do oportunismo. Um logro que visa induzir o trabalhador, destituído de qualquer meio de produção, a pensar que o grande patrão — ao “emprestar” ferramentas, equipamentos e espaços — mantém com ele relações de colaboração. Os tecnocratas também empregam essa designação nos planos regionais de desenvolvimento, ajuda, promoções, etc., com o mesmo intuito. Em se tratando de exploração do trabalho, diretamente, a expressão parceria se faz acompanhar de outras como: terceirização, condomínio industrial, cooperativa de trabalhadores, qualidade total, empregabilidade, etc.
2 Governador — Expressão tomada da regência jurídico-administrativa das instituições multilaterais de “desenvolvimento” e “ajuda”.
3 Guiana “francesa” — Departamento de Ultramar da Guiana Francesa . Desde 1967, da base militar de Kouru são lançados foguetes que colocam em órbita satélites financiados por corporações européias. Na Guiana há, pelo menos, uma pista de 3 mil metros, construída e ocupada por soldados ianques. O Parque brasileiro também se limita com a antiga Guiana holandesa, que conquistou sua independência formal em 1975, atual República do Suriname, com marcante presença inglesa e ianque (onde outra pista, de 5 mil metros permanece ocupada por soldados do USA), além de organizações guerrilheiras na selva que combatem a intervenção estrangeira. Sucedem-se relatos de que autoridades inglesas são flagradas no Tumucumaque, entrando pela fronteira do Suriname.
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