Entre os dias 15 e 19 de julho foi realizado o 51º Congresso da UNE no campus da Universidade de Brasília — UnB. A entidade, que nos últimos cinco anos recebeu algo próximo a 10 milhões de reais da gerência Luiz Inácio (7 milhões somente nos últimos 14 meses) [fonte: Jornal Estado de S. Paulo de 17 de julho de 2009] também contou com o patrocínio de sete ministérios, Correios, Caixa Econômica Federal e Programa Nacional de Segurança com Cidadania (Pronasci), totalizando mais de 900 mil de recursos (dos cofres públicos). Tudo isso para cobrir um orçamento de 2,5 milhões de reais estipulados para o Congresso.
Luiz Inácio à mesa na abertura do 51º Conune
Apesar da declaração da até então presidente da entidade, Lúcia Stumpf, que disse não serem "os recursos que mudam os posicionamentos da UNE" e que "a UNE nunca vendeu sua posição", os temas centrais do 51º Conune foram a "defesa da Petrobras e do petróleo brasileiro" e a defesa da aplicação da "reforma universitária". Palavras de ‘enorme impacto’ diante dos R$ 100 mil recebidos da transnacional petrolífera como "doação" ao Congresso.
A respeito da campanha em prol da "reforma universitária" do Banco Mundial, a UNE apenas foi coerente com a sua prática dos últimos anos. Desde que se converteu em agência da gerência Luiz Inácio para assuntos do imperialismo no movimento estudantil, a entidade governista vem servindo de aríete dos interesses imperialistas, minando a resistência estudantil à aplicação das medidas anti-povo nas universidades brasileiras.
Daí resta apenas o lixo
Em 1965, enfrentando as duras condições de clandestinidade e perseguições por parte dos gorilas militares, o movimento estudantil encabeçado pela UNE denunciava a desnacionalização da Universidade brasileira, as medidas dos acordos MEC-USAID ditadas pelo imperialismo ianque e a Lei Suplicy de Lacerda, que colocava na ilegalidade as organizações estudantis. A revolta fermentava em meio às massas. Durante a aula inaugural da Universidade do Brasil (atual UFRJ), em 9 de março daquele ano, o títere militar Marechal Castelo Branco foi recebido com uma estrondosa vaia pelos estudantes e membros do Corpo Diplomático da Universidade. Cinco estudantes foram presos pela Polícia do Exército e o fato repercutiu rapidamente. Esse exemplo de combatividade foi repetido na aula inaugural da Faculdade Nacional de Filosofia, onde todos os estudantes se retiraram ao ser anunciada a palavra do Ministro-Chefe da Casa Civil, Luis Viana Filho. Esses acontecimentos contribuíram para sacudir o movimento estudantil, provocando ações de solidariedade e a mobilização das organizações de base.1
Passados 44 anos, no dia 16 de julho último, numa mesa pomposa repleta de engravatados que mais poderia ser o retrato de uma seção do enlameado senado, estavam presentes os herdeiros da decomposta estirpe de João Amazonas e Luiz Inácio.
O gerente de turno do velho Estado, que "nunca na história deste país" esteve presente em um Congresso da dita União Nacional (dos Estudantes?) — UNE/PCdoB, foi acolhido com a devida bajulação (muito bem paga), para discursar para a multidão disforme em uma das plenárias do 51º Congresso dessa entidade. Afora o costumeiro governismo, a aprovação das medidas do Banco Mundial para a educação, ditadas pela "reforma" universitária, e o desfile encomendado pela Petrobras "em defesa do petróleo", a UNE retocou o velho posto ocupado há décadas pelo Pecedobê em sua presidência deixando um rastro de destruição, sujeira e desordem nas escolas cedidas para o alojamento dos participantes do evento.
Prática degenerada
No dia 22 de julho, terminada a farra da UNE, restou o rastro de destruição resultante da aplicação de sua linha política oportunista e degenerada.
As escolas públicas emprestadas para servirem como alojamentos dos participantes do Congresso (emprestadas a contragosto, após pedido oficial da Presidência da República) foram entregues tomadas pelo lixo. As diretorias das escolas protestaram indignadas ao encontrar garrafas de bebidas alcoólicas, vestígios de drogas e preservativos. Segundo a Secretaria de Educação de Brasília, uma das escolas teve a horta destruída, pois os participantes do congresso teriam tomado banho e defecado no local.
Oportunistas se utilizam da defesa do petróleo para desfilar em Brasília
Terminado o Conune, nenhum dos alojamentos foi limpo ou organizado, e a direção da UNE se apressou para transferir a responsabilidade: "Trata-se de um comportamento isolado de alguns participantes que a entidade lamenta e condena. Porém, não é possível se responsabilizar por atitudes individuais", declarou Augusto Chagas, presidente recém-eleito da entidade.
No entanto, os relatos das diretoras das escolas demonstram que não foram "atitudes individuais" como afirmou Chagas.
— A gente viu uns jovens tomando banho na horta das crianças e eles ainda fizeram as necessidades em cima das plantações — lamentou a diretora do Centro de Ensino Fundamental 01, do Lago Norte, Claudia Regina Justino Fernandes que prosseguiu:
— Esperávamos 400 alunos e vieram mais de 600. Muitos tomaram banhos nus no pátio da escola e constrangeram os funcionários e vizinhos. Além disso, nunca vi tanta sujeira. E a escola estava pronta para a volta às aulas. — lamenta. [fonte: Correio Brasiliense]
— Existiu uma contradição entre o discurso e a prática a que a instituição se propõe — desabafa a secretária adjunta de Educação, Eunice Santos. [fonte: O Globo, 22/07/2009].
Quem é Augusto Chagas?
O recém-eleito presidente da UNE foi anunciado como ‘um importante dirigente estudantil’, ‘ativo nas mobilizações’, ex-presidente da UEE de São Paulo. Apurando os fatos das últimas lutas estudantis na UNESP, UNICAMP, a greve e ocupação da USP em 2007 e a greve geral ocorrida recentemente na mesma universidade, não encontramos sequer o rastro da passagem da UEE, da UNE ou de Augusto Chagas, a não ser em notas de repúdio contra sua prática oportunista e conciliadora. Mas encontramos o depoimento de um ex-colega de Augusto Chagas na página da internet "O biscoito fino e a massa", que pode dizer mais que qualquer outra fonte.
"Esse Augusto Chagas, novo presidente da UNE, estudava na mesma faculdade que eu na minha época (UNESP de Bauru-SP). Apesar de eu estar sempre participando das movimentações dos Diretórios e Centros Acadêmicos, eu NUNCA vi a cara desse rapaz.
É mais do que sabido dentro do Movimento Estudantil brasileiro que as correntes ligadas ao PCdoB e PT jamais — repito, jamais — se envolveram com as recentes lutas travadas contra os ataques à educação superior pública desse país. Para alguns exemplos, cito a Ocupação da Reitoria da USP de 2007, as ocupações de reitorias das federais contra o REUNI e a última greve da USP. Se ausentaram e se ausentam, pois só se preocupam em ocupar os espaços da via institucional (como a UNE, por exemplo). Seguem cegamente as diretrizes estabelecidas por seus partidos, no intuito de sustentar o plano de governabilidade de Lula, mesmo que isso signifique estar em conflito com os reais interesses dos estudantes os quais dizem representar".
João Ricardo da Silva, 22 de julho de 2009.
A UNE foi assim
Lula posa para a imprensa cercado de bajuladores
Depoimento de José Sales Pimenta, membro da 2ª diretoria da UNE após a sua reconstrução (período 1979/80/81)
Naquele momento, quando lutávamos pela retomada da UNE, o ambiente era outro, as pessoas se mobilizavam, havia uma vibração da direção do movimento que contagiava as pessoas. A mobilização da juventude era uma coisa sincera, radical e decidida contra qualquer acordo lesivo e contra toda ingerência do imperialismo na Universidade brasileira, por isso a UNE se notabilizou nessas lutas.
Na época da retomada, quem puxava as coisas era o pessoal que lutava contra a ditadura. Teve uma greve na USP (veja só, sempre a USP vanguardeando os movimentos de massas estudantis), e surgiram movimentos de solidariedade em Minas, no Rio, na Bahia e outros estados. Era um movimento essencialmente pela derrubada do gerenciamento militar, um movimento pelo fim dos acordos MEC-USAID e da lei Suplicy, contra as diretrizes do decreto 477. O movimento se levantou com um espírito claramente de revolta, de rebeldia. Esse era o movimento estudantil que tornou a UNE famosa.
Éramos os continuadores da UNE que lutou na clandestinidade nos anos 60, combateu na ilegalidade, combateu nas ruas, os 2 últimos presidentes, todos conhecem: o Honestino Guimarães e a Helenira Rezende, que tombaram na luta armada revolucionária, por um projeto de transformação revolucionária da sociedade.
Isso era a UNE, uma UNE anti-imperialista, que defendia os revolucionários brasileiros, que defendia a Universidade nacional e a soberania nacional da forma mais avançada, lutando ombro a ombro com os trabalhadores do campo e cidade.
As lideranças da UNE eram os mais destacados do combate aos militares nas faculdades.
Comparar essa história com isso de hoje é um absurdo. O oportunismo tomou tal proporção nesses partidos legais que vários deles, que na época da ditadura ainda lutavam por uma transformação da sociedade brasileira, abandonaram completamente e não possuem mais nenhum elo com aquelas organizações do passado. Com o desmantelamento das direções desses partidos, o oportunismo tomou o controle. O PT já surgiu com posições conciliadoras, pelegas, reformistas e com um projeto eleitoreiro, apenas o discurso inicial era radical e até isso foi abandonado, e a degeneração do PCdoB é uma coisa tão absurda… Utilizaram toda essa história da UNE para usar a entidade para se cacifar politicamente, para meter as mãos nas verbas do governo e renegar todo o passado de luta da juventude revolucionária do nosso país.
Hoje eles conseguiram levar a UNE à situação mais baixa, mais servil ao imperialismo de todos os tempos. Essas pessoas não têm o direito de falar no nome das grandes lideranças históricas e revolucionárias da UNE. Nunca vi uma corja tão oportunista, governista, gananciosa, inescrupulosa, que usa a imagem da rebeldia da juventude para conseguir cargos e dinheiro.
1. Dados extraídos de O Poder Jovem, Artur José Poerner — editora Civilização Brasileira