O lugar do piano no choro

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O lugar do piano no choro

Ele já compôs e arranjou para os mais importantes nomes da música popular cultural brasileira; trilhas sonoras e orquestração para cinema e televisão; participou de conjuntos regionais e tocou nas noites cariocas. Nem um pouco preocupado com os grandes meios de comunicação, que favorecem os modismos e músicas descartáveis, aos 61 anos de idade, o pianista Cristóvão Bastos, acaba de lançar um CD instrumental homenageando as gafieiras, prepara composições individuais e em parceria, e participa da Escola Portátil de choro, dando aulas de piano e acordeon.

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Ele desafiou a máxima de que piano e choro não combinam e vem administrando aulas do instrumento na Escola Portátil para interessados alunos de choro, de todas as idades. Na verdade Cristóvão é um pianista diferente, por ter se integrado no universo samba/choro, e mergulhado na música popular brasileira. Sua própria história é diferente, já que não cursou os conservatórios e se tornou pianista por acaso.

Carioca de Marechal Hermes, Cristóvão estudou acordeon dos 7 aos 14 anos de idade, apesar de não ser de uma família diretamente ligada à música, e começou a tocar profissionalmente, acordeão, aos 15 em uma boate em Cascadura, subúrbio do Rio, em uma época em que boates eram proibidas para menores de 21 anos.

— Aos 17 anos o dono da boate me perguntou se eu sabia tocar piano, para substituir o pianista que estava indo embora. Eu disse que sabia, apesar de só conhecer o acordeon, que tem certa semelhança. Minha carreira de pianista começou nesta noite. Fiquei ‘catando milho’ durante algum tempo e depois fui me aperfeiçoando (risos).

Desta boate começou a tocar em outras, e paralelamente participou de dois conjuntos regionais, que faziam muitos bailes. E todo esse trabalho era muito gratificante para o músico, porque, segundo conta, naquela época, por pior que fosse a casa, a música era boa.

— A música em qualquer lugar era sofisticada em termos harmônicos, melódicos. Podia-se ligar o rádio a qualquer hora do dia e ouvir grandes nomes da música. As pessoas compravam discos que não jogavam fora, escutavam a vida toda. Hoje em dia se compra disco que dentro de cinco meses não se escuta mais, porque saem da moda, músicas descartáveis, sem conteúdo.

Segundo Cristóvão, uns dos melhores lugares eram as Gafieiras, onde as pessoas podiam dançar, conversar e apreciar a boa música. Tanto que em abril passado lançou o disco instrumental Curtindo a gafieira, onde a homenageia com dez composições, entre sambas, choros, boleros e partido alto, ritmos muito tocados. A venda do CD é feita em seus shows.

— Antes desse, gravei um disco solo chamado Avenida Brasil. Fiz um em parceria com Marcus Pereira chamado Bons Encontros. Outro com Leni Andrade, Piano e voz, só com músicas de Tom Jobim e um terceiro com o grupo Nó em Pingo D’água, chamado Nó em Pingo D’água e Cristóvão Bastos. Também participei como solista da primeira força que o Paulinho da Viola deu para o choro, 1975, o disco Chorando. Não tenho noção de quantos discos já participei fazendo arranjos. Entre outros já fiz para: Elza Soares, Emílio Santiago, Angela Maria, Nelson Gonçalves, Paulinho da Viola, Edu Lobo, Nana Caymmi, Chico Buarque. Também já fiz orquestração para dois filmes: Boca de Ouro e Danúbio. A música para Mauá, o imperador e o Rei, e composição e orquestração para Zuzu Angel.

Entre os bons

Em uma das boates que trabalhou em Copacabana, Cristóvão conheceu Emilio Santiago, Nara Leão e Paulinho da Viola, que foi lá se apresentar com o seu conjunto, e Cristóvão acabou se juntando ao grupo. Foi uma afinidade imediata. A partir daí começou a gravar e compor, apesar de que já compunha algumas músicas desde o tempo do acordeão, por volta dos dez anos de idade, mas não levava a sério e nem tinha frequência.

— Com o Paulinho tenho quatro músicas, todas choros: Meu tempo de garoto, Acreditei nos beijos dela, Não me digas não e Um choro por Valdir, mas até que poderia ser mais, já que somos compadres, ele batizou meu primeiro filho, e temos grande afinidade musical. Para se ter uma idéia, cada uma dessas composições foi feita em questão de horas, não mais que duas. Também compus com o Elton Medeiros, Chico Buarque e Aldir Blanc,cuja música Resposta ao tempo acabou fazendo com que Nana Caymmi ganhasse o seu primeiro disco de ouro.

Cristóvão não gosta de dizer que é autodidata no piano, prefere se colocar como alguém muito esforçado em seus estudos solitários, e que encontrou as pessoas certas nas horas certas, das quais tirou dicas e conselhos.

— O meu estudo de acordeão, ainda criança, foi de grande valia porque peguei os rudimentos de música, leitura, divisão, dinâmica, mas não era muito profundo na questão harmônica. A partir daí comecei a aprender no dia-a-dia. Um grande mestre foi o Pitanga, um violonista que não lia absolutamente nada de partitura e tocava com uma riqueza e detalhes surpreendentes. Na época tinha cerca de quinze anos de idade, comprei um violão e aprendi tudo que ele sabia, observando. Quando passei a tocar piano, a minha escola foi a troca de informação diária com outros colegas.

Sempre integrado nesse universo da música popular brasileira, do samba/choro, Cristóvão não teve dificuldade em se juntar a um regional.

— O pianista tem a oportunidade de tocar um choro sozinho, devido a riqueza do seu instrumento, e isso estraga essa coisa gostosa do grupo de choro. É difícil, mas também o pianista pode se integrar ao regional. Eu tive a felicidade de tocar em um show do Paulinho chamado Sarau com o Época de Ouro, por exemplo. Meus alunos já estão crescendo musicalmente integrados nesse universo. Durante as aulas, por exemplo, acontece uma roda de choro em uma determinada sala da Escola, onde tem um piano. Assim, alguns deles já estão participando desse regional.

Segundo Cristóvão, o monopólio dos meios de comunicação não quer mostrar, mas isso não impede o choro e o samba de acontecer.

— Tenho feito show instrumental tocando muito choro, e sempre tenho público. No Rio, tem rodas de choro em Marechal Hermes. O samba está vivo em Madureira, na Portela, no Império Serrano, também na Mangueira. A mídia não fala, mas as velhas guardas estão atuantes e são maravilhosas.

O projeto de Cristóvão agora é dar procedimento na homenagem a gafieira, lançando outro CD; lançar um disco de improviso com Luciana Rabello e Maurício Carrilho, que seria a ‘farra musical’ e fazer um disco de piano e cordas.

— O que gosto de observar na música é que o músico não se aposenta e nem deseja isso. Enquanto a maioria das pessoas vivem batalhando para se aposentar, nós vivemos batalhando para tocar mais e mais (risos).

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