O músico e o gênio nacional do povo

O músico e o gênio nacional do povo

Agrava-se a situação dos músicos profissionais, como a dos demais trabalhadores. Com a censura à música genuinamente brasileira, a constante diminuição de elencos, dissolução de orquestras e conjuntos facilitada pela digitalização, as músicas são executadas em troca de esmolas. Essa situação suscita também a questão do que é popular e democrático não só na música como na arte em geral.

Atualmente, as potências imperialistas impõem aos demais povos a literatura e a arte que menos serve aos países dominados, ou seja, vendem um produto único, jingles que absolutamente nada contêm de nacional, nem mesmo onde eles são criados, uma vez que as massas da metrópole também não escapam da exploração e precisam consumir o mesmo produto.

Para o sistema das grandes corporações monopolistas é urgente retirar todo o caráter nacional das manifestações artísticas para assegurar uma dominação mais tranquila. Claro que para isso conta com os aristocratas da colônia que operam na área da arte, os mesmos que estabelecem a censura e têm a coragem de dizer que o bom artista é aquele que vai mais longe que todos e, por isso, os contemporâneos muitas vezes não os compreendem. Quer dizer, o público não tem importância. Pretendem uma “unidade de cultura” que não contenha nenhum dos elementos identificadores das massas com a arte.

Por se tratar de uma expressão cultural transformada em mercadoria, tal arte deve ser consumida rapidamente e os “produtos” são substituídos sucessivamente por alguma outra coisa com o mesmo “padrão”.

A música está inserida nesse contexto por ser de vital importância como elemento cultural. É, portanto um dos grandes alvos da dominação estrangeira.

A crescente padronização e tecnificação (empobrecimento) na música deixa os profissionais encarregados de sua execução desempregados, uma vez que toda uma orquestra pode ser substituída por um teclado, sem se discutir, é claro, a qualidade.

Dessa maneira, essa categoria profissional que compreende instrumentistas, cantores, compositores, arranjadores e regentes se vê obrigada a trabalhar em espaços de divulgação cada vez menores.

Não é qualquer música

Não se trata aqui de profissionais que se limitam a reproduzir a música imposta, mas dos guardiões do repertório verdadeiramente nacional e progressista dentro da música — indo da popular à mais elaborada — aquela que reflete exatamente o espírito das massas e o eleva. Estes, sim, encontram as maiores dificuldades porque as portas do monopólio dos meios de comunicação estão definitivamente fechadas a quem defenda uma cultura efetivamente nacional.

O fato é que o povo canta e vai cantar sempre os repertórios novos e tradicionais. Daí que bons músicos, apesar do cerco que pretende ser mortal, continuam se renovando, criando e interpretando. Tal renovação pode ser feita de várias maneiras, mas sobretudo só é possível porque as massas, apesar de carregarem muito da ideologia dominante, exigem uma música que se identifique com elas, que evidencie seus êxitos e dificuldades nas batalhas do cotidiano.

A instrução pública é uma dessas formas. Não tanto aquela que promovia a “educação musical” a que se acostumaram nossos avós, que se assemelhava mais a uma tortura pela falta de instrumentos e aridez das teorias. Na escola tradicional e conservadora, os alunos eram obrigados, na maioria das vezes, a decorar as partituras, mas dificilmente conseguiam executar as músicas com instrumentos adequados. Dessa maneira, por melhor que fosse o repertório, era muito difícil gostar de Mozart sem um piano para executá-lo.

A Associação dos Músicos, Arranjadores e Regentes – Sociedade musical brasileira (Amar-Sombrás) é uma das instituições que reúne muitos grandes nomes da música brasileira e se preocupa com a situação do músico profissional. Na opinião do intérprete e compositor Nei Lopes, seu diretor-secretário, “para que haja maior renovação do universo da música profissional deve haver a criação ou o fortalecimento de cursos de música, bem como o revigoramento das iniciativas antigas ou já existentes — bandas, orquestras etc”. Segundo Nei, esse é apenas o primeiro passo.

Claro que o problema principal é a censura imposta pelas transnacionais à música brasileira. No que diz respeito ao aspecto da educação musical, o Sindicato dos Músicos Profissionais do Rio de Janeiro (Sindmusi-RJ), reivindica a volta dessa disciplina aos currículos escolares, mas com novas características. A violista Débora Cheyne, vice-presidente do Sindmusi, afirma que “A formação musical das pessoas é deficiente. Se não houver uma boa formação musical, não haverá um bom ouvinte. Nossa proposta é de que voltando a existir a disciplina de música nas escolas, não se chegue e ensine qualquer música, mas que em cada região se busque a identidade local, que tipo de música que se cria ali. Isso vai trazer curiosidade às crianças. Não pode chegar numa sala de aula e falar de Chopin de cara. Tem que dar uma pincelada em tudo, mas enfatizar a cultura local. Se você chegar com uma coisa totalmente desconhecida, chata, dali não vai sair nem músico nem público”. 

Democratização ou esbulho? 

Todos concordam que o acesso às técnicas de gravação digital foi facilitado, ficando menos oneroso para alguns músicos, sem contrato com gravadoras, fazerem seus discos de maneira independente. Mas, na opinião do violonista Dalmo Mota, diretor de comunicação do Sindmusi, “O meio digital de gravação barateou muito os custos de registro e isto trouxe facilidade de acesso a esta tecnologia. Mas, essa facilidade tem também o seu lado perverso: como há a possibilidade de gravar toda uma orquestra eletrônica, quase ninguém contrata uma orquestra tradicional, o que deixa muita gente desempregada.” O acesso à tecnologia de gravação, no entanto, não pode ser considerado como grande democratização, uma vez que esses equipamentos são apenas uma pequena parte dos grandes meios de produção. Como a divulgação dos trabalhos é impedida pelo monopólio dos meios de comunicação, forma-se aí o grande gargalo. Segundo Dalmo, “se houve uma certa ‘democratização’ no acesso aos meios de gravação, os músicos que estão produzindo cada vez mais não têm onde veicular esta produção. Nós temos problemas de distribuição e de difusão do produto. A gente não vê música de qualidade nas rádios e nas televisões”. Isso se explica pelo fato de os verdadeiros meios de produção não estarem nas mãos do povo, ou seja, em se tratando de música, os meios de difusão constituem um monopólio que age com as grandes gravadoras.

Nei Lopes confirma: “os meios de comunicação no Brasil são absolutamente antidemocráticos; e não servem à cultura nacional”, como fazer chegar às massas a música que lhes interessa realmente, ainda que ela esteja sendo produzida em maior escala? Aguardar uma atitude do poder público é esperar por quem não ficou de vir, porque uma música popular e democrática só será possível em um Estado popular e democrático.

Mesmo nesse cenário de antimúsica — o cerco do imperialismo, orquestras das emissoras de rádio e TV dissolvidas, diminuição dos elencos das gravadoras, disseminação da informalidade (desemprego), com bons músicos precisando tocar nas ruas em troca de esmolas, tabelas de cachês nunca respeitadas e, por fim, rádios e Tvs executando diuturnamente sons alienantes —, a melhor música popular segue apaixonando idosos e jovens através do trabalho de alguns abnegados que se dedicam hoje a ensinar os porta-vozes musicais das aspirações das massas de amanhã. 

A abnegação recompensada 

Álvaro Carrilho é uma dessas pessoas. Flautista e mestre da Escola Portátil de Música (ver matéria nesta edição), que desenvolve suas atividades na Ladeira da Glória, no Rio de Janeiro, é incansável entusiasta do choro e, por extensão, da música popular, arregaça as mangas: “A gente tem vontade que isso passe para as outras gerações. O próprio Altamiro (Carrilho) ensinou para muitos jovens. Agora nós temos oportunidade de passar isso para um número maior de pessoas, o que fazemos com o maior prazer”. Tendo exercido outra profissão durante muitos anos, só se dedicou integralmente à música depois de aposentado. Quanto aos que sobrevivem da música, afirma que “o músico profissional sempre se vira; faz uma gravação, faz um show aqui, outro ali e assim vai sobrevivendo. Músico rico só aqueles que vem de berço”.

O que todos concordam, sem ressalvas, é que o maior problema hoje é a imposição de um modelo único para a música, como consequência do monopólio exercido pelas corporações internacionais, inclusive sobre os meios de comunicação.

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