O neokantismo dos aliados do “proceso de cambio” na Bolívia

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O neokantismo dos aliados do “proceso de cambio” na Bolívia

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Nota da Redação: Na edição 43 de AND, publicamos o artigo Do "processo de mudança" ao impulsionamento da semifeudalidade, de autoria do mesmo Wilson Enriquez. Ocorre que no último período recebemos um texto do Sr. Jorge Echazu Alvarado — O debate. O proceso boliviano e seus críticos — no qual ele pretende criticar o artigo anterior, o que é rechaçado no presente texto. Para que se compreenda melhor o conteúdo da crítica do Sr. Echazu, seu texto pode ser encontrado em www.anovademocracia.com.br/blog.

O polemista Echazú inicia suas elucubrações de gabinete — do qual jamais saiu — esgrimindo uma espécie de neokantismo ao clamar e queixar-se por uma inexistente neutralidade valorativa em um meio de comunicação, quando o certo é que a imprensa revolucionária pode assumir políticamente a decisão de publicar os disparates revisionistas sempre e quando perseguir o claro objetivo e aplastá-los e contribuir para varrê-los da face da terra cabalmente, assim como também não fazer eco a vociferações reacionárias ou simplesmente não dar tribuna a cadáveres políticos e carros de reboque do reformismo e do revisionismo.

Se dá ênfase a esta aparentemente anódina situação, mas não é a única alusão kantiana do mencionado polemista que, pelo visto, elabora seus argumentos à luz da Crítica da razão prática, de autoria do famoso Königsberg, como ilustra o seguinte parágrafo:

"As hordas enlouquecidas de valentões fascistas atacaram brutalmente os camponeses que já se retiravam ante a notícia da suspensão do ato programado. As esquadras fascistas capturaram um grupo grande de camponeses, anciãos, mulheres e crianças e os conduziram em meio a uma chuva de golpes, murros, pauladas e insultos até a Praça 25 de Mato (sic) e a porta da Casa da Liberdade. Paradoxalmente, a frente dessa casa histórica seria o cenário do ato fascista, racista e inumano mais infame da história nacional, cometido contra ese humildes camponeses, obrigados a andar de joelhos, desnudos e permanentemente golpeados1."

Donde o autor reclama "humanidade", ao invés de reconhecer uma clara derrota política dos aliados do MAS. Verdade seja dita, os adeptos ou simpatizantes do partido do governo se reuniram no lugar onde foram espancados não por mera casualidade ou curiosidade, mas para manifestar abertamente sua posição de apoio a Evo Morales, no contexto de um crescente clima de beligerância.

Então, ali onde se asume uma posição política numa situação complexa, deve-se igualmente estar preparado para asumir os custos políticos. As massas camponesas e indígenas da Bolívia, em múltiplas oportunidades, têm dado valiosos exemplos de luta, audácia e sobretudo de perspicácia política. Mas, este segmento do campesinato afim ao MAS só demonstrou a debilidade ideológica deste partido, assim como dos outros partidos que o acompanham no demagogicamente denominado "proceso de mudança", pois mostraram incapacidade organizativa para planejar uma retirada, conjurar ou neutralizar o ataque dos mercenários da oligarquia sucrense.

Donde o autor reclama "humanidade",
ao invés de reconhecer uma clara derrota
política dos aliados do MAS

Utilizar como carne de canhão a um grupo de camponeses para logo depois apelar para um tom lastimoso de talante humanista, que permita reverter a derrota política em um "triunfo moral", através de espalhafatos midiáticos e o apoio das ONGs ligadas ao ativismo pelos direitos humanos só demonstra a instrumentalização da masa camponesa e indígena, a qual é anulada em seu papel fundamental de protagonistas, de sujeitos da emancipação, e miseravelmente lhe relega ao papel de tontos úteis do gamonal-sindicalismo.

Algo que deve ficar claro, é que aquí não se nega o caráter fascista dessa corja de bandoleiros e mercenários, verdadeiros exércitos paramilitares das oligarquias dos departamentos que conforman a chamada "Meia Lua" (Santa Cruz, Beni, Pando, Cochabamba, Sucre, Tarija); tão pouco a utilizacão de discursos racistas com os quais se enverniza a luta de classes na Bolivia, retroagindo ao discurso do "sangue puro" espanhol que serviu de pretexto ideológico à invasão da Hispanoamérica. Considerando os séculos de invasão árabe que os espanhóis experimentaram previamente, é uma prova palpável do nível discursivo do tal "sangue puro", que não suportaria uma explicação científica desde o campo da biología, onde o conceito de raça é uma abstracção sem fundamento prático.

E quanto ao gamonal-sindicalismo, toscamente pretende-se confundir esta categoria com a de sindicalismo gamonal. Porém, quando nos referimos ao gamonal-sindicalismo, estamos falando do gamonalismo que é sustentado pelo sindicalismo corrupto exercido pela cúpula sindical que manipula e maneja os cordões do campesinato na Bolivia.

Segundo Mariátegui, o gamonalismo não alude específicamente a uma categoría socio-econômica representada pelos gamonais, os mesmos que efectivamente deixaram de existir no ocidente boliviano com a reforma agraria de 1953; acrescentamos que o gamonalismo é uma categoría política fecha a trama hierárquica mediante a qual se mantém sobrevientes as relações sociais de produção exploradoras no ocidente boliviano nos marcos de uma evolução da semifeudalidade. Confundir gamonalismo com latifundismo é obra de Echazú, não nossa.

Echazú desconhece a perenização, na realidade rural do Ocidente boliviano, de alguns medifúndios, como parte de terras consolidadas aos ex-patrões, que hoje se reciclaram como uma casta neo-patronal de "gamonaizinhos", vinculados aos camponeses pobres ou ao o semi-proletariado rural, através de relações de produção semifeudais, como a parceria (meia) ou a mink’a (jornada paga com alimentos, bebida ou dinheiro). Em outros casos, onde os patrões foram expulsos da área rural, camponeses que exerciam cargos de secretaria geral nos sindicatos se neciclaram como neo-patrões.

Deve-se reconhecer que as comunidades camponesas do Ocidente boliviano desenvolveram dinâmicas históricas, sociais, econômicas e políticas variadas e heterogêneas, considerando o fato de atualmete não exixtir uma só dessas comunidades camponesas onde não seja possível estabelecer uma diferenciação ente os camponeses — se existe, que o polemista dê o nome e as coordenadas.

Pois bem, esta diferenciação entre os camponeses está balizada por situações como as exemplificadas nos parágrafos anteriores, pela forma como as comunidades se vinculam com o mercado e através da agricultura, mineração, processos de venda de força de trabalho sazonal em cidades, processos de migração do campo à cidade, ou ao exterior do país, entre as múltiplas variantes.

Desta tribuna queremos ser enfáticos
em reiterar a necessidade de considerar
o campesinato e os povos indígenas da Bolívia
como sujeitos protagônicos
da emancipação do capitalismo burocrático

Esta situação tampouco é alheia a muitas comunidades de ayllus onde a dotação de terras aos comunários nem sempre é igualitária. As relações entre comunários locais e os residentes em cidades ou no exterior não são necessariamente de reciprocidade ou harmônicas, como pretendem apresentar alguns ideólogos do MAS, repetindo a ladainha da antropologia do Norte e dos membros da renovada religião andina.

Em outras circunstâncias, algumas comunidades de ayllus do Ocidente boliviano vivem sob o jugo dos "vizinhos do povo", estes últimos só se dedicam a dirigir o processo de produção agrícola em suas terras, mantendo relações de exploração com comunários de aylllus.

De tal modo que a veleidade multiculturalista do pós-modernismo — aparentemente consumido com avidez por Echazu e disfarçada quando ele se esconde em uma leitura revisionista de Lenin ao plantear uma "autodeterminação das nações" — não deve fazer perder de vista a existência de luta da classes nas zonas rurais do ocidente boliviano como subrepticiamente desliza o mencionado polemista.

Desta tribuna queremos ser enfáticos em reiterar a necessidade de considerar o campesinato e os povos indígenas da Bolívia como sujeitos protagônicos da emancipação do capitalismo burocrático, sistema que o MAS e seus aliados se encarregan de aprofundar.

O outro é ir pelo mundo reconhecendo nações de pouco mais de dez pessoas (ex. Toromonas), etnias cujas estratégias de manter viva suas culturas tem sido a fusão com outros grupos étnicos, como já ocorreu na Amazônia boliviana (ex. Pachauaras com Chacobos); ou ir obsequiando títulos de Terras Comunitárias de Origem (TCO) a etnias itinerantes que consideram como invadidos seus territórios sobre os quais não renunciam a seguir transitando (ex. Ayerosos), considerando que a invasão pela modernidade é inexoravelmente irreverssível. Ou por outro lado, inscrever uma TCO que posteriormente será manipulada pela oligarquia fascista crucenha, como é o caso da TCO Guarayos, completamente manipulada pelo atual Presidente do Comitê Cívico Pro Santa Cruz: Banco Marinkovic. Pese o que diz a ONU, que santificou tantas intervenções imperialistas, mas ainda assim merece a veneração de Echazú.

De volta ao sindicalismo corrupto na Bolívia, não só nos referíamos ao de Jaime Solares, sobre quem coincidimos com Echazú em sua tipificação. Só que em sua miopia intelectual, o polemista não é capaz de atinar que em nosso juízo, os heróis e heroínas de outubro de 2003 são gente anônima do povo e não figurões como está acustumada a identificar a historiografia positivista.

Também nos referíamos às "maletinhas" com dinheiro dos governos de turno que circularam e circulam nos Congressos da COB e dos que o mencionado senhor deve ter conhecimento. Mas à margem desses fatos, fundamentalmente a necessidade de independência sindical atavés da auto-sustentação, como assinalava Mariátegui em Ideologia e Política, mas ao que parece, para o polemista isso é um assunto irrelevante.

Finalmente, se para Echazú a Assembéia Popular de 1971 é um paradigma revolucionário, em clara repetição do receituário do trotskismo boliviano sobre o chamado "Poder Dual", com o qual o "PC-MLM" compartilhou assentos na referida Assembléia, o problema é dele. Nós reafirmamos que tal Assembléia se tratou de um conciliábulo de charlatães com pompas revolucionárias entre quatro paredes, que não aportou uma linha aos revolucionários bolivianos e do mundo no caminho democrático da transformação de nossas sociedades.

Então que o senhor Echazú avalie e tome posição sobre a experiência da Assembéia Popular de 1971 e deixe de fazer ginástica elusiva e demagógica falando de outro fato como a resistência antifascista de Laikakota, da qual nem fizemos menção, pois a Assembléia Popular não se organizou precisamente para resistir ao golpe de Estado ou para realizar "os outros atos revolucionários" que efetivamente desconhecemos.

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